Probióticos: um potencial aliado contra a covid-19

A covid-19, infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2, pode levar a uma grave inflamação das vias respiratórias e, por isso, já causou milhares de mortes. Para o controle da pandemia, além da vacinação em massa, várias outras estratégias têm sido estudas e o uso de probióticos tem emergido como uma promissora intervenção.

            Probióticos são microorganismos vivos que quando administrados na dosagem correta são capazes de alterar a resposta imune do hospedeiro. Existe uma gama de estudos que mostram que a microbiota intestinal influencia em desordens pulmonares como bronquite crônica, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, enfisema, câncer, derrame pleural e infecções virais. Além disso, já foi demonstrado também que doenças virais pulmonares alteram a microbiota intestinal.

Covid-19 e a microbiota intestinal

Um estudo chinês recente confirmou que a covid-19 causa um desbalanço da microbiota intestinal, o que evidencia a importância da regulação da flora intestinal, principalmente nos pacientes com Covid-19. Dessa forma, em Maio de 2020 um grupo de pesquisadores listou os mais importantes probióticos com potencial para ajudar no combate à doença: L. casei, L. gasseri, B. longum, B. bifidum, L. rhamnosus, L. plantarum, B. breve, Pedicoccus pentosaceus e Leuconostoc mesenteroides.

A infecção pelo SARS-CoV-2, em alguns pacientes, pode desencadear uma tempestade de citocinas que causa injúrias aos pulmões, trato gastrointestinal, cérebro, sistema cardiovascular, rins e olhos. Acredita-se que os probióticos seriam capazes de regular a função imunológica das células presentes na mucosa intestinal, visto que eles podem equilibrar os mecanismos de resposta imune (tanto inato quanto adaptativo).

A covid-19 cursa com 17,6% de sintomas gastrointestinais, sendo a presença de RNA viral nas fezes detectado em até 50% dos pacientes. Estudos experimentais mostram que os probióticos podem aderir às partículas virais impedindo sua ligação ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 nas células epiteliais do intestino.   A colonização pelas bactérias probióticas regula a flora intestinal favorecendo o fortalecimento da barreira mucosa e melhorando a disbiose e sintomas gastrointestinais como diarreia. As bactérias liberam diversas substâncias (como ácido lático, peróxido de hidrogênio, óxido nítrico, biosurfactante) que podem inibir a proliferação viral. Ademais, os probióticos também modulam a resposta imune ao ativar células NK, balancear a resposta Th1/Th2, controlar a produção de citocinas inflamatórias e auxiliar na ativação da produção de anticorpos específicos, atuando na comunicação do eixo pulmão-intestino

Probióticos na covid-19

D´Ettorre e colaboradores avaliaram o uso de probiótico durante a infecção por Sars-CoV-2 em 70 pacientes com covid-19 grave, sendo demonstrado uma redução na duração da diarreia e redução de falência respiratória no grupo intervenção, comparado ao tratamento convencional. Recentemente, estudo duplo cego, randomizado, controlado por placebo foi conduzido nos EUA para avaliar o uso de Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) na proteção contra o desenvolvimento de sintomas de Covid-19 em pacientes que haviam sido expostos ao SARS-CoV-2 nos últimos sete dias. Um total de 182 indivíduos foram avaliados e percebeu-se que os participantes que faziam uso diário de LGG tiveram menos sintomas até o 28º dia em comparação ao grupo que recebeu placebo, além de também terem demorado mais tempo para início da sintomatologia. Apesar do grupo que tomava LGG ter tido menos diagnóstico de covid-19, estatisticamente esse dado não foi relevante.

Apesar da amostra estudada ser pequena, o estudo sugere que o uso de LGG é bem tolerado e foi associado com um número maior de dias após o contato para o desenvolvimento de sintomas, além desses sintomas terem sido mais brandos. Esses dados indicam que outros estudos randomizados controlados maiores precisam ser feitos para avaliar o uso de LGG na Covid-19, principalmente comparando profilaxia pré e pós exposição em populações de alto risco para infecção grave pelo SARS-CoV-2.

Autora:

Raissa Moraes

Médica plantonista do CTI do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião ⦁ Médica do Hospital Dia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestranda em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

Referências bibliográficas:

1.           Veckman V, Miettinen M, Pirhonen J, Sirén J, Matikainen S, Julkunen I. Streptococcus pyogenes and Lactobacillus rhamnosus differentially induce maturation and production of Th1-type cytokines and chemokines in human monocyte-derived dendritic cells. J Leukoc Biol.  2004;75(5):764–71.

2.           Zelaya H, Tsukida K, Chiba E, Marranzino G, Alvarez S, Kitazawa H, et al. Immunobiotic lactobacilli reduce viral-associated pulmonary damage through the modulation of inflammation-coagulation interactions. Int Immunopharmacol. 2014;19(1):161–73.

3.           Khaled JMA. Probiotics, prebiotics, and COVID-19 infection: A review article. Saudi J Biol Sci. 2021;28(1):865–9.

4.           Singh K, Rao A. Probiotics: A potential immunomodulator in COVID-19 infection management. Nutr Res.2021;87:1–12.

5.           Tang H, Bohannon L, Lew M, Jensen D, Jung S-H, Zhao A, et al. Randomised, double-blind, placebo-controlled trial of Probiotics To Eliminate COVID-19 Transmission in Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): a clinical trial protocol. BMJ Open. 2021;11(5):e047069.

6. d’Ettorre G, et al. Challenges in the management of SARS-CoV2 infection: the role of oral bacteriotherapy as complementary therapeutic strategy to avoid the pogression of COVID-19. Front Med. 2020 Jul 7;7:389.

7. Wischmeyer PE, et al. Daily Lactobacillus Probiotic versus Placebo in COVID-19-Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): A Randomized Clinical Trial. MedRxiv 2022.01.04.21268275

Disbiose, doenças inflamatórias intestinais e probióticos

A microbiota intestinal é constituída por fungos, vírus e principalmente bactérias. Em indivíduos saudáveis as principais espécies bacterianas são: Firmicutes (64%), Bacteroidetes (23%), Actinobacteria (8%) e Proteobacteria (3%).   O seu desenvolvimento inicia-se após o nascimento seguindo até o estabelecimento de uma relação simbiótica com o hospedeiro.  A microbiota é essencial para o organismo e tem várias funções fisiológicas como a síntese de vitaminas B e K, formação de ácidos graxos de cadeia curta, manutenção da integridade da mucosa intestinal e produção de bacteriocinas, por exemplo.

Afinal, o que é disbiose?

A relação entre disbiose e doenças intestinais já foi aventada na literatura há muitos anos. Disbiose é definida como desequilíbrio na qualidade e na quantidade da microbiota intestinal. A etiopatogênese inclui obesidade, sedentarismo, dieta rica gordura, baixa em fibras, mas pode também ser causada por gastrectomia, diabetes, medicamentos como os antibióticos e os inibidores da bomba de prótons (IBPs) dentre outros. Este desequilíbrio entre populações bacterianas agressoras e protetoras pode levar a sintomas tais como: alteração de hábito intestinal (diarreia/constipação), flatulência, má absorção de nutrientes, aumento da permeabilidade intestinal, baixa de imunidade e brain fog.

Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)

              Retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) sãodoenças crônicas em que há inflamação do intestino, com etiologia ainda não totalmente esclarecida.  A RCU acomete a mucosa do cólon e do reto, enquanto a DC pode acometer toda a parede intestinal e topograficamente pode acometer da boca ao ânus, com predileção pela região ileocecal. Nas DII já está bem estabelecida a presença de alteração da microbiota do trato gastrointestinal, com aumento das famílias Enterobacteriaceae e redução das famílias Bacteroidetes.  Clinicamente manifesta-se com perda ponderal, anemia, dor abdominal, diarreia/constipação e febre.

Probióticos nas DII

              Probióticos são microrganismos vivos que, em quantidade adequada, conferem benefício para a saúde e têm sido estudados como potenciais agentes terapêuticos nas DII.  Sua capacidade de modular a resposta inflamatória na DII tem sido amplamente investigada.

As funções imunes dos probióticos já relatadas na literatura são:

  • Fortalecer a barreira intestinal através da secreção de muco e cloreto e na mudança na expressão de proteínas integrantes das tight junctions;
  • Reduzir a apoptose de células epiteliais;
  • Reduzir a ativação do fator NF-kB;
  • Aumentar a atividade das células natural killer;
  • Estimular a síntese de citocinas anti-inflamatórias.

A diversidade de cepas probióticas disponíveis no mercado faz com que a escolha por um probiótico seja um enorme desafio. As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são mais comumente usadas nas doenças intestinais, mas outras como Saccharomyces e algumas E.coli também podem ser utilizadas. A colonização bacteriana é essencial ao desenvolvimento e manutenção da homeostase intestinal, portanto deve-se dar prioridade para cepas que colonizam o intestino, nesta escolha. Embora o probiótico VSL#3® atue na indução da remissão na RCU ativa e seja tão eficaz quanto os 5-aminossalicilatos na prevenção de recidivas seu mecanismo de ação ainda não está estabelecido.  A cepa Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) induziu ao aumento de Imunoglobulina A, com melhora da capacidade imunológica intestinal e melhorou a permeabilidade paracelular intestinal dos pacientes. Esta cepa levou também a um maior tempo sem recidiva comparativamente à mesalazina em pacientes com RCU quiescente. Estudos, no entanto, mostraram a necessidade de precaução e cautela na prescrição deste probiótico em casos mais graves, para evitar a possibilidade de bacteremia. 

Diferentemente da RCU, a maioria dos estudos de alta qualidade científica concluiu pela falta de evidências que fundamentam o uso dos probióticos na indução e/ou manutenção da remissão na DC.

Referências bibliográficas:

  1. The International Journal of Inflammatory Bowel Disease is the official publication of the Brazilian Study Group of Inflammatory Bowel Disease (GEDIIB); https://gediib.org.br/wp-content/uploads/2019/10/L3_REVISTA-INTERNATIONAL-JOURNAL_VOL5-N1_PORTUGUES_16-08-2019-1.pdf (gediib.org.br) Acesso novembro 2021;
  2. 2. Shanahan F. (2012). The microbiota in inflammatory bowel disease: friend, bystander, and sometime-villain. Nutrition reviews, 70 Suppl 1, S31–S37. https://doi.org/10.1111/j.1753-4887.2012.00502.x;
  3. Currò, D., Ianiro, G., Pecere, S., Bibbò, S., & Cammarota, G. (2017). Probiotics, fibre and herbal medicinal products for functional and inflammatory bowel disorders. British journal of pharmacology, 174(11), 1426–1449. https://doi.org/10.1111/bph.13632;
  4. Feitosa P S,  Sousa AV. Doença de Crohn e uso de probióticos como tratamento adjuvante Brazilian Journal of Development, Curitiba, 2021, 7 (4); 42872- 42889.

Vera Lucia Ângelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Sócia Proprietária da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Infecções respiratórias: probióticos no tratamento e prevenção

As infecções respiratórias são quadros extremamente comuns, tanto na população pediátrica quanto em adultos. A pandemia da covid-19 trouxe novos reconhecimentos desses quadros como causadores de grande morbidade e mortalidade para a população. Os quadros infecciosos respiratórios trazem inúmeros prejuízos econômicos e financeiros, visto as altas taxas de hospitalizações, absenteísmo e custos para seu tratamento.

A grande variedade de agentes etiológicos e a limitada disponibilidade de vacinas para esses agentes gera um grande desafio preventivo na prática. Assim, formas adicionais de prevenção têm sido buscadas na literatura, com interesse da população geral acerca de evidências a esse respeito.

Infecções respiratórias: o que são?

As infecções respiratórias consistem em síndromes clínicas caracterizadas pela invasão do trato respiratório, em qualquer parte, com produção de sinais e sintomas. Podem ocorrer tanto nas vias aéreas superiores, quando produzem os quadros de resfriado comum, rinites, sinusites, adenoidites, faringoamigdalites, epiglotites e laringites, quanto nas vias aéreas inferiores, onde causam as traqueítes, bronquiolites, tuberculose pulmonar e pneumonias. Em algumas situações, podem ser acometidas mais de uma parte das vias aéreas.

As infecções respiratórias são particularmente graves em alguns grupos, como crianças, idosos, portadores de doenças crônicas, grupos desfavorecidos socialmente e minorias étnicas. A maior parte dos quadros são causados por vírus, apesar de bactérias, fungos e parasitas também estarem envolvidos.                           

As infecções respiratórias de etiologia viral revestem-se de importância pelo seu alto contágio, com surgimento de surtos e epidemias associados, inclusive nos ambientes de creches e escolas. Geralmente, apresentam um caráter sazonal, com aumento dos casos nos períodos do outono e inverno. Porém, podem ocorrer em qualquer época do ano, como observado no último surto de influenza H3N2 observado em várias cidades brasileiras nos meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022.

Como a microbiota intestinal interfere nas infecções respiratórias?

A microbiota intestinal é composta por aproximadamente 104 bactérias de cerca de 1000 espécies diferentes. Os filos Firmicutes e Bacteroidetes formam cerca de 90% dessa microbiota. Chunxi et al (2020) ressaltam as semelhanças que as mucosas intestinal e respiratória apresentam: estrutura embrionária comum, funções estruturais e anatômicas semelhantes e colonização microbiana no início da vida ocorrendo de forma parecida. Assim, essas duas estruturas apresentam relações íntimas, reconhecidas como o eixo intestino-pulmonar (“Gut-lung axis”), com interações recíprocas que podem contribuir para suas funções.

Mudanças na microbiota intestinal não alteram apenas a função desse órgão, mas também podem causar desvios na função de vários outros órgãos. Diversos estudos têm sugerido que mudanças na microbiota intestinal estão associadas a doenças como alergias, doenças autoimunes, diabetes, obesidade e neoplasias, apesar dos mecanismos pelos quais essa relação ocorre ainda não estarem completamente compreendidos.

