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Disbiose e Parkinson: desequilíbrio intestinal pode favorecer o surgimento da doença?

A microbiota intestinal é o conjunto de bactérias e outros micro-organismos que habitam o trato gastrointestinal. Evidências crescentes apontam que o desequilíbrio da microbiota – uma condição clínica chamada disbiose, na qual há maior número de bactérias nocivas do que benéficas – pode influenciar no desenvolvimento e na progressão de doenças neurodegenerativas, como o Parkinson. Dois artigos científicos brasileiros publicados recentemente reforçam essa hipótese e descrevem um possível mecanismo por trás dessa conexão. 

Qual a possível relação entre disbiose e Parkinson?

A disbiose intestinal costuma ser notada com frequência em pessoas com Parkinson esporádico, ou seja, casos em que não há um fator genético envolvido. Embora a relação entre essas duas condições ainda não seja bem esclarecida, estudos anteriores mostraram que algumas células do intestino expressam a proteína a-sinucleína, cuja agregação está sabidamente relacionada com a doença de Parkinson.

Na investigação que originou os dois novos estudos, conduzida pelo Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), de Campinas, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os pesquisadores analisaram uma bactéria específica chamada Akkermansia muciniphila, que, conforme reportado em trabalhos recentes, se apresenta em maior quantidade em amostras fecais de pacientes com Parkinson.

A equipe de cientistas descobriu que essa bactéria é capaz de agregar a proteína a-sinucleína nas células do intestino. Eles perceberam, também, que quando as células intestinais foram cultivadas juntamente com neurônios, a proteína a-sinucleína poderia ser transferida de um tipo celular para outro.

Em resumo, a investigação sugere que a disbiose intestinal pode levar ao aumento de espécies de bactérias que, eventualmente, contribuem para a agregação da a-sinucleína no intestino. E que essa proteína pode então migrar para o sistema nervoso central, configurando um possível mecanismo de surgimento da doença de Parkinson esporádica.

O que é a doença de Parkinson?

Segunda doença neurodegenerativa mais comum, o Parkinson ocorre pela degeneração progressiva dos neurônios que produzem dopamina – substância química do cérebro que, entre outras funções, ajuda na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática. Por conta disso, o distúrbio causa uma série de sintomas relacionados ao controle motor:

  • Tremores;
  • Rigidez muscular;
  • Lentidão e dificuldade de controlar os movimentos;
  • Alterações e dificuldades na fala e na escrita.

Por mais que os sintomas motores sejam os mais característicos do Parkinson, existem outros que também são frequentes e que podem aparecer muitos anos antes do diagnóstico da doença. Eles incluem quadros recorrentes de constipação intestinal, náusea, redução do olfato e movimentação durante o sono.

Como a disbiose pode prejudicar o organismo?

Quando os micro-organismos que compõem a microbiota estão em equilíbrio, eles têm um efeito benéfico para o corpo, auxiliando na digestão e no funcionamento do sistema imunológico. Por outro lado, quando ocorre a disbiose e há um predomínio de bactérias más, a digestão de alguns alimentos pode ser prejudicada, bem como a produção de vitaminas e a proteção do trato gastrointestinal contra agentes agressores.

A disbiose pode causar sintomas como constipação ou diarreia, gases e distensão abdominal. Quando não é devidamente tratada, pode aumentar o risco de problemas mais sérios, como doenças inflamatórias intestinais, síndrome do intestino irritável, obesidade, câncer, problemas cardiovasculares e doenças autoimunes.

Atenção: caso você tenha sintomas gastrointestinais frequentes, busque a avaliação de um especialista.

O que fazer para evitar a disbiose?

