Probióticos: o que o médico precisa saber

Probióticos são microrganismos vivos que usamos na prática clínica por seu potencial de causar efeitos benéficos à saúde. Apesar do uso frequente, poucos médicos conhecem bem o que são esses microrganismos e suas indicações, especialmente porque o estudo mais aprofundado da microbiota intestinal é algo relativamente recente na Medicina.

Se essas dúvidas também são suas e você gostaria de um resumo sobre probióticos e como eles funcionam, seu desejo é uma ordem!

O que são probióticos e para que servem?

Os probióticos podem ser encontrados em diversas formas farmacêuticas, incluindo alimentos derivados de leite e fermentados como iogurtes. Os germes contidos no fármaco podem ser variados, sendo os mais comuns as bactérias produtoras de ácido lático como Lactobacillus sp e Bifidobacterium sp e leveduras do gênero Saccharomyces (especialmente, S. boulardii).

O motivo principal para se prescrever um desses medicamentos é induzir adequação da microbiota intestinal para um perfil mais fisiológico e benéfico. Múltiplas pesquisas sobre esse tópico têm gerado evidência crescente de como os microrganismos habitantes do trato digestivo estão intimamente ligados à saúde global do indivíduo (até mesmo associados a estados de humor e outras alterações psicológicas). Além disso, várias doenças específicas do trato gastrointestinal são causadas ou favorecidas por desequilíbrios dessa microbiota.

Os efeitos variam de acordo com o agente usado, então os resultados não são os mesmos para qualquer fármaco ou forma farmacêutica usada. A eficácia também vai depender de outros fatores como a capacidade do microrganismo em sobreviver à acidez gástrica, aderir à mucosa intestinal e competir com os agentes patogênicos, além da segurança para uso humano e a estabilidade para armazenamento.

As formulações com mais de uma espécie são populares e, de fato, interessantes para a prescrição, já que o paciente pode ser colonizado apenas pela cepa “mais útil” naquele momento, facilitando o uso.

Mecanismo de ação e usos

O mecanismo de ação básico dos probióticos é a competição entre microrganismos benéficos e patogênicos. As bactérias e fungos administrados produzem agentes químicos que comprometem o crescimento dos demais: ácidos (lático, acético e propiônico), peróxidos, bacteriocinas, surfactantes, enzimas proteolítcas e outros exemplos.

Os agentes presentes nos medicamentos também competem com os patogênicos por espaço na mucosa gastrointestinal, aderindo ao epitélio de forma mais estável que os microrganismos indesejáveis.

Outro efeito dos probióticos é estimular o efeito de barreira que a mucosa intestinal exerce naturalmente. As bactérias e leveduras contidos nos fármacos estimulam a produção de mucinas (que têm efeito antibacteriano para os agentes patogênicos), além de reforçar as tight junctions que aderem os enterócitos e reduzir a permeabilidade do epitélio. Outra ação importante é o estímulo à ação imune, aumentando a capacidade fagocítica de leucócitos da mucosa e a produção local de imunoglobulinas (especialmente, IgA).

Vários usos vem sendo estudados, alguns com mais e outros com menos evidências.

Diarreia aguda: essa é a situação clínica com evidência mais sólida e eficácia comprovada para os probióticos (especialmente para rotavirus). Os efeitos observados são redução do tempo e da intensidade de diarreia. Algumas pesquisas experimentais (com grupos de intervenção e grupos de controle) mostraram redução em até 20% na duração da diarreia (com consequente redução na evolução para diarreia persistente) e redução da frequência de evacuações de 1-2/dia. Quem atende em pronto-atendimentos, atenção primária e zonas de baixo saneamento básico sabe que esses efeitos são suficientes para evitar desidratação grave e outras complicações. É importante notar que, no caso da diarreia, os probióticos eficazes foram apenas os contendo Lactobacillus e Bifidobacterium (Saccharomyces e Streptococcus, por exemplo, não geraram efeitos diferentes do placebo).

Diarreia induzida por antibióticos e Clostridium difficile: nesse caso, ao contrário, os probióticos mais eficazes são os contendo leveduras Saccharomyces (que produzem proteases inativadoras das toxinas A e B). Algumas meta-análises evidenciaram eficácia dos probióticos em prevenir a ocorrência da diarreia por antibióticos e tratar a infecção por C. difficile quando usados simultaneamente à antibioticoterapia. Outros estudos mostraram menor taxa de colonização por C. difficile em pacientes críticos com a administração de probióticos. O uso de medicamentos à base de Lactobacillus, nesse caso, não é eficaz, provavelmente, pelo efeito dos antibióticos sobre as próprias bactérias do preparado.

Síndrome do intestino irritável (SII): apesar de considerada uma doença funcional, existem teorias que explicam a SII através do supercrescimento bacteriano, principalmente de bactérias fermentadoras. Meta-análises recentes mostraram redução da dor abdominal em pacientes com SII em uso de probióticos, em comparação ao placebo. Nesse caso, os agentes mais eficazes foram Lactobacillus e Bifidobacterium. Porém, a maioria dos estudos não mostrou redução de outros sintomas como flatulência e distensão abdominal.

Doença inflamatória intestinal (DII): uma das teorias da patogênese das DII (retocolite ulcerativa – RU, doença de Crohn – DC, e ileíte terminal – IT) é a resposta inflamatória descompensada desencadeada pelo desbalanço da microbiota intestinal. Vários estudos têm mostrado a eficácia dos probióticos em, principalmente, reduzir a frequência de recidiva. Porém, em alguns deles, esses medicamentos foram capazes até de induzir a remissão (com ou sem associação à terapêutica convencional). Para a RU, as pesquisas mostraram bons resultados com algumas preparações contendo E. coli não patogênicas e associações de Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus; pacientes com DC responderam bem a Saccharomyces (porém a resposta não foi boa para formulações bacterianas); e pacientes com IT apresentaram melhor resposta com a associação Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus.

