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Atopia: o que é e como os probióticos auxiliam no tratamento

A alergia é definida como uma resposta anormal do sistema imunológico a substâncias estranhas chamadas alérgenos e geralmente abrange alimentos, pólen, pele, lã, drogas, produtos químicos, animais, ácaros e assim por diante¹. A atopia (também conhecida como sensibilização alérgica) é marcada pela presença de anticorpos imunoglobulina E (IgE) específicos para alérgenos séricos ou por um teste cutâneo positivo para substâncias que podem induzir uma reação de hipersensibilidade. Em indivíduos sensibilizados, a exposição ao alérgeno por inalação, ingestão ou contato com a pele pode levar a doenças, como asma, rinite, dermatite atópica (DA), alergia alimentar (AA), febre do feno, urticária e anafilaxia sistêmica2,3. O desenvolvimento de manifestações atópicas é o resultado de uma predileção genética para produzir IgE específica após a exposição a alérgenos. Nesse processo, a apresentação do alérgeno processado pelas células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T leva à ativação dos linfócitos B e subsequente produção de IgE específica4.

A prevalência de doenças alérgicas está aumentando em todo o planeta, representando um fardo significativo para a sociedade, tanto econômica quanto psicossocialmente5. As doenças alérgicas têm sido associadas a fatores genéticos e/ou ambientais, como o uso de antibióticos de forma inadvertida, dieta com alto teor de gorduras e baixo teor de fibras, que levam à disbiose intestinal precoce e são responsáveis pelo aumento da prevalência de alergia, especialmente nos países ocidentais6. Dados da literatura descrevem que, globalmente, mais de 30% das crianças são alérgicas, com até 10% delas apresentando asma e rinite alérgica e 5 a 7% com AA. O termo “epidemia de alergia” tem sido aplicado para enfatizar esse aumento³.

O eixo intestino-pele desempenha um papel no desenvolvimento de doenças alérgicas por meio da interação imunológica e do microbioma entre o sistema gastrointestinal e a pele. As microbiotas intestinal e cutânea também desempenham um papel fundamental nas vias imunológicas de ambos os sistemas implicadas na patogênese dos distúrbios alérgicos. Inclusive, as doenças alérgicas têm sido caracterizadas por redução da diversidade microbiana, incluindo menos lactobacilos e bifidobactérias, na microbiota neonatal, antes do aparecimento das doenças atópicas (a disbiose intestinal no início da vida foi identificada como um marcador potencial de DA, AA e doenças alérgica das vias aéreas)6,7.

Dados da literatura mostram um aumento do interesse em estratégias de manipulação da microbiota para restaurar o equilíbrio microbiano para a prevenção de doenças atópicas, por meio do uso de probióticos6. Probióticos são microrganismos vivos, que em quantidades adequadas, são potencialmente benéficos para a saúde ao modular a composição da microbiota intestinal, exercendo efeitos imunomoduladores sistêmicos em outros órgãos, além do intestino7

Abordagem clínica da atopia

O diagnóstico de alergias depende de uma história de sintomas de exposição a um alérgeno juntamente com a detecção de IgE específica que pode ser realizada de forma confiável por testes séricos específicos ou testes cutâneos, não sendo esses testes mandatórios para todas as alergias. Ademais, o diagnóstico preciso dos alérgenos responsáveis pela doença alérgica representa oportunidades para terapias específicas, como prevenção de alérgenos e imunoterapia².