A má alimentação está entre as principais causas da disbiose. Portanto, uma medida importante para prevenir a condição é fazer certos ajustes na dieta. As recomendações incluem:

  • Beber bastante água;
  • Apostar em probióticos, que contribuem para a integridade intestinal.
  • Reduzir o consumo de açúcar, álcool, farinha branca e alimentos ultraprocessados;
  • Evitar o excesso de certos alimentos que costumam causar constipação, gases e desconfortos gastrointestinais, como: Alimentos enlatados, principalmente carnes; Carboidratos em milho, aveia ou pão; Algumas frutas como banana, maçã e uva; Produtos com lactose, como iogurte, leite e queijo;

Outra possível causa da disbiose é o uso indiscriminado de medicamentos, como antibióticos, anti-inflamatórios e laxantes. Por isso, nunca se automedique, sempre procure a orientação de um médico para o tratamento de qualquer problema de saúde.

Como probióticos podem ajudar a manter o equilíbrio da microbiota intestinal?

Os probióticos são bactérias benéficas que auxiliam no equilíbrio da microbiota intestinal. Eles “competem” com as bactérias ruins por um espaço na mucosa gastrointestinal, protegendo a região e garantindo seu equilíbrio. Portanto, os probióticos são grandes aliados para o tratamento da disbiose intestinal.

Atenção: é importante pedir a orientação de um profissional de saúde para o consumo do probióticos, porque o tipo e a dosagem variam de acordo com a idade da pessoa e a finalidade do consumo, entre outros fatores.

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Referências


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H. Pylori: novas perspectivas com LGG [podcast]

Neste episódio, produzido pela PEBMED em parceria com a Cellera Farma, Vera Lucia Angelo Andrade aborda sobre como a suplementação de probióticos é uma terapia emergente para o tratamento de H. pylori visando minimizar os efeitos colaterais no tratamento da bactéria.

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Você irá ouvir tópicos como:

Muitos pacientes procuram o médico ansiosos, dizendo: “Dr eu tenho uma bactéria no estômago o H. pylori. Eu vi na internet que esta bactéria pode levar ao câncer”

Este tipo de consulta tem sido muito frequente e cabe a nós profissionais de saúde orientarmos adequadamente o paciente. Primeiro é preciso esclarecer:  que bactéria é esta? O H. pylori é uma bactéria gram-negativa espiralada, que foi descrita pelos pesquisadores australianos Warren e Marshall, que inclusive ganharam o prêmio Nobel de Medicina na década de 1980. 

Esta bactéria é rara? Só eu tenho o H. pylori? 

A infecção pelo H. pylori  é uma das infecções mais comuns no mundo. Estima-se que 50% da população mundial tenha essa bactéria e no nosso meio esse número pode chegar a  60/70%.  Sendo mais predominante quando faltam condições de higiene e saneamento básico. 

Como ocorre a contaminação? 

O modo de transmissão pode ser através das vias oral-fecal, oral-oral ou oral-gástrica.  A infância é o período de maior risco para infecção.   Parece ser incomum a aquisição ou o desaparecimento da infecção no indivíduo adulto. 

Quais as doenças podem estar relacionadas com esta bactéria? 

  • Úlcera péptica gastroduodenal
  • câncer gástrico
  • linfoma MALT
  • Gastrite
  • Duodenite

Em quais situações clínicas deve-se investigar a presença da bactéria? 

  • queixas dispépticas
  • suspeita de câncer gástrico (perda de peso, dor intensa, anemia)
  • quando se pretende utilizar AINES ou AAS de forma prolongada 
  • deficiência de B12
  • ferropenia inexplicada
  • púrpura trombocitopênica imune 

Como é feito o diagnóstico? 

Não há nenhum sinal ou sintomas que nos leve a pensar que o paciente possa estar com esta infecção. Azia, queimação ou dor no estômago podem ocorrer em esofagite, gastrite e duodenite. A maioria dos pacientes com gastrite por H. pylori é assintomática ou oligossintomática (pouco sintomáticas) 

Já que os sintomas contribuem pouco com o diagnóstico é feito? O diagnóstico de infecção pelo H. pylori pode ser feito: 

  • Endoscopia digestiva alta com biópsias e estudo histopatológico com coloração especial para a pesquisa da bactéria ou teste da ure0ase. 
  • Teste respiratório com ureia marcada com carbono 13. É considerado o padrão ouro para diagnóstico não invasivo, com sensibilidade e especificidade superiores a 95%. . É um exame barato, de fácil execução porém pouco disponível no Brasil. 
  • Pesquisa de antígeno fecal. Apresenta boa sensibilidade e especificidade 

Por quê tratar o H. pylori? 