Alergias: nesse caso, a maioria das pesquisas é em relação a alergias na infância. Alguns estudos prospectivos administraram probióticos à base de Lactobacillus e Bifidobacterium para gestantes no fim da gravidez, continuando a administração nas crianças durante os primeiros 2 anos de vida. A incidência de alergias nas crianças do grupo de intervenção foi metade da observada no grupo controle, e o efeito se manteve mesmo após mais 4 anos de observação.

Outros usos: probióticos têm sido estudados também para doenças fora do trato gastrointestinal. Um bem estabelecido é para tratamento de candidíase vaginal recorrente. Muitas mulheres desenvolvem a vulvovaginite fúngica por desbalanço da microbiota vaginal normal (predominantemente composta por Lactobacillus) após uso de antimicrobianos, por exemplo. Nas pesquisas, o uso de supositórios vaginais contendo bactérias do gênero e até a ingestão regular de alimentos probióticos mostraram eficácia para tratamento e controle de recorrência dessa doença. Outros contextos têm sido estudados (como o tratamento de otites e outras infecções recorrentes de vias aéreas superiores), porém ainda com pouca evidência para apoiar o uso dos probióticos.

Dosagem

As dificuldades quanto à prescrição dos probióticos é justamente a inexistência de evidências sólidas quanto à posologia. É importante lembrar que os medicamentos contêm microrganismos vivos e que o armazenamento inadequado (seja no estoque, na farmácia, no hospital ou em casa) pode inviabilizar o uso.

Em geral, devem ser administrados, diariamente, alguns bilhões de unidades formadoras de colônia (UFC) para que o remédio exerça o efeito desejado. Para os lactobacilos, a dose diária recomendada é de 1-20 bilhões de UFC por dia, enquanto para Saccharomyces, de 250 – 500mg/dia.

Interações medicamentosas e efeitos adversos

A principal interação medicamentosa digna de nota é com antimicrobianos que, por atuar sobre os agentes contidos no medicamento, podem anular o efeito dos probióticos. O recomendado é separar o uso de probióticos e de antibióticos em pelo menos 2h. Os efeitos adversos mais comuns são distensão abdominal e flatulências no uso de preparados bacterianos e obstipação e polidipsia em preparados com Saccharomyces.

A maior preocupação é a possibilidade de infecções, considerando que estão sendo administrados microrganismos vivos. Existem relatos de casos na literatura, inclusive de quadros sépticos graves. Porém a incidência é extremamente baixa: menos que 1 em 1 milhão para preparações bacterianas e 1 a cada 5,6 milhões para os preparados de leveduras.

Os fatores de risco mais comuns para casos de bacteremia são estado crítico e terapia intensiva, uso de medicamentos imunossupressores e pacientes invadidos (sonda nasoenteral e catéter venoso central, principalmente). Nessas situações, os doentes estão suscetíveis a colonização e posterior infecção pelo ineficácia imunológica, além do fornecimento de superfícies inertes para adesão. No caso específico das sondas enterais e da jejunostomia, a via alternativa de administração forma um bypass que livra os microrganismos da ação do ácido gástrico, aumentando o número de agentes viáveis (o que pode favorecer infecções em pacientes já imunossuprimidos).

Outros fatores de risco menores são situações de quebra da barreira enteral (com hiperpermeabilidade de mucosa), doença cardíaca valvar (no caso do Lactobacillus) e administração concomitante de antibióticos de amplo espectro. Surpreendentemente, alguns componentes dos probióticos podem ser resistentes a alguns tipos de antibiótico, o que favoreceria o supercrescimento dos componentes do preparado. Além disso, a transmissão de mecanismos de resistência antimicrobiana das bactérias do medicamento para bactérias patogênicas também pode acontecer.

Conclusão

Probióticos têm tido cada vez mais abertura e oportunidades de uso dentro de várias áreas da Medicina e, aparentemente, realmente são drogas promissoras.

Porém, o uso difundido (inclusive sem prescrição médica) e a falta de rigor na execução de muitas pesquisas dificulta a geração de evidências de qualidade para diretrizes mais claras. Logo, são necessárias novos estudos na área para reafirmar a segurança e eficácia desses fármacos.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/probioticos-o-que-o-medico-precisa-saber/

Autor: Carlos Henrique de Sousa Ribeiro da Silva – Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da UFU 

Referências bibliográficas:

  • WILLIAMS, Nancy Toedter. Probiotics. 2010. Am J Health Syst Pharm. 2010;67(6):449-458.

Crianças com doença do refluxo gastroesofágico consomem mais calorias e gorduras

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e sua relação com a dieta é melhor estudada em crianças com até 2 anos de idade. Existe uma lacuna de conhecimento sobre associação da dieta habitual com DRGE em crianças tidas como “mais velhas”, nas quais a prevalência da doença pode chegar a até 20%.

Estudo russo sobre refluxo gastroesofágico em crianças

Na tentativa de melhor compreender a relação entre a dieta do paciente e a DRGE, pesquisadores russos estudaram o comportamento da doença em crianças maiores em idade escolar e adolescentes, considerando o consumo alimentar. Sabemos que é bastante difícil obter informações sobre hábitos nutricionais de crianças e adolescentes, muitas delas falham em recordar as informações sobre pratos, tamanhos das porções e frequências. Na tentativa de minimizar as falhas, um inquérito alimentar foi realizado duas vezes e com o auxílio dos cuidadores.

Além disso, o diagnóstico da DRGE não foi baseado apenas nos sintomas, sendo este confirmado pelos registros de impedâncio-pHmetria de 24 horas, tornando importante em situações em que a endoscopia não evidenciava uma esofagite.