Atualmente, pesquisas envolvendo o uso de probióticos no manejo das atopias têm sido realizadas. As interações entre os probióticos e o sistema imunológico podem ser benéficas para a prevenção e o tratamento de doenças alérgicas; no entanto, ainda faltam evidências para apoiar esta conclusão. Além disso, o advento da hipótese microbiana levantou novas preocupações sobre a associação entre as respostas imunes e a microbiota intestinal humana e o impacto dessa associação no desenvolvimento de doenças alérgicas8

Probióticos no tratamento da atopia

O efeito dos probióticos na prevenção e tratamento de alergias ocorre através de mecanismos que precisam ser mais bem compreendidos9. A hipótese do ambiente sugere que a exposição insuficiente ou aberrante a micróbios ambientais é uma das causas do desenvolvimento de alergias e suas doenças associadas10. A microbiota intestinal influencia o desenvolvimento da resposta imune e o equilíbrio de células Th1 / Th2 que, por sua vez, determinam o desenvolvimento da tolerância oral. As células imunes do tipo Th2 produzem interleucina 4 (IL-4), que é essencial para a diferenciação das células B em células produtoras de IgE, e IL-5, que é importante para a atividade de eosinófilos e linfócitos. A permeabilidade intestinal também é alterada, permitindo a absorção de macromoléculas antigênicas9.

Os microrganismos que compõem os probióticos são geralmente bactérias do ácido láctico, incluindo Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus rhamnosus. As espécies de Lactobacillus possuem várias propriedades importantes, como aderência eficiente às células epiteliais intestinais para reduzir ou prevenir a colonização de patógenos, crescimento competitivo e produção de metabólitos para inibir ou matar patógenos e não patógenos. No entanto, outras espécies bacterianas, como Bacillus, Bifidobacterium spp. e Propionibacterium spp também foram descritas como cepas probióticas em vários produtos comerciais10.

Evidências atuais não apoiam o uso rotineiro de probióticos como uma intervenção para prevenir qualquer forma de doença alérgica, com exceção da DA em bebês de alto risco. As cepas, as dosagens, o momento e a duração ideais da administração de probióticos permanecem desconhecidos. No entanto, a pesquisa nesta área está em andamento e espera-se que forneça melhores insights sobre como os probióticos podem contribuir para a prevenção ou tratamento de doenças atópicas5.

LGG® no tratamento da atopia

Uma revisão sistemática de 2007 da Cochrane incluiu seis estudos com um total de 2.080 bebês, avaliando os resultados do uso de probióticos em doenças alérgicas e / ou alergias alimentares. A revisão concluiu que todos os estudos que relataram benefícios significativos usaram suplementos probióticos contendo Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®), a cepa que mais tem sido estudada atualmente. Estudos recentes demonstraram que a suplementação com bactérias probióticas, como LGG®, é capaz de modular a microbiota intestinal que envolve a redução de bactérias patogênicas, incluindo colesterol, e, inversamente, um aumento no nível de bifidobactérias benéficas em neonatos com alergias11,12,13.

O LGG® foi relatado em um número limitado de estudos para melhorar certas respostas específicas de vacina14. Estudos randomizados demonstraram que quando o LGG® ou placebo foram dados a gestantes com histórico familiar sério de DA, rinite alérgica ou asma e depois em recém-nascidos durante os primeiros seis meses após o parto, a incidência de DA em crianças diminuiu em 50%, 44% e 36% em dois anos, quatro anos e sete anos, respectivamente13.  Com relação a AA à proteína do leite de vaca (APLV), uma metanálise recente  demonstrou, em uma análise de subgrupo, benefícios significativos da administração de LGG® na indução de tolerância e em efeito dependente da duração na indução de tolerância observado após, pelo menos, dois anos15.

Para Licciard e colaboradores, a suplementação materna de LGG® pode não ser benéfica em termos de melhoria da imunidade específica à vacina em bebês. No entanto, mais estudos clínicos são necessários. Como os efeitos imunológicos probióticos podem ser específicos da espécie / cepa, o uso potencial de bactérias probióticas para modular as respostas imunológicas infantis às vacinas não pode ser descartado14.

 Autora:

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Referências bibliográficas: 

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Probióticos Como Adjuvantes na Aquisição da Tolerância à APLV

Roberta Esteves Vieira de Castro, MD, MSc, PhD

O que é APLV?