  • O H. pylori é considerado o mais importante fator de risco para o câncer gástrico.  
  • 80% dos tumores gástricos malignos estão associados à infecção.  
  • No grupo de pacientes em que a bactéria foi erradicada houve redução de 30-40% na incidência de câncer gástrico. 

Como é feito o tratamento?  

Os primeiros tratamentos para erradicação da bactéria H.pylori foram descritos em 1983. Quatro Consenso terapêuticos já foram propostos. Segundo o último, o IV Consenso Brasileiro da Infecção pelo H. pylori publicado em 2018 , o tratamento que era  realizado por 7  dias foi ampliado para 14 dias A justificativa dos especialistas é que essa ampliação levaria a melhora da eficácia terapêutica. O tratamento proposto como primeira opção terapêutica inclui uma associação entre antibióticos e inibidores de bomba de prótons. Os antibióticos mais usados são metronidazol, amoxicilina e claritromicina, associados a inibidor de bomba de prótons preferencialmente de segunda geração como por exemplo o esomeprazol ou lanzoprazol.  A inclusão de inibidores de bomba de prótons é necessária, pois a elevação de pH gástrico aumenta a efetividade da ação dos antibióticos. 

Quais são os efeitos colaterais deste tratamento? 

Cefaleia, insônia, disgeusia, diarreia, vômito, dispepsia (indigestão), náusea, dor abdominal, teste de função hepática anormal, rash e hiperidrose; 

Muitos pacientes suspendem o tratamento por efeitos colaterais?

Sim, muitos pacientes que apresentam efeito colateral, durante o tratamento tendem a abandonar o mesmo. Esta suspensão pode ser desastrosa por levar resistência as drogas. Este fato nos motiva a buscar novas estratégias para o tratamento da bactéria e que melhorem as taxas de erradicação, e reduzam a frequência de efeitos adversos

Considerando que a diarreia é um possível efeito colateral, o uso de probióticos poderia ser um adjuvante no tratamento? 

Probióticos são definidos pela Organização Mundial de Saúde como microorganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro têm vantagens como segurança, imunomodulação e capacidade antipatógena.

Segundo a literatura a suplementação de probióticos é uma terapia emergente para o tratamento de H. pylori   visando minimizar os efeitos colaterais no tratamento desta bactéria.  Outro fato interessante a se destacar é que s probióticos podem impedir a colonização de H. pylori competindo por locais de ligação ou perturbando o processo de adesão. Probióticos podem bloquear a colonização de bactérias patogênicas nas células epiteliais gastrointestinais. O aumento da barreira mucosa por probióticos ajuda o hospedeiro a impedir a colonização por H. pylori.

O que se pode concluir sobre a prescrição de probióticos no tratamento do H. pylori?

Embora o  IV Consenso Brasileiro da Infecção pelo H. pylori  não recomende a suplementação de rotina no tratamento, os resultados científicos  até agora são encorajadores e a experiência clínica mostra melhora da adesão a terapia tríplice e menor incidência de diarreia e de alterações de paladar. As cepas mais citadas na literatura como eficazes são: Lactobacillus rhamnosus GG,  L . casei e L reuter. i  Em conclusão, o uso de probióticos para tratar a infecção por H. pylori é uma opção terapêutica viável, mas apresenta algumas incertezas: dose ideal, duração da terapia e os mecanismos de interação entre os probióticos e antibióticos prescritos.