Um total de 219 pacientes com idades entre 6 e 17 anos participaram do estudo. O diagnóstico de DRGE foi estabelecido em 147 (67,1%) crianças e adolescentes e o grupo controle foi constituído por 72 (32,9%) pacientes. Alguns dos resultados encontrados, foram:

  • O tabagismo foi mais disseminado no grupo controle, mas esses dados podem não ser confiáveis, por terem sidos autorrelatos;
  • A ingestão de álcool foi relatada apenas por alguns pacientes, não sendo possível estabelecer significância estatística;
  • De acordo com o cálculo do escore z do índice de massa corpórea (IMC), 101 pacientes do grupo total apresentavam peso normal, 54 pertenciam ao grupo com sobrepeso e 64 pacientes apresentavam obesidade;
  • Houve uma tendência para razão de risco maior de ter DRGE paralela ao aumento do peso.

E em relação à dieta?

Entre todos os sujeitos, aqueles com maiores escores z apresentaram maior valores energéticos na dieta habitual. A mesma tendência foi encontrada para o consumo de gordura total.

O consumo de nutrientes diferiu nos pacientes com DRGE com e sem esofagite. A dieta usual de pacientes com esofagite erosiva continha grandes quantidades de proteína, gordura total e menor quantidade de gordura poliinsaturada em comparação ao grupo com esofagite não erosiva DRGE.

Uma menor quantidade de consumo de fibra alimentar também foi associada a valores mais altos de IMC. Curiosamente, apesar da quantidade de fibra alimentar consumida não diferir na DRGE e nos controles com peso normal, foi significativamente menor naqueles que tinham excesso de peso ou obesidade.

Conclusão

Estudos publicados anteriormente sobre a associação entre o consumo alimentar com DRGE é controverso. Alguns demonstraram forte relação entre a ingestão de gordura e a quantidade de energia consumida e a presença de azia ou esofagite de refluxo.

Este estudo fornece novos dados sobre a associação da dieta com DRGE em crianças e adolescentes. Isso é importante para uma melhor compreensão dos mecanismos da doença e abordagens direcionadas para intervenções não farmacológicas.

Parece que a ingestão de refeições com alto teor de gordura pode atrasar o esvaziamento gástrico e diminuir a pressão do esfíncter inferior do esôfago. Isso resulta no aumento da exposição a ácidos e no número de refluxos gastroesofágicos, tornando importante o manejo dietético como terapia não farmacológica um ponto fundamental para controle da doença.

As diretrizes internacionais atuais sugerem algumas intervenções não farmacológicas como fracionamento das refeições, perda ponderal, elevação da cabeceira da cama e o não consumo de álcool, por exemplo. No entanto, elas ainda assim são consideradas frágeis, necessitando de mais estudos sobre essa temática.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/criancas-com-doenca-do-refluxo-gatroesofagico-consomem-mais-calorias-e-gorduras/

Autor: Jôbert Neves – Residência Médica em Pediatria Geral e Puericultura, e especialização em Gastroenterologia Pediátrica

Referências bibliográficas:

  • Borodina G, Morozov S. Children With Gastroesophageal Reflux Disease Consume More Calories and Fat Compared to Controls of Same Weight and Age. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020;70(6):808-814. doi:10.1097/MPG.0000000000002652

Veja orientações da diretriz para manejo de náuseas e vômitos em crianças

Náuseas e vômitos são uma das mais corriqueiras queixas nos consultórios pediátricos, sendo também um sintoma comum entra as mais diversas patologias, tornando o conhecimento sobre o manejo fundamental para a boa prática pediátrica.

Antes de entrarmos no manejo deste sintoma, devemos recordar alguns conceitos fundamentais para o entendimento da abordagem a ser seguida.

Náuseas

Ocorre quando temos a perda do tônus gástrico, contração duodenal e refluxo do conteúdo duodenal para o estomago, levando assim a sensação subjetiva associada ao desejo de vomitar

Vômito ou êmese

É quando ocorre expulsão do conteúdo gástrico, contração dos músculos abdominais , rebaixamento do diafragma e abertura da cárdia.

Regurgitação

É considerada a expulsão de conteúdo gástrico de forma involuntária e sem esforço.

Refluxo gastroesofágico

É o retorno de conteúdo gástrico para o esôfago, podendo chegar a diferentes áreas das vias aéreas superiores. Cabe ressaltar que na maioria dos casos o RGE é um processo fisiológico, o que difere da doença do refluxo gastroesofágico.

Identificação do quadro

Considerando o grande número de patologias que cursam com vômitos, é fundamental que a anamnese e o exame físico sejam feitos de forma minuciosa considerando fatores como idade do paciente, história médica, tipo de evolução do quadro (agudo ou crônico), número de episódios, capacidade de ingestão de líquidos, hidratação do paciente, características do vômito, presença de sangue, sintomas associados, entre outros.

Cabe também ao pediatra estar atento aos sinais de alerta como hematêmese, vômitos biliosos, vômitos em jato, meningismo, letargia, febre persistente, fontanela hipertensa, hepatoesplenomegalia e distensão abdominal importante. Outro fator importante na avaliação de uma criança com vômitos é a avaliação da hidratação e estado nutricional, além de ajudar no diagnóstico esses dois fatores também são indicativos da gravidade do paciente.

A gastroenterite aguda é a principal causa de vômitos na população pediátrica, porém nunca devemos esquecer que doenças graves como meningite também podem cursar com quadro de vômitos, cabendo ao profissional de saúde diferenciar as duas patologias.

Quanto ao tratamento, consiste primordialmente em tratar a doença causadora dos vômitos, seguido por medidas não farmacológicas com higiene oral adequada, evitar odores fortes, tratar a desidratação, redução das porções alimentares e dar preferencia por alimentos frios, entre outros.