A microbiota intestinal tem sido reconhecida como tendo um papel relevante com relação à imunomodulação do hospedeiro, incluindo no que diz respeito ao trato respiratório. O papel exato da microbiota intestinal no trato respiratório ainda não é conhecido, mas mecanismos possíveis descritos na literatura sugerem que a regulação da população de células T, a produção de metabólitos da microbiota (como os ácidos graxos de cadeia curta), o desenvolvimento da tolerância imunológica, o aumento da produção de imunidade da mucosa (através do aumento da IgA) e a regulação da produção de citocinas estão envolvidas nessa relação.

Com relação ao papel da microbiota nas infecções respiratórias, diversos autores têm ressaltado a importância dessas relações. Chaux et al (2020) descrevem que a microbiota intestinal beneficia a mucosa respiratória através do estímulo à sua imunidade de mucosa e ao aumento da proteção contra infecções respiratórias, à distância, através da modulação da resposta imune do hospedeiro. Estudos têm observado a diferença da microbiota intestinal em pacientes com determinadas infecções respiratórias (vírus sincicial respiratório, influenza e tuberculose) quando comparados a pacientes sadios.

A desregulação da microbiota intestinal pode gerar um desbalanceamento da resposta imune contra vírus e bactérias, conforme apontam Shahbazi et al (2020). Os mesmos autores esclarecem que a microbiota intestinal está associada à sinalização pela via dos interferons, que são cruciais para a resposta contra infecções virais. Essa modulação pode também ocorrer no trato respiratório, através da migração de células imunológicas da mucosa gastrointestinal para o trato respiratório. Além disso, a microbiota intestinal esteve associada tanto à regulação da imunidade inata quanto da imunidade adquirida.                

Avaliação do uso de probióticos na prevenção e tratamento das infecções respiratórias

Segundo Suez et al (2019), os probióticos podem ser definidos como “microrganismos vivos que conferem benefícios na saúde quando consumidos em quantidades adequadas”. Geralmente, são compostos por cepas das espécies Lactobacillus, Bifidobacterium ou Saccharomyces. Os probióticos têm sido implicados no tratamento da disbiose, que é um desbalanço na população microbiana comensal que pode comprometer a função da mucosa intestinal. O uso dos probióticos apresenta o potencial de manter a barreira de mucosa intestinal e exercer atividade imunomodulatória, através da prevenção ou tratamento da disbiose. 

O uso de probióticos como forma de prevenção e tratamento das infecções respiratórias tem sido levantado na literatura, baseado nos achados de que a microbiota intestinal apresenta um papel fundamental na imunomodulação do sistema respiratório, afetando sua capacidade de defesa contra agentes invasores. A ideia do uso dos probióticos para a melhora dos quadros de infecções respiratórias é que, ao se melhorar a microbiota intestinal, é possível realizar um melhor ajuste dos mecanismos de proteção da via respiratória. Por exemplo, o uso de probióticos em ratos foi associado ao aumento da produção de diversas citocinas (incluindo o TNF-alfa e o IFN-gama) a nível de mucosa respiratória em um estudo experimental. 

Suez et al (2019) relatam que diversas metanálises e revisões sistemáticas sugerem que os probióticos podem ser eficazes em reduzir a gravidade, duração e incidência de infecções respiratórias em crianças e adultos, apesar da baixa evidência desses estudos.    

Uma revisão de 2018 (Robinson et al, 2018) encontrou estudos randomizados nos quais o uso de probióticos, especialmente de cepas do Lactobacillus rhamnosus, esteve associado, com relevância estatisticamente significativa, à redução de pneumonia associada à ventilação mecânica. Já a metanálise realizada por Long et al (2017) encontrou redução nas taxas de infecção respiratórias superiores, redução de absenteísmo escolar e redução do uso de antibióticos associado a infecções respiratórias com o uso de probióticos, apesar das qualidades das evidências também ser baixa. 

Uma revisão sistemática brasileira (Araujo et al, 2015) encontrou resultados que sugerem que o uso de probióticos está relacionado com a redução de novos episódios de infecções respiratórias, principalmente em pacientes com história clínica de infecções respiratórias de repetição. 

Apesar disso, geralmente os estudos indicativos do benefício do uso dos probióticos em infecções respiratórias são baseados em estudos in vitro ou com metodologias inadequadas. Os que são baseados em metodologias apropriadas, como estudos duplo-cego, controlados por placebo, frequentemente apresentam resultados contraditórios. Os mecanismos de benefício dos probióticos na prevenção de doenças respiratórias ainda não são completamente compreendidos, e ainda não está claro se os custos relacionados com o uso de probióticos justificam o uso deles para fins de prevenção e tratamento de infecções respiratórias.  

Por ora, apesar de poucas orientações clínicas disponíveis, há uma crescente tendência de estudar e aplicar na prática o uso dos probióticos na prevenção e no tratamento adjuvante das doenças infecciosas respiratórias. Diversos estudos já destacam a importância da modulação da microbiota através do uso dos probióticos como um mecanismo promissor no controle dos processos inflamatórios. Apesar disso,  há a necessidade de mais testes clínicos randomizados, além do estabelecimento de protocolos padronizados para uso clínico, para que a aplicabilidade clínica seja feita de forma segura e eficaz.

Autora:

Dolores Henriques

Médica formada pela UNIRIO ⦁ Residência médica em pediatria pelo HUPE/UERJ ⦁ Médica concursada do Ministério da Educação (Colégio Pedro II e CEFET-RJ) ⦁ Tem experiência nas áreas de Terapia Intensiva Pediátrica, Pediatria Geral e Medicina de Urgência.

Referências:

  1. Araujo GV et al. Probiotics for the treatment of upper and lower respiratory-tract infections in children: systematic review based on randomized clinical trials. Jornal de pediatria, v. 91, p. 413-427, 2015.
  2. Chunxi L, Haiyue L, Yanxia L, Jianbing P, Jin S. The Gut Microbiota and Respiratory Diseases: New Evidence. J Immunol Res. 2020 Jul 31;2020:2340670. doi: 10.1155/2020/2340670. PMID: 32802893; PMCID: PMC7415116.
  3. Dhar D, Mohanty A. Gut microbiota and Covid-19- possible link and implications. Virus Res. 2020 Aug;285:198018. doi: 10.1016/j.virusres.2020.198018. Epub 2020 May 13. PMID: 32430279; PMCID: PMC7217790.
  4. Dumas A, Bernard L, Poquet Y, Lugo-Villarino G, Neyrolles O. The role of the lung microbiota and the gut-lung axis in respiratory infectious diseases. Cell Microbiol. 2018 Dec;20(12):e12966. doi: 10.1111/cmi.12966. Epub 2018 Oct 30. PMID: 30329198.
  5. Fiocruz. Observatório do clima e saúde. Infecção respiratória aguda (IRA). <https://climaesaude.icict.fiocruz.br/infeccao-respiratoria-aguda-ira>. Acesso em 11/02/2022. 
  6. Harper A, Vijayakumar V, Ouwehand AC, Ter Haar J, Obis D, Espadaler J, Binda S, Desiraju S, Day R. Viral Infections, the Microbiome, and Probiotics. Front Cell Infect Microbiol. 2021 Feb 12;10:596166. doi: 10.3389/fcimb.2020.596166. PMID: 33643929; PMCID: PMC7907522.
  7. Instituto Butantan. Surto de influenza H3N2 foi impulsionado por cepa mais transmissível, baixa vacinação e redução das medidas contra covid. <https://butantan.gov.br/noticias/surto-de-influenza-h3n2-foi-impulsionado-por-cepa-mais-transmissivel-baixa-vacinacao-e-reducao-de-medidas-contra-covid>. Acesso em 12/02/2022. 
  8. Long JD, Morris A. Probiotics in Preventing Acute Upper Respiratory Tract Infections. Am J Nurs. 2017 Dec;117(12):69. doi: 10.1097/01.NAJ.0000527494.16987.1e. PMID: 29189253.
  9. Robinson JL. Probiotics for Modification of the Incidence or Severity of Respiratory Tract Infections. Pediatr Infect Dis J. 2018 Jul;37(7):722-724. doi: 10.1097/INF.0000000000002000. PMID: 29570585.
  10. Shahbazi R, Yasavoli-Sharahi H, Alsadi N, Ismail N, Matar C. Probiotics in Treatment of Viral Respiratory Infections and Neuroinflammatory Disorders. Molecules. 2020 Oct 22;25(21):4891. doi: 10.3390/molecules25214891. PMID: 33105830; PMCID: PMC7660077.
  11. Silva Filho EBS et al. Infecções Respiratórias de Importância Clínica: uma Revisão Sistemática. Rev FIMCA 2017; 4 (1): 716.
  12. Strauss M, Mičetić-Turk D, Pogačar MŠ, Fijan S. Probiotics for the Prevention of Acute Respiratory-Tract Infections in Older People: Systematic Review. Healthcare (Basel). 2021 Jun 7;9(6):690. doi: 10.3390/healthcare9060690. PMID: 34200435; PMCID: PMC8228160.
  13. Suez J, Zmora N, Segal E, Elinav E. The pros, cons, and many unknowns of probiotics. Nat Med. 2019 May;25(5):716-729. doi: 10.1038/s41591-019-0439-x. Epub 2019 May 6. PMID: 31061539.
  14. Wypych TP, Wickramasinghe LC, Marsland BJ. The influence of the microbiome on respiratory health. Nat Immunol. 2019 Oct;20(10):1279-1290. doi: 10.1038/s41590-019-0451-9. Epub 2019 Sep 9. PMID: 31501577.
  15. Yoda K et al. Orally administered heat-killed Lactobacillus gasseri TMC0356 alters respiratory immune responses and intestinal microbiota of diet-induced obese mice. Journal of Applied Microbiology, vol. 113, no. 1, pp. 155–162, 2012.

Risco de obesidade e disbiose [podcast]

Neste episódio, produzido pela PEBMED em parceria com a Cellera Farma, Vera Lucia Angelo Andrade e Roberta Esteves Vieira de Castro abordam sobre a relação entre obesidade e disbiose e as muitas investigações sobre essa relação. Entretanto, a associação de um ambiente disbiótico em pacientes com obesidade requer maior avaliação.

Confira agora:

Entenda o risco de obesidade e disbiose

A ruptura do equilíbrio ecológico no intestino (disbiose) está relacionada a muitos procedimentos patológicos, em particular, a obesidade. A diminuição da diversidade microbiana é a manifestação mais conhecida da disbiose intestinal, que tem relação com muitos distúrbios, como a obesidade. Está comprovado que o desequilíbrio da microbiota intestinal (MI) surge, principalmente, devido ao aumento sustentado das Proteobactéria. No entanto, a MI humana natural geralmente contém uma baixa proporção deste filo. Bacteroides acidifaciens tem um papel potencial na modulação de distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes. A administração desta bactéria a camundongos leva ao eixo do receptor alfa ativado pelo proliferador de 5 peroxissoma (BA-TGR5-PPARα) no tecido adiposo. Essas interações estimulam a ativação da oxidação da gordura, o que provavelmente leva a um alto gasto energético, e, a ativação da dipeptidil peptidase-4 no intestino eleva o glucagon-like peptide-1 (GLP-1) e, presumivelmente, a modulação da homeostase da glicose. 

Muitas investigações sugerem uma relação entre obesidade e disbiose; entretanto, a associação de um ambiente disbiótico em pacientes com obesidade requer maior avaliação. A dieta é provavelmente o principal fator determinante no equilíbrio da MI. Dietas ricas em açúcar, independentemente do teor de gordura, estimulam a disbiose rápida. A disbiose relacionada à dieta está associada a um aumento na ativação do receptor intestinal tipo toll-4 (TLR-4) (receptor de lipopolissacarídeo (LPS) e inflamação gastrointestinal. As manifestações do ecossistema disfuncional que levam à baixa estabilidade da microbiota estão relacionadas tanto à obesidade quanto à doença inflamatória intestinal. A disbiose induzida pela obesidade se distingue, principalmente, pelos níveis crescentes de fezes e flagelina circulantes, peptidoglicano e LPS. A ruptura na barreira intestinal e sua integridade tem um papel notável na incidência de estado inflamatório crônico relevante para a obesidade e muitos distúrbios relacionados à obesidade e sua fisiopatologia. No entanto, a redução da espessura da camada de muco segue a invasão da microbiota, que estimula as funções dos padrões moleculares associados a micróbios (MAMP) com células intestinais. As células hospedeiras podem reconhecer MAMP por receptores de reconhecimento padrão, como os receptores do tipo NOD (do tipo de oligomerização de ligação de nucleotídeos) (receptor), TLR e de domínio de oligomerização de ligação de nucleotídeos. O aumento do vazamento de LPS (endotoxemia metabólica) é relevante para junções intercelulares interrompidas desencadeando, diretamente, inflamação e sensibilidade à insulina prejudicada. O nível de endotoxina e a perda de peso mostram o papel potencial dos probióticos na supressão da produção de endotoxina, e a disbiose relacionada à obesidade é a consequência dessas interações. No geral, as pesquisas mostram que a obesidade é relevante para a disbiose maior, que piora ainda mais com o aumento do IMC e o agravamento do distúrbio.

Probióticos e obesidade

Bactérias probióticas, incluindo Bifidobacterium spp e Lactobacillus spp e prebióticos, como frutooligossacarídeos, inulina e galactooligossacarídeos, são os ingredientes funcionais mais investigados e, presumivelmente, alteram as interações da MI. Os probióticos desempenham um papel importante na manutenção do equilíbrio na composição e são considerados um candidato potencialmente adequado para o tratamento da obesidade.

As correlações existentes entre a MI e as modificações da composição corporal revelam a influência dos probióticos no metabolismo energético na obesidade. Evidências pré-clínicas declaram propriedades “antiobesidade” para o gênero Lactobacillus como probióticos. Por exemplo, pesquisas com animais mostram que a administração de probióticos presumivelmente reduz o ganho de peso em resposta a uma dieta rica em gordura, e o exemplo mais conhecido é a suplementação de probióticos com L. curvatus HY7601 ou L. curvatus HY7601 em camundongos alimentados com uma dieta rica em gordura e colesterol em parte com L. plantarum KY1032, que previne e reduz o peso corporal e dos tecidos, respectivamente. Os probióticos contendo L. curvatus HY7601 diminuem significativamente o acúmulo de gordura no fígado em comparação com L. plantarum KY1032 na obesidade relacionada à dieta. Este probiótico tem grande eficiência na prevenção de expressões gênicas relevantes para a síntese de diferentes enzimas de ácidos graxos no fígado. Pesquisas em 14 cepas probióticas vivas, como Bifidobacterium, Lactobacillus, Lactococcus e Propionibacterium, revelaram diminuir notavelmente a massa corporal total e o peso do tecido adiposo visceral, através da melhoria da sensibilidade à insulina usando misturas probióticas, incluindo biomassa concentrada na infância.