Autor(a):

Vera Lucia Angelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Referências bibliográficas: 

  1. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos MDCF, Zaterka S, Assumpção PP, Barbosa AJA, Barbuti R, Braga LL, Breyer H, Carvalhaes A, Chinzon D, Cury M, Domingues G, Jorge JL, Maguilnik I, Marinho FP, Moraes-Filho JP, Parente JML, Paula-E-Silva CM, Pedrazzoli-Júnior J, Ramos AFP, Seidler H, Spinelli JN, Zir JV. IVTH Brazilian consensus conference on Helicobacter pylori infection. Arq Gastroenterol. 2018 Apr-Jun;55(2):97-121 
  2. Ji J, Yang H. Using Probiotics as Supplementation for Helicobacter pylori Antibiotic Therapy. Int J Mol Sci. 2020 Feb 8;21(3):1136.

Infecções respiratórias: probióticos no tratamento e prevenção

As infecções respiratórias são quadros extremamente comuns, tanto na população pediátrica quanto em adultos. A pandemia da covid-19 trouxe novos reconhecimentos desses quadros como causadores de grande morbidade e mortalidade para a população. Os quadros infecciosos respiratórios trazem inúmeros prejuízos econômicos e financeiros, visto as altas taxas de hospitalizações, absenteísmo e custos para seu tratamento.

A grande variedade de agentes etiológicos e a limitada disponibilidade de vacinas para esses agentes gera um grande desafio preventivo na prática. Assim, formas adicionais de prevenção têm sido buscadas na literatura, com interesse da população geral acerca de evidências a esse respeito.

Infecções respiratórias: o que são?

As infecções respiratórias consistem em síndromes clínicas caracterizadas pela invasão do trato respiratório, em qualquer parte, com produção de sinais e sintomas. Podem ocorrer tanto nas vias aéreas superiores, quando produzem os quadros de resfriado comum, rinites, sinusites, adenoidites, faringoamigdalites, epiglotites e laringites, quanto nas vias aéreas inferiores, onde causam as traqueítes, bronquiolites, tuberculose pulmonar e pneumonias. Em algumas situações, podem ser acometidas mais de uma parte das vias aéreas.

As infecções respiratórias são particularmente graves em alguns grupos, como crianças, idosos, portadores de doenças crônicas, grupos desfavorecidos socialmente e minorias étnicas. A maior parte dos quadros são causados por vírus, apesar de bactérias, fungos e parasitas também estarem envolvidos.                           

As infecções respiratórias de etiologia viral revestem-se de importância pelo seu alto contágio, com surgimento de surtos e epidemias associados, inclusive nos ambientes de creches e escolas. Geralmente, apresentam um caráter sazonal, com aumento dos casos nos períodos do outono e inverno. Porém, podem ocorrer em qualquer época do ano, como observado no último surto de influenza H3N2 observado em várias cidades brasileiras nos meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022.

Como a microbiota intestinal interfere nas infecções respiratórias?

A microbiota intestinal é composta por aproximadamente 104 bactérias de cerca de 1000 espécies diferentes. Os filos Firmicutes e Bacteroidetes formam cerca de 90% dessa microbiota. Chunxi et al (2020) ressaltam as semelhanças que as mucosas intestinal e respiratória apresentam: estrutura embrionária comum, funções estruturais e anatômicas semelhantes e colonização microbiana no início da vida ocorrendo de forma parecida. Assim, essas duas estruturas apresentam relações íntimas, reconhecidas como o eixo intestino-pulmonar (“Gut-lung axis”), com interações recíprocas que podem contribuir para suas funções.

Mudanças na microbiota intestinal não alteram apenas a função desse órgão, mas também podem causar desvios na função de vários outros órgãos. Diversos estudos têm sugerido que mudanças na microbiota intestinal estão associadas a doenças como alergias, doenças autoimunes, diabetes, obesidade e neoplasias, apesar dos mecanismos pelos quais essa relação ocorre ainda não estarem completamente compreendidos.