Mesmo com as medidas acima, pode ser necessário o uso de antieméticos, como os antihistamínicos, anticolinérgicos, antagonistas dopaminérgicos, antagonistas serotoninérgicos e fenotiazídicos.

Gastroenterite aguda

A gastroenterite aguda (GEA) é a principal causa de vômitos em pacientes pediátricos e também o principal motivo da insucesso da terapia de reidratação oral, por isso o sintoma deve ser prontamente resolvido. Nos casos de falha da terapia de reidratação oral, a reidratação venosa e reposição de eletrólitos deve ser iniciada rapidamente.

Devemos salientar que o uso de antieméticos anti-histamínicos do tipo 1 e dos antagonistas do receptor de dopamina do tipo 2 (metoclopramida e domperidona) não têm evidências científicas para o uso em pediatria.

Por outro lado, o uso da ondansentrona é o mais recomentados por estudos para o tratamento e prevenção de vômitos nos pacientes em quimioterapia ou no período pós-operatório, e na última diretriz da Sociedade Europeia de Gastroenterologia e da SBP a ondansentrona também foi a medicação mais recomendada para o controle dos vômitos na GEA.

Portanto, devemos sempre lembrar que apesar de ser um sintoma comum a diversas patologias pediátricas, a náusea e os vômitos podem constituir um sinal inicial de uma doença potencialmente grave, que necessita de intervenção imediata pela equipe médica.

Fonte: PEBMED: https://pebmed.com.br/veja-orientacoes-da-diretriz-para-manejo-de-nausea-e-vomitos-em-criancas/

Autora: Carolina Monteiro – Pediatra pelo Hospital Municipal Salgado Filho e Neonatologista pelo Hospital Federal de Bonsucesso.

Principais Problemas Decorrentes do Desequilíbrio da Microbiota Intestinal na saúde da criança

A microbiota, sua formação, variações e alterações

A microbiota humana é o conjunto de microrganismos que habitam as superfícies externas e internas do nosso corpo, tais como pele, mucosa oral e respiratória, ou o trato gastrointestinal (TGI) e geniturinário (TGU). Este conjunto de microrganismos é adquirido pelos recém-nascidos inicialmente no momento do parto. Entre os 18 e 24 meses se torna já semelhante à microbiota de um adulto. Uma das principais funções dessa microbiota é a estimulação do sistema imune, tornando-o apto a desenvolver suas funções de homeostase e defesa, através do amplo leque de células e moléculas que o compõe.1

Existem evidências de que variações na microbiota intestinal podem causar alterações no sistema imunológico, podendo constituir um ambiente que modula de forma negativa ou positiva a indução de uma resposta imune eficaz. O desequilíbrio da microbiota (disbiose) pode provocar não só dano tecidual, mas também anergia imune (a anergia é a inativação funcional das células linfocitárias do tipo T), inflamação intestinal crônica que, caso persistam, podem comprometer a resposta do hospedeiro aos antígenos.1

Microbiota materna e neonatal

A colonização inicial da microbiota humana se inicia ainda no período pré-natal, intraútero. Estudos recentes indicam a presença de microrganismos no líquido amniótico, membranas fetais, cordão umbilical, placenta e mecônio. Mas a sua consolidação se faz principalmente durante o nascimento, sobretudo através do parto normal, pela passagem do feto no canal vaginal e, também, por sua proximidade com as porções finais do sistema digestório materno.2,3,4,5.

De maneira geral, o impacto da saúde materna na microbiota neonatal ao nascimento ainda é um campo aberto para estudos. Segundo pesquisas, existe uma possível relação entre a disbiose da microbiota materna e neonatal com o diagnóstico de diabetes mellitus gestacional (DMG).  Estima-se que essa associação traga riscos potenciais de mudança microbiana para os neonatos.2

A diabetes mellitus gestacional (DMG) pode alterar a microbiota de mulheres grávidas e neonatos ao nascimento, o que claramente indica sobre outra forma de herança e destaca a importância de compreender a formação da microbiota no início da vida.2

Disbiose e impactos na saúde infantil

Em crianças, a regulação e o balanço da microbiota intestinal têm impactos tanto em funções gastrintestinais como na saúde imunológica. O equilíbrio garante a execução adequada de funções digestórias e a formação das defesas naturais, prevenindo portanto, doenças comuns na infância. A disbiose, então, tem relação clara com doenças infecciosas na infância. As diarreias e as infecções das vias aéreas superiores são exemplos comuns.3

A doença diarreica aguda (DDA) continua sendo a maior causa de mortalidade na infância no mundo inteiro. Sendo, na maioria das vezes, de caráter infeccioso (vírus, bactérias e parasitas), a DDA tem como base fisiopatológica a geração de processo inflamatório que culmina com alterações absortivas e que determina diarreia (três ou mais episódios em 24 horas), geralmente líquida, com ou sem febre e vômito.4

Muitas crianças, no mundo inteiro, sofrem com infecções das vias aéreas superiores (IVAS) a cada ano, sobretudo aquelas que estão em idade pré-escolar, quando o sistema imunológico ainda se encontra em desenvolvimento, principalmente se estiverem institucionalizadas, em creches ou berçários.5

Considerando crianças que apresentem infecções tanto do sistema digestório quanto do respiratório, é recomendada a adoção de um tratamento que vise restabelecer a composição e o equilíbrio da microbiota intestinal.6,7

Bibliografia

  1. CHISSOCA, Antônio Ribeiro Chissululo. Influência da microbiota intestinal nas propriedades imunológicas de uma vacina recombinante. Antônio Ribeiro Chissululo Chissoca; orientador, Prof. Dr. Oscar Bruna Romero – Florianópolis, SC, 2016. 105.
  2. WANG, Jingeng; ZHENG, Jiayong; SHI, Wenyu; DU, Nan; ZHANG, Yanming; JI, Peifeng; ZHANG, Fengyi; JIA, Zhen; WANG, Sim; ZHENG, Zhi; ZHANG; Hongping; ZHAO, Fangqing. Disbiose da microbiota materna e neonatal associada ao diabetes mellitus gestacional. Setembro de 2018; 67 (9): 1614-1625.
  3. TANAKA, M; NAKAYAMA, J. Development of the gut microbiota in infancy and its impact on health in later life. Allergol Int.