Everard et al. relataram as propriedades antiobesidade de Saccharomyces boulardii Biocodex em camundongos que sofrem de DM2 e obesidade. Essas características úteis de S. boulardii afetam o metabolismo do hospedeiro pertinente aos efeitos locais no intestino. O peso do ceco foi aumentado por S. boulardii, porém, também induz modificações significativas na composição microbiana do intestino em nível de filo, família e gênero. Essas modificações em resposta ao S. boulardii presumivelmente estão associadas ao metabolismo no hospedeiro.

Concisamente, o tratamento da obesidade por modulação da MI usando probióticos ou intervenção dietética, devido às suas vantagens úteis, pode afetar o peso corporal, o metabolismo da glicose e da gordura, melhorando a sensibilidade à insulina e diminuindo a inflamação sistêmica crônica em humanos. No entanto, a propriedade mais proeminente dos probióticos no metabolismo do hospedeiro em investigações humanas é descrita geralmente para cepas de Lactobacillus e/ou Bifidobacterium. Foi demonstrado que alimentar ratos com leite desnatado fermentado por L. gasseri SBT2055 diminui o tamanho dos adipócitos e aumenta o número de pequenos adipócitos no tecido adiposo branco.

Prebióticos e simbióticos

Um prebiótico é explicado como um ingrediente dietético seletivamente fermentado em alterações específicas na ativação da MI ou em sua composição, incluindo efeitos benéficos na condição de saúde do hospedeiro. Notavelmente, as modulações da MI pelo uso de prebióticos na obesidade e outras complicações não abolem a permeabilidade do intestino, endotoxemia e inflamação, porém, diminuem a massa corporal e acúmulo de gordura e induzem a homeostase da glicose (tolerância à glicose e resistência à insulina), metabolismo lipídico, e sensibilidade à leptina. Recentemente, descobrimos que o consumo diário de 20 g de oligofrutose diminuiu a produção de glicose hepática basal em indivíduos saudáveis ​​sem qualquer efeito no metabolismo da glicose estimulada pela insulina e lipídios no DM2. Os prebióticos do tipo inulina podem modular o metabolismo de lipídios e glicose. A oligofrutose reduz a ingestão de alimentos, o desenvolvimento de massa gorda e a esteatose hepática em camundongos normais e camundongos com obesidade; além disso, tem um efeito antidiabético em ratos tratados com estreptozotocina e camundongos alimentados com dieta rica em gordura. 

O termo simbiótico é usado quando um produto contém probióticos e prebióticos. Crianças-alvo simbióticos mostram uma redução notável nos níveis séricos de triglicerídeos e colesterol de lipoproteína de baixa densidade. Portanto, os impactos úteis de um suplemento simbiótico no excesso de peso e outros fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes podem ser considerados na prática clínica. Prebióticos em parte com suplementação de simbióticos podem ser usados ​​como terapia adjuvante em comorbidades relacionadas à obesidade, incluindo dislipidemia e resistência à insulina.

Convidada:

Roberta Esteves Vieira De Castro: Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação.

Autor:

Vera Lucia Angelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Referência bibliográfica:

Sheykhsaran E, Abbasi A, Ebrahimzadeh Leylabadlo H, et al. Gut microbiota and obesity: an overview of microbiota to microbial-based therapies [published online ahead of print, 2022 Feb 9]. Postgrad Med J. 2022;postgradmedj-2021-141311. doi:10.1136/postgradmedj-2021-141311

Tecnologia OROS® no tratamento do TDAH [Vídeo]

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é um transtorno caracterizado pela frequência e intensidade de diversos comportamentos, sendo necessário um tratamento multidisciplinar.

Entre os diversos tratamentos terapêuticos, os guidelines trazem os medicamentos à base de metilfenidato como primeira escolha de tratamento do TDAH. Porém com o Concerta® existem benéficos devido sua Tecnologia OROS®, que através do processo de osmose, apresenta uma liberação prolongada do medicamento, gerando uma eficácia de 10 a 12 horas e evitando a taquifilaxia.

Veja o vídeo que apresenta o mecanismo de ação de Concerta® com sua Tecnologia OROS®.

Atopia: o que é e como os probióticos auxiliam no tratamento

A alergia é definida como uma resposta anormal do sistema imunológico a substâncias estranhas chamadas alérgenos e geralmente abrange alimentos, pólen, pele, lã, drogas, produtos químicos, animais, ácaros e assim por diante¹. A atopia (também conhecida como sensibilização alérgica) é marcada pela presença de anticorpos imunoglobulina E (IgE) específicos para alérgenos séricos ou por um teste cutâneo positivo para substâncias que podem induzir uma reação de hipersensibilidade. Em indivíduos sensibilizados, a exposição ao alérgeno por inalação, ingestão ou contato com a pele pode levar a doenças, como asma, rinite, dermatite atópica (DA), alergia alimentar (AA), febre do feno, urticária e anafilaxia sistêmica2,3. O desenvolvimento de manifestações atópicas é o resultado de uma predileção genética para produzir IgE específica após a exposição a alérgenos. Nesse processo, a apresentação do alérgeno processado pelas células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T leva à ativação dos linfócitos B e subsequente produção de IgE específica4.

A prevalência de doenças alérgicas está aumentando em todo o planeta, representando um fardo significativo para a sociedade, tanto econômica quanto psicossocialmente5. As doenças alérgicas têm sido associadas a fatores genéticos e/ou ambientais, como o uso de antibióticos de forma inadvertida, dieta com alto teor de gorduras e baixo teor de fibras, que levam à disbiose intestinal precoce e são responsáveis pelo aumento da prevalência de alergia, especialmente nos países ocidentais6. Dados da literatura descrevem que, globalmente, mais de 30% das crianças são alérgicas, com até 10% delas apresentando asma e rinite alérgica e 5 a 7% com AA. O termo “epidemia de alergia” tem sido aplicado para enfatizar esse aumento³.

O eixo intestino-pele desempenha um papel no desenvolvimento de doenças alérgicas por meio da interação imunológica e do microbioma entre o sistema gastrointestinal e a pele. As microbiotas intestinal e cutânea também desempenham um papel fundamental nas vias imunológicas de ambos os sistemas implicadas na patogênese dos distúrbios alérgicos. Inclusive, as doenças alérgicas têm sido caracterizadas por redução da diversidade microbiana, incluindo menos lactobacilos e bifidobactérias, na microbiota neonatal, antes do aparecimento das doenças atópicas (a disbiose intestinal no início da vida foi identificada como um marcador potencial de DA, AA e doenças alérgica das vias aéreas)6,7.