APLV é a sigla para “alergia à proteína do leite de vaca” e pode ser considerada como um termo genérico para diferentes condições clínicas com sintomas, fisiopatologia e tratamento distintos1 iniciados após a introdução de leite de vaca na dieta2. Consiste em uma reação adversa a uma ou mais proteínas do leite de vaca, geralmente caseínas ou β-lactoglobulina do soro de leite, mediada por um ou mais mecanismos imunológicos3.

Em geral, a APLV se manifesta como uma variedade de manifestações clínicas que comumente se desenvolvem em bebês e podem regredir por volta dos 6 anos de idade4. É uma das alergias alimentares mais comuns na infância, com uma prevalência de 2–3% (dependendo da localização geográfica)5 e que vem crescendo globalmente ao longo dos últimos anos6. No Brasil, há poucos dados epidemiológicos. Em um estudo realizado em 2010 e que incluiu 9.478 pacientes avaliados por 30 gastroenterologistas pediátricos nas cinco regiões do país em um período de 40 dias, foi descrita uma prevalência de APLV suspeita em 5,4% da população estudada (513/9,478) sendo que a incidência encontrada foi de 2,2% (211/9,478)3,7.

A APLV é classificada em três tipos: mediada por imunoglobulina E (IgE), não mediada por IgE ou mista (mediada e não mediada por IgE). Na APLV mediada por IgE, ocorre por uma resposta imunomediada exacerbada a uma ou mais proteínas do leite de vaca. A exposição subsequente à (s) proteína (s) induz a reticulação de anticorpos IgE e a liberação de histaminas e outros mediadores imunológicos de mastócitos, que podem dar origem a quadros imediatos de urticária e angioedema. Essas reações mediadas por IgE são caracterizadas por manifestações alérgicas que ocorrem em uma a duas horas após a ingestão do alérgeno. Os sintomas não-IgE se manifestam dentro de horas a dias. Como as manifestações clínicas da APLV não mediada por IgE são uma reminiscência de outras manifestações alérgicas e não alérgicas na infância, diagnósticos tardios e errôneos são comuns. Nesse caso, o diagnóstico é baseado na história clínica, sintomas e exame físico, e confirmado pela remoção e reintrodução de leite de vaca na dieta1,2. A APLV se mantém, mais provavelmente, em doença mediada por IgE e quando existe uma sensibilização intensa, com níveis mais altos de IgE ou reações aos testes cutâneos fortemente positivas, inúmeras sensibilizações alimentares e alergia respiratória simultânea, como rinite e asma6

É importante destacar que a APLV deve ser diferenciada da intolerância ao leite, situação em que um mecanismo não imunológico está envolvido. Exemplos incluem a intolerância à lactose e a aversão ao leite ou intolerância psicológica. A intolerância à lactose não envolve o sistema imunológico, mas a deficiência de uma enzima para digerir a lactose. Assim, o diagnóstico de intolerância à lactose não envolve quaisquer parâmetros imunológicos, enquanto a doença relacionada ao sistema imunológico envolve marcadores imunológicos relevantes1

As manifestações alérgicas de APLV incluem urticária, angioedema, dor abdominal, vômitos, cólica, diarreia, sangue e/ou muco nas fezes, constipação intestinal ou congestão nasal. Algumas crianças apresentam dermatite atópica (DA) que não melhora com o tratamento, sendo que o eczema de início precoce resistente ao tratamento também pode ser uma apresentação de APLV, assim como a anafilaxia2.

A APLV se resolve de forma espontânea na maioria dos pacientes pediátricos. Entretanto, a indução da tolerância oral pode ser uma alternativa terapêutica em casos de alergia persistente, principalmente quando existe risco de ingestão acidental com reações graves subsequentes6. Dessa forma, a APLV pode ser uma imensa fonte de estresse parental e familiar devido a uma dieta com restrição de leite e pode levar a uma deficiência nutricional subsequente se não for tratada adequadamente4.

O que são probióticos e quais seus efeitos no tratamento de alergias?