2017; 66(4): 515-22.

  1. NEISH, AS; DENNING, TL. Advances in understanding the interaction between the gut microbiota and adaptive mucosal immune responses. F1000. Biol Rep. 2010; 2:27.
  2. DOMINGUEZ-BELLO, MG; DE JESUS, Laboy KM; SHEN, N; COX, LM; AMIR, A; GONZALEZ, A. et al. Partial restoration of the microbiota of cesarean-born infants via vaginal microbial transfer. Nat Med. 2016; 22(3): 250-3.
  3. SEGERS, ME; LEBEER, S. Towards a better understanding of Lactobacillus rhamnosus GG – host interactions. Microb Cell Fact. 2014; 13 Suppl. 1: S7.
  4. ISOLAURI, E; JUNTUMEN, M; RAUTANEN, T; KOUVULA, T. A human Lactobacillus strain (Lactobacillus casei sp strain GG) promotes recovery from acute diarrhea in children. Pediatrics. 1991; 88(1): 90-7.
  5. HATAKKA, K; SAVILAHTI, E, MEURMAN, JH; POUSSA, T et al. Effect of long term consumption of probiotic milk on infections in children attending day care centres: Double blind, randomised trial. BMJ. 2001; 322(7298): 1327.
  6. HOJSAK, I; SNOVAK, N; ABDOVIC, S; SZAJEWSKA, H; MISAK, Z; KOLACEK, S. Lactobacillus GG in the prevention of gastrointestinal and respiratory tract infections in children who attend day care centers: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Clin Nutr. 2010; 29(3): 312-6.

A importância da microbiota na saúde da criança

A importância da microbiota na saúde infantil.

A comunidade microbiana intestinal é estabelecida tanto durante o período neonatal como no início da infância. No momento do nascimento, os microrganismos colonizam o tubo gastrointestinal do bebê, e entre os 18 e 24 meses de vida a microbiota da criança já se torna semelhante à de um adulto. Os recém-nascidos de parto normal, por sua vez, possuem uma microbiota semelhante à da mãe. Esse quadro se dá, sobretudo, devido à passagem do feto pelo canal vaginal. Recém-nascidos de cesariana não possuem essa mesma oportunidade de colonização, portanto, as probabilidades para desregulações e alergias podem ser maiores para estas crianças no futuro. 3-4

Mas, afinal, o que é microbiota?

O organismo é colonizado por milhões de bactérias distribuídas em centenas de espécies não patogênicas, com grande influência para a saúde. O intestino é o principal órgão de colonização destas bactérias; neste ambiente específico se forma a microbiota intestinal. Ela atua em diversas frentes e com diferentes funções: auxilia o metabolismo de fibras e toxinas, age no suporte às demandas de outros sistemas – como o imunológico, o nervoso e o próprio digestório – exercendo papel essencial na proteção de doenças. 4

O microbioma, por sua vez, é definido como o conjunto de micro-organismos e genes que colonizam todo um meio natural. O microbioma humano, por exemplo, diz respeito aos micro-organismos presentes em todo o corpo, para além do trato gastrointestinal, abrangendo também pele, cabelo, vias aéreas, trato urogenital e alguns órgãos e sistemas. 4

Como é a sua formação?

Antes mesmo do nascimento, caso o feto esteja em perfeitas condições de desenvolvimento (como dieta e temperatura adequadas, ambiente livre de patógenos e apresente tolerância imunológica) é possível identificar a presença de micro-organismos através da colonização do trato gastrointestinal. Ela ocorre, segundo alguns estudos recentes, quando o feto realiza a deglutição do líquido amniótico ainda intraútero. Neste momento, então, pode-se afirmar que a microbiota intestinal teve o seu início. 4-5

Após o nascimento, outros micro-organismos essenciais para uma vida saudável são introduzidos por meio da ingestão dos primeiros alimentos e, também, através do leite materno. O leite confere benefícios nutricionais essenciais à criança, ele é globalmente considerado o padrão-ouro para a alimentação infantil. Também, o leite materno garante benefícios não nutricionais explicados, sobretudo, pelos fenômenos epigenéticos.  Tais fenômenos são mecanismos moleculares envolvidos na interação entre fatores do ambiente e a expressão da informação contida no DNA. 1,5

A amamentação natural promove a maturação da microbiota saudável, destacando-se pela presença de lactobacilos e de carboidratos conhecidos como human milk oligosaccharides (HMOs), os quais auxiliam o crescimento e o desenvolvimento de bactérias não patogênicas. 5

A microbiota intestinal da mãe, portanto, é a principal fonte de bactérias que efetivamente colonizarão o trato gastrointestinal do recém-nascido e, assim, atuarão na promoção e no desenvolvimento do sistema imunológico. 1-5

Ressalta-se que algumas bactérias também podem ser transferidas de mãe para filho por meio do leite materno, são elas: Lactobacillus, Leuconostoc, Streptococcus, Enterococcus, Lactococcus e Weisella, bem como algumas espécies benéficas de Bifidobacterium. 5

A microbiota e o sistema imunológico

A principal função do sistema imunológico é defender o organismo contra patógenos invasores e outros agentes agressores, sendo eles infecciosos ou não. Em linhas gerais, ele atua também no reconhecimento de corpos, células e toxinas estranhas ao organismo, tal qual acontece na vigilância contra tumores. 5