Dados da literatura mostram um aumento do interesse em estratégias de manipulação da microbiota para restaurar o equilíbrio microbiano para a prevenção de doenças atópicas, por meio do uso de probióticos6. Probióticos são microrganismos vivos, que em quantidades adequadas, são potencialmente benéficos para a saúde ao modular a composição da microbiota intestinal, exercendo efeitos imunomoduladores sistêmicos em outros órgãos, além do intestino7

Abordagem clínica da atopia

O diagnóstico de alergias depende de uma história de sintomas de exposição a um alérgeno juntamente com a detecção de IgE específica que pode ser realizada de forma confiável por testes séricos específicos ou testes cutâneos, não sendo esses testes mandatórios para todas as alergias. Ademais, o diagnóstico preciso dos alérgenos responsáveis pela doença alérgica representa oportunidades para terapias específicas, como prevenção de alérgenos e imunoterapia².

Atualmente, pesquisas envolvendo o uso de probióticos no manejo das atopias têm sido realizadas. As interações entre os probióticos e o sistema imunológico podem ser benéficas para a prevenção e o tratamento de doenças alérgicas; no entanto, ainda faltam evidências para apoiar esta conclusão. Além disso, o advento da hipótese microbiana levantou novas preocupações sobre a associação entre as respostas imunes e a microbiota intestinal humana e o impacto dessa associação no desenvolvimento de doenças alérgicas8

Probióticos no tratamento da atopia

O efeito dos probióticos na prevenção e tratamento de alergias ocorre através de mecanismos que precisam ser mais bem compreendidos9. A hipótese do ambiente sugere que a exposição insuficiente ou aberrante a micróbios ambientais é uma das causas do desenvolvimento de alergias e suas doenças associadas10. A microbiota intestinal influencia o desenvolvimento da resposta imune e o equilíbrio de células Th1 / Th2 que, por sua vez, determinam o desenvolvimento da tolerância oral. As células imunes do tipo Th2 produzem interleucina 4 (IL-4), que é essencial para a diferenciação das células B em células produtoras de IgE, e IL-5, que é importante para a atividade de eosinófilos e linfócitos. A permeabilidade intestinal também é alterada, permitindo a absorção de macromoléculas antigênicas9.

Os microrganismos que compõem os probióticos são geralmente bactérias do ácido láctico, incluindo Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus rhamnosus. As espécies de Lactobacillus possuem várias propriedades importantes, como aderência eficiente às células epiteliais intestinais para reduzir ou prevenir a colonização de patógenos, crescimento competitivo e produção de metabólitos para inibir ou matar patógenos e não patógenos. No entanto, outras espécies bacterianas, como Bacillus, Bifidobacterium spp. e Propionibacterium spp também foram descritas como cepas probióticas em vários produtos comerciais10.

Evidências atuais não apoiam o uso rotineiro de probióticos como uma intervenção para prevenir qualquer forma de doença alérgica, com exceção da DA em bebês de alto risco. As cepas, as dosagens, o momento e a duração ideais da administração de probióticos permanecem desconhecidos. No entanto, a pesquisa nesta área está em andamento e espera-se que forneça melhores insights sobre como os probióticos podem contribuir para a prevenção ou tratamento de doenças atópicas5.

LGG® no tratamento da atopia

Uma revisão sistemática de 2007 da Cochrane incluiu seis estudos com um total de 2.080 bebês, avaliando os resultados do uso de probióticos em doenças alérgicas e / ou alergias alimentares. A revisão concluiu que todos os estudos que relataram benefícios significativos usaram suplementos probióticos contendo Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®), a cepa que mais tem sido estudada atualmente. Estudos recentes demonstraram que a suplementação com bactérias probióticas, como LGG®, é capaz de modular a microbiota intestinal que envolve a redução de bactérias patogênicas, incluindo colesterol, e, inversamente, um aumento no nível de bifidobactérias benéficas em neonatos com alergias11,12,13.

O LGG® foi relatado em um número limitado de estudos para melhorar certas respostas específicas de vacina14. Estudos randomizados demonstraram que quando o LGG® ou placebo foram dados a gestantes com histórico familiar sério de DA, rinite alérgica ou asma e depois em recém-nascidos durante os primeiros seis meses após o parto, a incidência de DA em crianças diminuiu em 50%, 44% e 36% em dois anos, quatro anos e sete anos, respectivamente13.  Com relação a AA à proteína do leite de vaca (APLV), uma metanálise recente  demonstrou, em uma análise de subgrupo, benefícios significativos da administração de LGG® na indução de tolerância e em efeito dependente da duração na indução de tolerância observado após, pelo menos, dois anos15.

Para Licciard e colaboradores, a suplementação materna de LGG® pode não ser benéfica em termos de melhoria da imunidade específica à vacina em bebês. No entanto, mais estudos clínicos são necessários. Como os efeitos imunológicos probióticos podem ser específicos da espécie / cepa, o uso potencial de bactérias probióticas para modular as respostas imunológicas infantis às vacinas não pode ser descartado14.

 Autora:

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Referências bibliográficas: 

  1. Balta I, Butucel E, Mohylyuk V, et al. Novel Insights into the Role of Probiotics in Respiratory Infections, Allergies, Cancer, and Neurological Abnormalities. Diseases. 2021;9(3):60
  2. Douglass JA, O’Hehir RE. 1. Diagnosis, treatment and prevention of allergic disease: the basics. Med J Aust. 2006;185(4):228-233
  3. Lambrecht BN, Hammad H. The immunology of the allergy epidemic and the hygiene hypothesis. Nat Immunol. 2017;18(10):1076-1083
  4. de Wit J, Dalm V, Totté JE, et al. Atopic manifestations are underestimated clinical features in various primary immunodeficiency disease phenotypes [published online ahead of print, 2021 Nov 26]. J Investig Allergol Clin Immunol. 2021;0
  5. Wang HT, Anvari S, Anagnostou K. The Role of Probiotics in Preventing Allergic Disease. Children (Basel). 2019;6(2):24
  6. Sestito S, D’Auria E, Baldassarre ME, et al. The Role of Prebiotics and Probiotics in Prevention of Allergic Diseases in Infants. Front Pediatr. 2020;8:583946
  7. Suaini NHA, Siah KTH, Tham EH. Role of the gut-skin axis in IgE-mediated food allergy and atopic diseases. Curr Opin Gastroenterol. 2021;37(6):557-564
  8. Kim HJ, Kim HY, Lee SY, Seo JH, Lee E, Hong SJ. Clinical efficacy and mechanism of probiotics in allergic diseases. Korean J Pediatr. 2013;56(9):369-376
  9. Capurso L. Thirty Years of Lactobacillus rhamnosus GG: A Review. J Clin Gastroenterol. 2019;53 Suppl 1:S1-S41
  10. Tang RB, Chang JK, Chen HL. Can probiotics be used to treat allergic diseases?. J Chin Med Assoc. 2015;78(3):154-157
  11. Toh ZQ, Anzela A, Tang ML, Licciardi PV. Probiotic therapy as a novel approach for allergic disease. Front Pharmacol. 2012;3:171
  12. de Azevedo MS, Innocentin S, Dorella FA, et al. Immunotherapy of allergic diseases using probiotics or recombinant probiotics. J Appl Microbiol. 2013;115(2):319-333
  13. Eslami M, Bahar A, Keikha M, Karbalaei M, Kobyliak NM, Yousefi B. Probiotics function and modulation of the immune system in allergic diseases. Allergol Immunopathol (Madr). 2020;48(6):771-788
  14. Licciardi PV, Ismail IH, Balloch A, et al. Maternal Supplementation with LGG Reduces Vaccine-Specific Immune Responses in Infants at High-Risk of Developing Allergic Disease. Front Immunol. 2013;4:381
  15. Tan-Lim CSC, Esteban-Ipac NAR. Probiotics as treatment for food allergies among pediatric patients: a meta-analysis. World Allergy Organ J. 2018;11(1):25

Por que o LGG na diarreia aguda? [Vídeo]

A diarreia aguda tem uma duração inferior a duas semanas e que em uma maioria dos casos está associada a etiologia infecciosa, ou seja, as gastroenterites agudas.