A microbiota intestinal tem sido reconhecida como tendo um papel relevante com relação à imunomodulação do hospedeiro, incluindo no que diz respeito ao trato respiratório. O papel exato da microbiota intestinal no trato respiratório ainda não é conhecido, mas mecanismos possíveis descritos na literatura sugerem que a regulação da população de células T, a produção de metabólitos da microbiota (como os ácidos graxos de cadeia curta), o desenvolvimento da tolerância imunológica, o aumento da produção de imunidade da mucosa (através do aumento da IgA) e a regulação da produção de citocinas estão envolvidas nessa relação.

Com relação ao papel da microbiota nas infecções respiratórias, diversos autores têm ressaltado a importância dessas relações. Chaux et al (2020) descrevem que a microbiota intestinal beneficia a mucosa respiratória através do estímulo à sua imunidade de mucosa e ao aumento da proteção contra infecções respiratórias, à distância, através da modulação da resposta imune do hospedeiro. Estudos têm observado a diferença da microbiota intestinal em pacientes com determinadas infecções respiratórias (vírus sincicial respiratório, influenza e tuberculose) quando comparados a pacientes sadios.

A desregulação da microbiota intestinal pode gerar um desbalanceamento da resposta imune contra vírus e bactérias, conforme apontam Shahbazi et al (2020). Os mesmos autores esclarecem que a microbiota intestinal está associada à sinalização pela via dos interferons, que são cruciais para a resposta contra infecções virais. Essa modulação pode também ocorrer no trato respiratório, através da migração de células imunológicas da mucosa gastrointestinal para o trato respiratório. Além disso, a microbiota intestinal esteve associada tanto à regulação da imunidade inata quanto da imunidade adquirida.                

Avaliação do uso de probióticos na prevenção e tratamento das infecções respiratórias

Segundo Suez et al (2019), os probióticos podem ser definidos como “microrganismos vivos que conferem benefícios na saúde quando consumidos em quantidades adequadas”. Geralmente, são compostos por cepas das espécies Lactobacillus, Bifidobacterium ou Saccharomyces. Os probióticos têm sido implicados no tratamento da disbiose, que é um desbalanço na população microbiana comensal que pode comprometer a função da mucosa intestinal. O uso dos probióticos apresenta o potencial de manter a barreira de mucosa intestinal e exercer atividade imunomodulatória, através da prevenção ou tratamento da disbiose. 

O uso de probióticos como forma de prevenção e tratamento das infecções respiratórias tem sido levantado na literatura, baseado nos achados de que a microbiota intestinal apresenta um papel fundamental na imunomodulação do sistema respiratório, afetando sua capacidade de defesa contra agentes invasores. A ideia do uso dos probióticos para a melhora dos quadros de infecções respiratórias é que, ao se melhorar a microbiota intestinal, é possível realizar um melhor ajuste dos mecanismos de proteção da via respiratória. Por exemplo, o uso de probióticos em ratos foi associado ao aumento da produção de diversas citocinas (incluindo o TNF-alfa e o IFN-gama) a nível de mucosa respiratória em um estudo experimental. 

Suez et al (2019) relatam que diversas metanálises e revisões sistemáticas sugerem que os probióticos podem ser eficazes em reduzir a gravidade, duração e incidência de infecções respiratórias em crianças e adultos, apesar da baixa evidência desses estudos.    

Uma revisão de 2018 (Robinson et al, 2018) encontrou estudos randomizados nos quais o uso de probióticos, especialmente de cepas do Lactobacillus rhamnosus, esteve associado, com relevância estatisticamente significativa, à redução de pneumonia associada à ventilação mecânica. Já a metanálise realizada por Long et al (2017) encontrou redução nas taxas de infecção respiratórias superiores, redução de absenteísmo escolar e redução do uso de antibióticos associado a infecções respiratórias com o uso de probióticos, apesar das qualidades das evidências também ser baixa. 

Uma revisão sistemática brasileira (Araujo et al, 2015) encontrou resultados que sugerem que o uso de probióticos está relacionado com a redução de novos episódios de infecções respiratórias, principalmente em pacientes com história clínica de infecções respiratórias de repetição. 