Ainda intraútero, o sistema imunológico sofre uma espécie de hibernação de sua atividade (conhecida como downregulation) e passa a adquirir regularização após o nascimento e com o passar dos anos. Por essa razão – embora essa assertiva seja atualmente questionada – certos aspectos do sistema imunológico ainda não estão totalmente maduros nesse período, como por exemplo, a baixa concentração de anticorpos no recém-nascido (exceto da IgG, que é materna e transferida para o feto através da placenta). Existe, também, certo desequilíbrio na relação dos subtipos linfocitários, com discreto predomínio do subtipo Th2. 5

O leite materno é a melhor fonte de proteção ao recém-nascido contra enfermidades infecciosas, tendo grande influência sobre a composição da microbiota intestinal. A resposta microbiana intestinal leva à formação de anticorpos séricos contra bactérias patogênicas presentes no intestino, e estende essa proteção a outras mucosas e às glândulas exócrinas, como as salivares e as mamárias, durante a lactação. 3

Portanto, nessa fase, o sistema imunológico intestinal possui fundamental importância no amadurecimento global do sistema imunológico, criando uma barreira por meio da secreção de anticorpos (IgA), que inibem a colonização da mucosa por bactérias patógenas. Da mesma forma, utiliza mecanismos bioquímicos celulares, como a ativação de células específicas (T reguladoras) e a síntese de citocinas moderadoras (IL-10), que estão ligadas diretamente à tolerância oral. 5

Como manter a microbiota saudável?

Para um bom metabolismo materno e que ajude no crescimento e no desenvolvimento do bebê, é necessário que a mãe adote um estilo de vida que resulte em uma microbiota saudável para ambos. 5

Recomenda-se a adoção de hábitos saudáveis mesmo antes da gravidez. Indubitavelmente, esse comportamento otimiza a saúde da mãe ao passo que previne riscos durante a gravidez, quando ela acontecer. A microbiota intestinal da mãe influencia na formação do trato gastrointestinal do bebê, e pode ser modulada através de uma dieta adequada e suplementada com prebióticos e probióticos. Conforme supracitado, é durante o parto vaginal e durante a amamentação que a criança adquire uma série de bactérias provenientes da mãe. 2-5

Uma microbiota e um sistema imune equilibrados resultam em um indivíduo saudável. A microbiota não nasce pronta, ela se desenvolve ao longo do tempo. Sua formação precisa ocorrer de maneira robusta desde o período gestacional até o decorrer da infância, para que ao longo da vida não cause, eventualmente, desequilíbrio ao sistema imune e ao funcionamento intestinal (com a presença de inflamações e alergias). A adoção de hábitos saudáveis, como uma dieta adequada suplementada com prebióticos e probioticos, é um cuidado que, se mantido até a vida adulta, refletirá de maneira positiva os mecanismos dos processos digestórios. Haverá uma melhor absorção de nutrientes e um ótimo desenvolvimento da resposta imune, além da modulação do metabolismo e da prevenção de doenças. 4

Referências

1 – (FRANZ R. NOVAK, JOÃO APRÍGIO GUERRA DE ALMEIDA, GRACIETE O. VIEIRA, LUCIANA M. BORBA, 2001). Colostro humano: fonte natural de probióticos? 2001. Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/01-77-04-265/port.asp. Acesso em: 21 set. 2020.

2 – (ANGÉLICA DOS SANTOS PERBELIN, CAMILA VIEIRA DA SILVA, ENERI VIEIRA DE SOUZA LEITE MELLO, LARISSA CARLA LAUER SCHNEIDER, 2019). O papel da microbiota como aliada no sistema imunológico. 2019. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/51557/751375149170. Acesso em: 21 set. 2020.

3 – (DÉBORA BORGES DE OLIVEIRA SILVA, EDUARDO HENRIQUE MENDES REZENDE, GUILHERME DO VALE BESSA, KAMYLLA BORGES SANTOS, ALINE DE ARAUJO FREITAS, 2019) Desenvolvimento da microbiota do recém-nascido e sua relação com o tipo de parto. 2019. Revista Educação em Saúde. Disponível em: http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/educacaoemsaude/article/view/3789/2633. Acesso em: 21 set. 2020.

4 – (LU ZHUANG, HAIHUA CHEN, SHENG ZHANG, JIAHUI ZHUANG, QIUPING LI, ZHICHUN FENG). Microbiota intestinal na infância e suas implicações na saúde infantil. 2019. US National Library of Medicine National Institutes of Health. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6522475/. Acesso em: 21 set. 2020.

5 – (INDRIO F, MARTINI S, FRANCAVILLA R, CORVAGLIA L, CRISTOFORI, MASTROLIA SA, et al.) Epigenetic matters: the link between early nutrition, microbiome, and long-term health development. Front Pediatr. 2017; 5: 178.

E quando as aulas voltarem?

A pandemia chegou e ficou. É fato. Mas a vida tem que continuar. Também é fato. O problema é como devolver às pessoas uma vida ao menos parecida com a que tinham antes de sermos assolados por este ataque avassalador do novo SARS-COV-2, mais um coronavírus a circular entre nós, porém este com características únicas e com altas taxas de morbidade e mortalidade.