Probióticos são definidos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro8. Os probióticos modulam a estrutura e função da microbiota intestinal e interagem com os enterócitos através da diminuição da permeabilidade intestinal, aumentando a espessura do muco, estimulando a imunoglobulina A (IgA) secretora e produzindo defensina. Ademais, podem modular a resposta da citocina por células imunes e ajudar na prevenção de alergias9,10

Os probióticos foram implicados com sucesso na prevenção de algumas alergias, incluindo a prevenção da DA. A terapia probiótica também tem demonstrado desfechos positivos no tratamento da rinite e da DA, reduzindo a gravidade dos sintomas. Diferentes cepas de Lactobacillus spp. são conhecidas por desempenhar um papel importante na mediação da resposta imune devido ao aparecimento de estruturas supressoras de DNA específicas envolvidas na estimulação da imunidade10. Por exemplo, um recente estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo que incluiu bebês com até dois anos de idade com DA e APLV concluiu que a administração de uma preparação probiótica contendo uma mistura de cepas de Lactobacillus rhamnosus ŁOCK 0900, Lactobacillus rhamnosus ŁOCK 0908 e Lactobacillus casei ŁOCK 0918 é segura e induz efeitos benéficos, especialmente em pacientes sensibilizados com alérgenos. Nesse estudo, a suplementação da dieta dos bebês com a preparação probiótica por três meses resultou em uma melhora significativa na gravidade dos sintomas de DA avaliada com o uso do índice SCORAD11

Em relação ao tratamento de alergias alimentares, os resultados são contraditórios e dependem do tipo específico de cepa probiótica e da duração do tratamento10

Probióticos no tratamento da APLV

Em 2018, no último Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) descrevem que há poucas evidências que suportem o uso de probióticos na prevenção ou no tratamento da alergia alimentar. Uma revisão sistemática realizada em 2019 demonstrou que as evidências atuais sobre os efeitos dos probióticos no manejo da APLV são limitadas e de baixa qualidade3,6,12,13

Entretanto, há estudos que apontam que a microbiota intestinal de bebês e crianças com APLV pode apresentar desequilíbrios9. Em crianças com sensibilização alimentar, o aumento da relação Enterobacteriaceae / Bacteroidaceae e uma diminuição da abundância de Ruminococcaceae foram descritos na literatura, sugerindo que a disbiose intestinal precoce contribui para o desenvolvimento subsequente de alergia alimentar. Com base nessa premissa, os probióticos têm ganhado grande atenção nos últimos anos como uma opção preventiva e terapêutica para essa condição, atuando como moduladores imunológicos que estimulam respostas mediadas por linfócitos T-helper 1 (Th1). As bactérias mais comumente usadas como probióticos pertencem às espécies Lactobacillus e Bifidobacterium. O  momento e a duração do tratamento com probióticos, as cepas probióticas ideais e os fatores que podem alterar sua ação na microbiota intestinal ainda não estão esclarecidos. Antes de propor cepas probióticas específicas para uso clínico, seria necessário explorar a capacidade dessas cepas de atingir o lúmen intestinal e modificar a microbiota intestinal do hospedeiro. Esse é um dos motivos pelos quais recomendações unívocas sobre probióticos ainda não foram elaboradas para a alergia alimentar, como a APLV14

Lactobacillus rhamnosus GG no tratamento da APLV em bebês

O pesquisador Roberto Berni Canani e sua equipe de Nápoles e Trieste, na Itália, têm demonstrado, em estudos clínicos, que bebês com APLV alimentados com fórmula contendo caseína extensivamente hidrolisada (FCEH) suplementada com a espécie bacteriana probiótica Lactobacillus rhamnosus GG (LGG), desenvolvem tolerância em taxas mais altas do que aqueles tratados com fórmula não probiótica. Inclusive, em estudo controlado randomizado que foi realizado em uma população bem característica de crianças com APLV mediada por IgE, os pesquisadores mostraram que o uso de FCEH associada a LGG é superior a FCEH isolada para a prevenção de manifestações alérgicas durante um período de 36 meses15.