Apesar disso, geralmente os estudos indicativos do benefício do uso dos probióticos em infecções respiratórias são baseados em estudos in vitro ou com metodologias inadequadas. Os que são baseados em metodologias apropriadas, como estudos duplo-cego, controlados por placebo, frequentemente apresentam resultados contraditórios. Os mecanismos de benefício dos probióticos na prevenção de doenças respiratórias ainda não são completamente compreendidos, e ainda não está claro se os custos relacionados com o uso de probióticos justificam o uso deles para fins de prevenção e tratamento de infecções respiratórias.  

Por ora, apesar de poucas orientações clínicas disponíveis, há uma crescente tendência de estudar e aplicar na prática o uso dos probióticos na prevenção e no tratamento adjuvante das doenças infecciosas respiratórias. Diversos estudos já destacam a importância da modulação da microbiota através do uso dos probióticos como um mecanismo promissor no controle dos processos inflamatórios. Apesar disso,  há a necessidade de mais testes clínicos randomizados, além do estabelecimento de protocolos padronizados para uso clínico, para que a aplicabilidade clínica seja feita de forma segura e eficaz.

Autora:

Dolores Henriques

Médica formada pela UNIRIO ⦁ Residência médica em pediatria pelo HUPE/UERJ ⦁ Médica concursada do Ministério da Educação (Colégio Pedro II e CEFET-RJ) ⦁ Tem experiência nas áreas de Terapia Intensiva Pediátrica, Pediatria Geral e Medicina de Urgência.

Referências:

  1. Araujo GV et al. Probiotics for the treatment of upper and lower respiratory-tract infections in children: systematic review based on randomized clinical trials. Jornal de pediatria, v. 91, p. 413-427, 2015.
  2. Chunxi L, Haiyue L, Yanxia L, Jianbing P, Jin S. The Gut Microbiota and Respiratory Diseases: New Evidence. J Immunol Res. 2020 Jul 31;2020:2340670. doi: 10.1155/2020/2340670. PMID: 32802893; PMCID: PMC7415116.
  3. Dhar D, Mohanty A. Gut microbiota and Covid-19- possible link and implications. Virus Res. 2020 Aug;285:198018. doi: 10.1016/j.virusres.2020.198018. Epub 2020 May 13. PMID: 32430279; PMCID: PMC7217790.
  4. Dumas A, Bernard L, Poquet Y, Lugo-Villarino G, Neyrolles O. The role of the lung microbiota and the gut-lung axis in respiratory infectious diseases. Cell Microbiol. 2018 Dec;20(12):e12966. doi: 10.1111/cmi.12966. Epub 2018 Oct 30. PMID: 30329198.
  5. Fiocruz. Observatório do clima e saúde. Infecção respiratória aguda (IRA). <https://climaesaude.icict.fiocruz.br/infeccao-respiratoria-aguda-ira>. Acesso em 11/02/2022. 
  6. Harper A, Vijayakumar V, Ouwehand AC, Ter Haar J, Obis D, Espadaler J, Binda S, Desiraju S, Day R. Viral Infections, the Microbiome, and Probiotics. Front Cell Infect Microbiol. 2021 Feb 12;10:596166. doi: 10.3389/fcimb.2020.596166. PMID: 33643929; PMCID: PMC7907522.
  7. Instituto Butantan. Surto de influenza H3N2 foi impulsionado por cepa mais transmissível, baixa vacinação e redução das medidas contra covid. <https://butantan.gov.br/noticias/surto-de-influenza-h3n2-foi-impulsionado-por-cepa-mais-transmissivel-baixa-vacinacao-e-reducao-de-medidas-contra-covid>. Acesso em 12/02/2022. 
  8. Long JD, Morris A. Probiotics in Preventing Acute Upper Respiratory Tract Infections. Am J Nurs. 2017 Dec;117(12):69. doi: 10.1097/01.NAJ.0000527494.16987.1e. PMID: 29189253.
  9. Robinson JL. Probiotics for Modification of the Incidence or Severity of Respiratory Tract Infections. Pediatr Infect Dis J. 2018 Jul;37(7):722-724. doi: 10.1097/INF.0000000000002000. PMID: 29570585.
  10. Shahbazi R, Yasavoli-Sharahi H, Alsadi N, Ismail N, Matar C. Probiotics in Treatment of Viral Respiratory Infections and Neuroinflammatory Disorders. Molecules. 2020 Oct 22;25(21):4891. doi: 10.3390/molecules25214891. PMID: 33105830; PMCID: PMC7660077.
  11. Silva Filho EBS et al. Infecções Respiratórias de Importância Clínica: uma Revisão Sistemática. Rev FIMCA 2017; 4 (1): 716.
  12. Strauss M, Mičetić-Turk D, Pogačar MŠ, Fijan S. Probiotics for the Prevention of Acute Respiratory-Tract Infections in Older People: Systematic Review. Healthcare (Basel). 2021 Jun 7;9(6):690. doi: 10.3390/healthcare9060690. PMID: 34200435; PMCID: PMC8228160.
  13. Suez J, Zmora N, Segal E, Elinav E. The pros, cons, and many unknowns of probiotics. Nat Med. 2019 May;25(5):716-729. doi: 10.1038/s41591-019-0439-x. Epub 2019 May 6. PMID: 31061539.
  14. Wypych TP, Wickramasinghe LC, Marsland BJ. The influence of the microbiome on respiratory health. Nat Immunol. 2019 Oct;20(10):1279-1290. doi: 10.1038/s41590-019-0451-9. Epub 2019 Sep 9. PMID: 31501577.
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Diarreia associada ao uso de antibióticos – Quando usar o probiótico