Assista o vídeo onde abordamos o papel do probiótico LGG nessa patologia.

Autor: Dr. Guilherme Grossi Cançado.

Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, SBH, GEDIIB.

1 ano de Culturelle no Brasil!

Culturelle completa um ano no Brasil.

O probiótico mais vendido no mundo agora cultiva a saúde de milhares de brasileiros. Por isso, hoje queremos agradecer a todos pelo nosso primeiro ano juntos! E que essa data se repita por muitos e muitos anos com muita saúde é claro.

Cultive seu melhor com Culturelle.

Probióticos Como Adjuvantes na Aquisição da Tolerância à APLV

Roberta Esteves Vieira de Castro, MD, MSc, PhD

O que é APLV?

APLV é a sigla para “alergia à proteína do leite de vaca” e pode ser considerada como um termo genérico para diferentes condições clínicas com sintomas, fisiopatologia e tratamento distintos1 iniciados após a introdução de leite de vaca na dieta2. Consiste em uma reação adversa a uma ou mais proteínas do leite de vaca, geralmente caseínas ou β-lactoglobulina do soro de leite, mediada por um ou mais mecanismos imunológicos3.

Em geral, a APLV se manifesta como uma variedade de manifestações clínicas que comumente se desenvolvem em bebês e podem regredir por volta dos 6 anos de idade4. É uma das alergias alimentares mais comuns na infância, com uma prevalência de 2–3% (dependendo da localização geográfica)5 e que vem crescendo globalmente ao longo dos últimos anos6. No Brasil, há poucos dados epidemiológicos. Em um estudo realizado em 2010 e que incluiu 9.478 pacientes avaliados por 30 gastroenterologistas pediátricos nas cinco regiões do país em um período de 40 dias, foi descrita uma prevalência de APLV suspeita em 5,4% da população estudada (513/9,478) sendo que a incidência encontrada foi de 2,2% (211/9,478)3,7.

A APLV é classificada em três tipos: mediada por imunoglobulina E (IgE), não mediada por IgE ou mista (mediada e não mediada por IgE). Na APLV mediada por IgE, ocorre por uma resposta imunomediada exacerbada a uma ou mais proteínas do leite de vaca. A exposição subsequente à (s) proteína (s) induz a reticulação de anticorpos IgE e a liberação de histaminas e outros mediadores imunológicos de mastócitos, que podem dar origem a quadros imediatos de urticária e angioedema. Essas reações mediadas por IgE são caracterizadas por manifestações alérgicas que ocorrem em uma a duas horas após a ingestão do alérgeno. Os sintomas não-IgE se manifestam dentro de horas a dias. Como as manifestações clínicas da APLV não mediada por IgE são uma reminiscência de outras manifestações alérgicas e não alérgicas na infância, diagnósticos tardios e errôneos são comuns. Nesse caso, o diagnóstico é baseado na história clínica, sintomas e exame físico, e confirmado pela remoção e reintrodução de leite de vaca na dieta1,2. A APLV se mantém, mais provavelmente, em doença mediada por IgE e quando existe uma sensibilização intensa, com níveis mais altos de IgE ou reações aos testes cutâneos fortemente positivas, inúmeras sensibilizações alimentares e alergia respiratória simultânea, como rinite e asma6

É importante destacar que a APLV deve ser diferenciada da intolerância ao leite, situação em que um mecanismo não imunológico está envolvido. Exemplos incluem a intolerância à lactose e a aversão ao leite ou intolerância psicológica. A intolerância à lactose não envolve o sistema imunológico, mas a deficiência de uma enzima para digerir a lactose. Assim, o diagnóstico de intolerância à lactose não envolve quaisquer parâmetros imunológicos, enquanto a doença relacionada ao sistema imunológico envolve marcadores imunológicos relevantes1

As manifestações alérgicas de APLV incluem urticária, angioedema, dor abdominal, vômitos, cólica, diarreia, sangue e/ou muco nas fezes, constipação intestinal ou congestão nasal. Algumas crianças apresentam dermatite atópica (DA) que não melhora com o tratamento, sendo que o eczema de início precoce resistente ao tratamento também pode ser uma apresentação de APLV, assim como a anafilaxia2.

A APLV se resolve de forma espontânea na maioria dos pacientes pediátricos. Entretanto, a indução da tolerância oral pode ser uma alternativa terapêutica em casos de alergia persistente, principalmente quando existe risco de ingestão acidental com reações graves subsequentes6. Dessa forma, a APLV pode ser uma imensa fonte de estresse parental e familiar devido a uma dieta com restrição de leite e pode levar a uma deficiência nutricional subsequente se não for tratada adequadamente4.

O que são probióticos e quais seus efeitos no tratamento de alergias?

Probióticos são definidos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro8. Os probióticos modulam a estrutura e função da microbiota intestinal e interagem com os enterócitos através da diminuição da permeabilidade intestinal, aumentando a espessura do muco, estimulando a imunoglobulina A (IgA) secretora e produzindo defensina. Ademais, podem modular a resposta da citocina por células imunes e ajudar na prevenção de alergias9,10

Os probióticos foram implicados com sucesso na prevenção de algumas alergias, incluindo a prevenção da DA. A terapia probiótica também tem demonstrado desfechos positivos no tratamento da rinite e da DA, reduzindo a gravidade dos sintomas. Diferentes cepas de Lactobacillus spp. são conhecidas por desempenhar um papel importante na mediação da resposta imune devido ao aparecimento de estruturas supressoras de DNA específicas envolvidas na estimulação da imunidade10. Por exemplo, um recente estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo que incluiu bebês com até dois anos de idade com DA e APLV concluiu que a administração de uma preparação probiótica contendo uma mistura de cepas de Lactobacillus rhamnosus ŁOCK 0900, Lactobacillus rhamnosus ŁOCK 0908 e Lactobacillus casei ŁOCK 0918 é segura e induz efeitos benéficos, especialmente em pacientes sensibilizados com alérgenos. Nesse estudo, a suplementação da dieta dos bebês com a preparação probiótica por três meses resultou em uma melhora significativa na gravidade dos sintomas de DA avaliada com o uso do índice SCORAD11