Um dos pontos que mais tem gerado polêmicas neste momento em que a pandemia já se estagnou em alguns países, estabilizou-se em outros ou ainda avança em muitas cidades do Brasil e do mundo, é quando e se as escolas devem voltar a receber seus alunos. Na verdade, reabrir escolas primárias deixou de ser apenas uma questão científica ou burocrática, mas sim uma importante decisão de aspecto moral e emocional. (1). Afinal, a responsabilidade dos governos com a proteção das crianças e de suas famílias não permite a tomada de decisões equivocadas, com o risco de que infecções graves como a COVID-19 saiam novamente do controle. (1)

Dados dos Estados Unidos mostram que, em circunstâncias normais, cerca de 40 milhões de crianças do jardim de infância à oitava série deveria estar nas escolas este ano, sem contar as cerca de 27 milhões das séries mais avançadas. (1) Por outro lado, um estudo realizado nos 50 Estados do país mostrou que o fechamento das escolas levou a um significativo declínio na incidência e mortalidade por COVID-19 (redução média semanal de 62% e 58%, respectivamente), resultados estes mais expressivos nos Estados que optaram por um fechamento mais precoce, quando a incidência de COVID-19 ainda não era tão elevada. (2) No entanto, é possível que tal redução pode também estar relacionada a uma série de outras intervenções simultâneas. (2)

O fato é que, ao pensarmos na retomada das aulas e na grande complexidade de fazer com que essas crianças e adolescentes voltem fisicamente às escolas em tempo integral, a primeira coisa que vem à mente é que muitas já terão perdido um tempo essencial em termos de desenvolvimento, educação e socialização. (1) Além disso, para que a economia também possa retornar à sua força total, os pais necessitam das escolas para compartilharem o cuidado de seus filhos, inclusive com o benefício de que muitas fornecem alimentação para as crianças durante o período em que estão trabalhando. (1) Portanto, apesar das dificuldades a serem enfrentadas, a reabertura segura das escolas deveria ser uma prioridade absoluta. (1)

Esta situação, portanto, tem levado pais e educadores a se preocuparem com a elaboração de um plano de abertura das escolas que possa garantir segurança para as crianças, funcionários e até para os familiares, dados os altos níveis de transmissão do vírus na comunidade. (1) Por outro lado, manter crianças e adolescentes sob regras rigorosas de distanciamento social não é fácil é tão pouco bom para o ensino e a própria necessidade de convívio que eles têm. Sem contar que boa parte das escolas não têm espaço suficiente para manter esse distanciamento ou possibilidade de melhorar a ventilação e as condições de higiene, assim como dar suporte adequado em suas enfermarias. (1)

Contudo, não é só com o SARS-CoV-2 que devemos nos preocupar. Sabemos que crianças podem ser assintomáticas ou apresentar sintomas leves, indistinguíveis de outras infecções virais, e que podem espalhar o vírus mesmo quando estiverem bem. Temos visto cenário semelhante de transmissão em outras epidemias virais como as de gripe, exatamente por passarem períodos prolongados na proximidade de outras crianças na escola e durante as atividades físicas. (2) As vias de transmissão dos vírus respiratórios incluem contato direto, fômites e gotículas de secreção transportadas pelo ar. O rinovírus e o vírus sincicial respiratório, por exemplo, disseminam-se pelo contato das mãos com outras pessoas ou superfícies ou carregados por partículas grandes de aerossóis. Já o vírus da influenza pode se disseminar por distâncias ainda maiores, já que também viaja em partículas menores de aerossóis. (3) Nas escolas, a preocupação pode ser ainda maior, pois as crianças geralmente eliminam maiores cargas virais que os adultos. (3)

Outras doenças comuns entre crianças são as gastroenterites virais, um grande problema de saúde em todo o mundo principalmente por seus surtos ocasionais ou sazonais em ambientes semifechados, como as escolas, manifestados principalmente por diarreia e vômitos. (4) Recomendações gerais nesses casos incluem a adoção de padrões rígidos de higiene, desinfecção de superfícies ambientais compartilhadas e exclusão de pessoas doentes da escola por pelo menos 48 horas após a resolução dos sintomas. (4)

Um dos vírus mais associados a surtos frequentes de gastroenterites é o norovírus, cuja principal forma de infecção é a partir de pessoas infectadas, mesmo que assintomáticas, por contato direto ou via superfícies compartilhadas. A transmissão torna-se ainda mais preocupante se considerarmos que a quantidade de partículas virais necessárias para a contaminação é muito baixa e se encontram em grande número nas fezes. (5) Curiosamente, a transmissão do norovírus por contato direto ou indireto com vômitos pode ser uma via potencialmente aceita durante os surtos. Como os vômitos são frequentes em pacientes com gastroenterite por norovírus, isso ajudaria a explicar a grande proporção de disseminação em ambientes onde haja proximidade entre as pessoas. (5) Um estudo espanhol mostrou que o risco de norovirose associou-se à exposição a alimentos em 66,1% dos casos e aos vômitos em 24,8%. (5)

Finalmente, é de destacar também o cuidado com as crianças menores que retornarão às creches ou pré-escolas, já que um levantamento realizado no Brasil mostrou que elas apresentam risco até duas a três vezes maior de adquirir infecções, obrigando maior atenção quanto à lavagem das mãos, rotina para troca e descarte de fraldas e desinfecção de áreas contaminadas. (6)

Uma mensagem final: todo cuidado será pouco ao se programar o retorno às escolas, pré-escolas ou creches, seja qual for o momento escolhido para essa decisão. Infecções poderão voltar a surgir e deveremos estar preparados.

Referências

  1. Levinson M, Cevik M, Lipsitch M. Reopening Primary Schools during the Pandemic [published online ahead of print, 2020 Jul 29]. N Engl J Med. 2020; 10.1056/NEJMms2024920. doi:10.1056/NEJMms2024920.
  2. Auger KA, Shah SS, Richardson T, et al. Association Between Statewide School Closure and COVID-19 Incidence and Mortality in the US [published online ahead of print, 2020 Jul 29]. JAMA. 2020; e2014348. doi:10.1001/jama.2020.14348.
  3. Nesti MM, Goldbaum M. Infectious diseases and daycare and preschool education. J Pediatr (Rio J). 2007;83(5):299-312. doi:10.2223/JPED.1649
  4. Mellou K, Sideroglou T, Potamiti-Komi M, et al. Epidemiological investigation of two parallel gastroenteritis outbreaks in school settings. BMC Public Health. 2013; 13:241. Published 2013 Mar 19. doi:10.1186/1471-2458-13-241.
  5. Godoy P, Alsedà M, Bartolomé R, et al. Norovirus gastroenteritis outbreak transmitted by food and vomit in a high school. Epidemiol Infect. 2016;144(9):1951-1958. doi:10.1017/S0950268815003283 Dalcin

Dalcin PTR, Silva DR. Infecções Virais do Trato Respiratório. Disponível em: http://www.boletimdasaude.rs.gov.br/conteudo/1442/infecções-virais-do-trato-respiratório. Acessado em 13 de agosto de 2020.