Cerca de 30% dos pacientes em uso de antibióticos apresentam diarreia durante ou até 8 semanas após o tratamento. A prevenção deste quadro pode ser feita através do uso de probióticos como o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) e Saccharomyces boulardii.

Assista o vídeo para entender mais sobre o assunto:

Suplementação de probiótico ajuda o sistema digestivo de bebês?

Segundo uma pesquisa publicada no jornal Pediatric Research, a suplementação de Bifidobacterium longum subspecies infantis (B. infantis) no primeiro mês pós-natal, em combinação com o leite materno, resultou em colonização estável que persistiu até, pelo menos, um ano após o nascimento da criança, isto é, o probiótico pode persistir no intestino de bebês por até um ano, tendo um importante papel para um sistema digestivo saudável.

O leite materno fornece um amplo espectro de moléculas biologicamente ativas que auxiliam no desenvolvimento e maturação do intestino e do sistema imunológico inato e adaptativo, além de apoiar o crescimento da microbiota intestinal protetora. O B. infantis é uma bifidobactéria intestinal que ajuda na digestão de oligossacarídeos encontrados no leite materno. A bactéria já foi comumente encontrada em bebês amamentados com leite materno, mas praticamente desapareceu nos países industrializados. Estudos recentes relataram uma microbiota intestinal disfuncional em lactentes em aleitamento materno. Acredita-se que a redução dramática se deva a fatores como o aumento do uso de antibióticos, alimentação com fórmula e parto cesáreo. O uso de probióticos tem sido aplicado na tentativa de restaurar a microbiota intestinal. No entanto, pesquisas mostraram que a colonização foi transitória, inconsistente entre os indivíduos ou não impactou positivamente o intestino do hospedeiro.

Análise atual

Pesquisadores da University of California Davis realizaram um estudo de acompanhamento de 2 anos para um ensaio randomizado controlado em que bebês de 7 dias de vida receberam 1,8 × 1010 unidades formadoras de colônias de B. infantis EVC001 diariamente durante 21 dias ou apenas leite materno não suplementado. No estudo de acompanhamento, as mães (n = 48) coletaram as fezes do bebê aos 4, 6, 8, 10 e 12 meses de vida do bebê e completaram um questionário de dieta saudável. Em um estudo anterior, denominado IMPRINT, os pesquisadores avaliaram bebês saudáveis, a termo, amamentados com o mesmo suplemento de probiótico durante o mesmo período de 21 dias consecutivos, também começando no sétimo dia pós-natal e observaram colonização persistente de B. infantis nas fezes do bebê um mês após a suplementação.