Em estudos recentes, o LGG demonstrou ter potencial para afetar reações imunológicas e prevenir e tratar a inflamação alérgica. O LGG  coloniza o sistema intestinal e pode ser isolado nas fezes e seu efeito profilático e terapêutico do LGG foi demonstrado em bebês com doenças atópicas, especialmente a DA suscetível à APLV. Atualmente, o LGG tem sido usado em investigações clínicas em bebês prematuros e a termo nas doses entre 108 e 1010 unidades formadoras de colônias [UFC]16.

Referências

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Melhora da tolerabilidade da alergia à proteína do leite em crianças que utilizaram LGG®

Desde a sua identificação, em 1985, o Lactobacillus rhamnosus GG (DSM 33156) é a cepa probiótica mais extensivamente estudada no mundo inteiro, em adultos, bebês e crianças, no que se refere a uma variedade de condições clínico-experimentais, incluindo, sobretudo, suporte imunológico e benefícios gastrintestinais.1

O LGG® influencia diretamente as respostas adaptativas humorais e celulares, assim como características importantes da imunidade inata, dentre as quais podemos destacar: a regulação da atividade de macrófagos e outras células imunes; a produção de imunoglobulinas e citocinas; e o equilíbrio dos processos de inflamação, incluindo a resposta a alérgenos, como antígenos alimentares. O LGG® também é objeto de estudos e ensaios clínicos nas doenças crônicas não transmissíveis, tanto em sua prevenção como no manejo das alergias.1,2

Pensando no equilíbrio da microbiota nos primeiros momentos da vida, uma das principais estratégias preventivas seria a suplementação com probióticos para a grávida ou para o recém-nascido de risco para atopia, induzindo uma situação de eubiose e consequente imunomodulação. No contexto pré-natal, desde 2008, a Organização Mundial de Gastroenterologia determinou recomendações para o uso de probióticos, correlacionando com o nível adqurido de evidências científicas. Dessa forma, observou-se e indicou-se o uso de probióticos como imunomoduladores (ativação de células T reguladoras) e, também, na prevenção e tratamento do eczema atópico associado à alergia à proteína do leite de vaca (APLV).3

Um estudo de coorte europeu acompanhou 132 gestantes, em que metade utilizou Lactobacillus GG e metade, placebo, duas a quatro semanas antes do parto. Após o nascimento da criança, a lactante que fazia aleitamento materno exclusivo recebia durante seis meses a mesma cepa probiótica. Caso o aleitamento materno não fosse exclusivo, o lactente passaria a receber o probiótico. Após dois anos de seguimento, a prevalência de eczema atópico foi 50% inferior no grupo que utilizou probióticos, quando comparado ao grupo controle.3

 O uso de probióticos no tratamento reativo das alergias respiratórias, cutâneas e gastrintestinais tem efeitos menos substanciais do que na prevenção. No entanto, estudos com desenho metodológico diferenciado fornecem evidências de que as cepas probióticas específicas podem ser eficazes no tratamento de um subgrupo de pacientes com eczema atópico, sobretudo naqueles nos quais existe alergia alimentar associada, como APLV.3,4

Um dos estudos pioneiros nessa linha de crianças com APLV confirmada e eczema associado mostrou que a utilização da fórmula extensamente hidrolisada acrescida de probiótico (LGG®), durante um mês, foi suficiente para reduzir o escore de sintomas de 26 para 15 no grupo que recebeu diretamente o probiótico e de 26 para 11 nos que receberam indiretamente, via leite materno.4

A patogênese da alergia alimentar, assim como a fisiologia dos mecanismos de tolerância oral, são complexas e ainda não totalmente esclarecidas, mas estudos demonstraram que a utilização de LGG® favoreceu a aquisição da tolerância oral nas crianças alérgicas ao leite de vaca que realizaram dieta de exclusão associada à cepa probiótica.5

 Referências

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