I-PROBIOTIC PEDIÁTRICO

Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®). O probiótico mais estudado do mundo

[ Jon A. Vanderhoof, MD ]

Desenvolvimento do Microbioma Intestinal nas crianças e implicações ao longo da vida

[ Profa. Dra. Cristina Targa ]

Interação entre microbioma intestinal e imunidade

[ Prof. Dr. Bruno Paes Barreto ]

Análise global de ensaios clínicos com probióticos

Mais de 1.000 estudos clínicos com probióticos, registrados em ClinicalTrials.gov  e/ou na Plataforma Internacional de Registro de Ensaios Clínicos (ICTRP) da Organização Mundial da Saúde, abordaram mais de 700 doenças e condições clínicas diferentes. O tamanho médio de um ensaio clínico com probióticos (74 participantes) é comparável à média geral de todos os estudos em  ClincialTrials.gov. Lactobacillus  rhamnosus  GG (LGG) e  Bifidobacterium  animalis  ssp. lactis  BB12 são as cepas probióticas mais estudadas. A composição exata do produto que é utilizado, incluindo a dosagem, nem sempre é indicada no registro. A maioria dos estudos de probióticos em  ClinicalTrials.gov está registrada nos EUA ou na Europa (56%).

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32715136/

Eficácia de Lactobacillus rhamnosus GG no tratamento de diarreia aguda na pediatria: Uma revisão sistemática com meta-análise

Introdução: A diarreia é uma das principais causas infecciosas de morbidade e mortalidade infantil em todo o mundo. Em ensaios clínicos,  Lactobacillus  rhamnosus  GG ATCC 53013 (LGG) tem sido usado para tratar diarreia.

Objetivo: Avaliar a eficácia da LGG no tratamento da diarreia aguda em crianças.

Métodos: Os bancos de dados EMBASE, MEDLINE, PubMed, Web of Science e o Cochrane Central Register of Controlled Trials foram pesquisados até abril de 2019 para meta-análises e ensaios controlados randomizados (RCTs). O Cochrane Review Manager foi usado para analisar os dados relevantes.

Resultados: Dezenove Estudos Controlados (RCTs) atenderam aos critérios de inclusão e mostraram que, em comparação com o grupo controle, a administração LGG reduziu notavelmente a duração da diarreia [diferença média (DM) -24,02 h, intervalo de confiança de 95% (IC) (-36,58, -11,45)]. Resultados mais eficazes foram detectados em  dosagem alta ≥ 1010  UFC por dia [MD -22,56 h, IC95%(-36,41, -8,72)]  versus uma dose menor. Houve redução semelhante em pacientes asiáticos e europeus [MD -24,42 h, IC95%(-47,01, -1,82); MD -32,02 h, IC95%(-49,26, -14,79), respectivamente]. Foi confirmada a redução da duração de diarreia nos participantes com uso de LGG com diarreia inferior a 3 dias na inclusão no estudo [MD -15,83 h, IC95%(-20,68, -10,98)]. O LGG com dosagem alta reduziu efetivamente a duração da diarreia induzida pelo rotavírus [MD -31,05 h, IC 95%(-50,31, -11,80)] e o número de evacuações diárias [MD -1,08, IC95% (-1,87, -0,28)].

Conclusão: A terapia com LGG reduziu a duração da diarreia e o número de evacuações diárias. Recomenda-se a intervenção em estágio inicial. Estudos futuros são esperados para provar a efetividade do tratamento com LGG.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31543689/

Trinta anos de Lactobacillus rhamnosus GG: Uma Revisão

Lactobacillus rhamnosus  GG (LGG) foi a primeira cepa pertencente ao gênero Lactobacillus a ser patenteada em 1989 graças à sua capacidade de sobreviver e proliferar em pH ácido gástrico e em meio contendo bile, e aderir a enterócitos. Além disso, o LGG é capaz de produzir tanto um biofilme que pode proteger mecanicamente a mucosa, e diferentes fatores solúveis benéficos para o intestino, aumentando a sobrevivência da cripta intestinal, diminuindo a apoptose do epitélio intestinal e preservando a integridade citoesquelética. Além disso, LGG, graças à sua proteína 1 e 2 em forma de lectina, inibe alguns patógenos, como a espécie Salmonella. Finalmente, a LGG é capaz de promover a resposta imune tipo 1 reduzindo a expressão de vários marcadores de ativação e inflamação em monócitos e aumentando a produção de interleucina-10, interleucina-12 e fator de necrose tumoral-α  em macrófagos. Um grande número de dados de pesquisa sobre Lactobacillus GG é a base para o uso desse probiótico para a saúde humana. Nesta revisão, consideramos ensaios controlados predominantemente randomizados, meta-análises, Revisões Cochrane, Consensos de Sociedades Médicas Científicas e estudos cujos resultados foram avaliados por meio de risco relativo, odds ratio, diferença média ponderada de 95% de intervalo de confiança. O artigo analisa a eficácia do LGG em infecções gastrointestinais, diarreia aguda, diarreia associada a antibióticos e Clostridium difficile, síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal, infecções do trato respiratório, alergia, doenças cardiovasculares, doença hepática gordurosa não alcoólica, esteato-hepatite não alcoólica, fibrose cística, câncer, uso em idosos.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30741841/