Os cientistas observaram que a presença de B. infantis nas fezes foi 2,5 a 3,5 unidades log mais altas aos 6 a 12 meses de vida no bebê no grupo que recebeu a suplementação em comparação ao grupo amamentado com leite materno sem o suplemento (P < 0,01) e esta relação se fortaleceu com a exclusão de bebês que consumiram fórmula infantil e antibióticos. Os bebês do grupo que receberam o probiótico apresentaram significativamente mais Bifidobacteriaceae e menos Bacteroidaceae e Lachnospiraceae (P < 0,05). Não houve diferenças nas condições de saúde entre os dois grupos. Bacteroidaceae é uma família de bacilos Gram-negativos, anaeróbios obrigatórios e não esporulados, comumente encontrados no cólon adulto humano saudável. Enquanto a maioria dos membros desta família são considerados comensais, algumas espécies, como Bacteroides fragilis, incluem cepas patogênicas. A família Bacteroidaceae também contêm um conjunto expandido de genes codificados em loci de utilização de polissacarídeos, permitindo o consumo de ambos alimentos dietéticos polissacarídeos, bem como glicanos derivados do hospedeiro. Especificamente, Bacteroides thetaiotaomicron e B. fragilis, comuns no intestino neonatal, lançam mão de um grande conjunto de loci de utilização de polissacarídeo de degradação de mucina para catabolizar oligossacarídeos. Além disso, evidências atuais sugerem que a espécie Ruminococcus gnavus, que pertence à família Lachnospiraceae, pode desempenhar um papel fundamental na alergia e no desenvolvimento imunológico em bebês e na inflamação no intestino de pacientes adultos com doença de Crohn.

Mensagem final

A relevância desse estudo está no fato de que a colonização em longo prazo de um probiótico após a interrupção de seu consumo não havia sido demonstrada anteriormente. Esses resultados apoiam a importância de combinar um microrganismo específico com uma fonte de carboidrato que ele consome seletivamente, fornecendo assim um nicho ecológico aberto para que a bactéria possa ocupar. Os pesquisadores observaram que bebês amamentados com uma suplementação de uma cepa específica de B. infantis (EVC001) que utiliza com eficiência todas as estruturas do oligossacarídeo no leite humano por um breve período resultou em colonização sustentada um ano após a suplementação. A microbiota intestinal na primeira infância desempenha um papel crítico no desenvolvimento do sistema imunológico e na programação metabólica que tem impactos para a saúde por toda a vida. Mudanças na composição da microbiota intestinal com bactérias menos protetoras e patógenos potenciais mais elevados associados a um estilo de vida ocidental parecem aumentar os riscos de desenvolvimento de doenças alérgicas, inflamatórias e autoimunes. Com base nesses resultados, os pesquisadores frisam a necessidade de grandes ensaios clínicos para determinar se a suplementação de B. infantis EVC001 nos primeiros anos de vida previne o desenvolvimento dessas doenças na criança até a idade adulta.

Fonte:  PEBMED

https://pebmed.com.br/suplementacao-de-probiotico-ajuda-o-sistema-digestivo-de-bebes/

Autora: Roberta Esteves Vieira de Castro. Doutora em Medicina pela UERJ, mestre em Saúde Materno-Infantil pela UFF e pós-graduanda em neurointensivismo pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino

Referências bibliográficas:

O’Brien CE, Meier AK, Cernioglo K, et al. Early probiotic supplementation with B. infantis in breastfed infants leads to persistent colonization at 1 year [published online ahead of print, 2021 Mar 24]. Pediatr Res. 2021;10.1038/s41390-020-01350-0. doi:10.1038/s41390-020-01350-0