Em relação ao tratamento de alergias alimentares, os resultados são contraditórios e dependem do tipo específico de cepa probiótica e da duração do tratamento10

Probióticos no tratamento da APLV

Em 2018, no último Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) descrevem que há poucas evidências que suportem o uso de probióticos na prevenção ou no tratamento da alergia alimentar. Uma revisão sistemática realizada em 2019 demonstrou que as evidências atuais sobre os efeitos dos probióticos no manejo da APLV são limitadas e de baixa qualidade3,6,12,13

Entretanto, há estudos que apontam que a microbiota intestinal de bebês e crianças com APLV pode apresentar desequilíbrios9. Em crianças com sensibilização alimentar, o aumento da relação Enterobacteriaceae / Bacteroidaceae e uma diminuição da abundância de Ruminococcaceae foram descritos na literatura, sugerindo que a disbiose intestinal precoce contribui para o desenvolvimento subsequente de alergia alimentar. Com base nessa premissa, os probióticos têm ganhado grande atenção nos últimos anos como uma opção preventiva e terapêutica para essa condição, atuando como moduladores imunológicos que estimulam respostas mediadas por linfócitos T-helper 1 (Th1). As bactérias mais comumente usadas como probióticos pertencem às espécies Lactobacillus e Bifidobacterium. O  momento e a duração do tratamento com probióticos, as cepas probióticas ideais e os fatores que podem alterar sua ação na microbiota intestinal ainda não estão esclarecidos. Antes de propor cepas probióticas específicas para uso clínico, seria necessário explorar a capacidade dessas cepas de atingir o lúmen intestinal e modificar a microbiota intestinal do hospedeiro. Esse é um dos motivos pelos quais recomendações unívocas sobre probióticos ainda não foram elaboradas para a alergia alimentar, como a APLV14

Lactobacillus rhamnosus GG no tratamento da APLV em bebês

O pesquisador Roberto Berni Canani e sua equipe de Nápoles e Trieste, na Itália, têm demonstrado, em estudos clínicos, que bebês com APLV alimentados com fórmula contendo caseína extensivamente hidrolisada (FCEH) suplementada com a espécie bacteriana probiótica Lactobacillus rhamnosus GG (LGG), desenvolvem tolerância em taxas mais altas do que aqueles tratados com fórmula não probiótica. Inclusive, em estudo controlado randomizado que foi realizado em uma população bem característica de crianças com APLV mediada por IgE, os pesquisadores mostraram que o uso de FCEH associada a LGG é superior a FCEH isolada para a prevenção de manifestações alérgicas durante um período de 36 meses15.

Em estudos recentes, o LGG demonstrou ter potencial para afetar reações imunológicas e prevenir e tratar a inflamação alérgica. O LGG  coloniza o sistema intestinal e pode ser isolado nas fezes e seu efeito profilático e terapêutico do LGG foi demonstrado em bebês com doenças atópicas, especialmente a DA suscetível à APLV. Atualmente, o LGG tem sido usado em investigações clínicas em bebês prematuros e a termo nas doses entre 108 e 1010 unidades formadoras de colônias [UFC]16.

Referências

  1. Zepeda-Ortega B, Goh A, Xepapadaki P, Sprikkelman A, Nicolaou N, Hernandez REH, Latiff AHA, Yat MT, Diab M, Hussaini BA, Setiabudiawan B, Kudla U, van Neerven RJJ, Muhardi L, Warner JO. Strategies and Future Opportunities for the Prevention, Diagnosis, and Management of Cow Milk Allergy. Front Immunol. 2021 Jun 10;12:608372
  2. Martins R, Connolly MP, Minshall E. Cost-effectiveness Analysis of Hypoallergenic Milk Formulas for the Management of Cow’s Milk Protein Allergy in the United Kingdom. J Health Econ Outcomes Res. 2021 Aug 6;8(2):14-25
  3. Castro, REV (2019). Probióticos para alergia à proteína do leite de vaca: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados. [publicação online]; 2019 [acesso em 08 de outubro de 2021]. Disponível em: https://pebmed.com.br/probioticos-para-alergia-a-proteina-do-leite-de-vaca-revisao-sistematica-de-ensaios-clinicos-randomizados/ 
  4. Edwards CW, Younus MA. Cow Milk Allergy. 2021 Jun 29. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan–. PMID: 31194400
  5. D’Auria E, Salvatore S, Acunzo M, Peroni D, Pendezza E, Di Profio E, Fiore G, Zuccotti GV, Verduci E. Hydrolysed Formulas in the Management of Cow’s Milk Allergy: New Insights, Pitfalls and Tips. Nutrients. 2021 Aug 12;13(8):2762
  6. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 2 – Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):39-82
  7. Vieira MC, Morais MB, Spolidoro JV, Toporovski MS, Cardoso AL, Araujo GT, Nudelman V, Fonseca MC. A survey on clinical presentation and nutritional status of infants with suspected cow’ milk allergy. BMC Pediatr. 2010 Apr 23;10:25
  8. Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR, Merenstein DJ, Pot B, Morelli L, Canani RB, Flint HJ, Salminen S, Calder PC, Sanders ME. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014 Aug;11(8):506-14
  9. Yang Y, Li X, Yang Y, Shoaie S, Zhang C, Ji B, Wei Y. Advances in the Relationships Between Cow’s Milk Protein Allergy and Gut Microbiota in Infants. Front Microbiol. 2021 Aug 16;12:716667
  10. Balta I, Butucel E, Mohylyuk V, Criste A, Dezmirean DS, Stef L, Pet I, Corcionivoschi N. Novel Insights into the Role of Probiotics in Respiratory Infections, Allergies, Cancer, and Neurological Abnormalities. Diseases. 2021 Sep 2;9(3):60
  11. Cukrowska B, Ceregra A, Maciorkowska E, Surowska B, Zegadło-Mylik MA, Konopka E, Trojanowska I, Zakrzewska M, Bierła JB, Zakrzewski M, Kanarek E, Motyl I. The Effectiveness of Probiotic Lactobacillus rhamnosus and Lactobacillus casei Strains in Children with Atopic Dermatitis and Cow’s Milk Protein Allergy: A Multicenter, Randomized, Double Blind, Placebo Controlled Study. Nutrients. 2021 Apr 1;13(4):1169
  12. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38
  13. Qamer S, Deshmukh M, Patole S. Probiotics for cow’s milk protein allergy: a systematic review of randomized controlled trials. Eur J Pediatr. 2019 Aug;178(8):1139-1149
  14. Mennini M, Reddel S, Del Chierico F, Gardini S, Quagliariello A, Vernocchi P, Valluzzi RL, Fierro V, Riccardi C, Napolitano T, Fiocchi AG, Putignani L. Gut Microbiota Profile in Children with IgE-Mediated Cow’s Milk Allergy and Cow’s Milk Sensitization and Probiotic Intestinal Persistence Evaluation. Int J Mol Sci. 2021 Feb 6;22(4):1649. doi: 10.3390/ijms22041649
  15. Berni Canani R, Di Costanzo M, Bedogni G, Amoroso A, Cosenza L, Di Scala C, Granata V, Nocerino R. Extensively hydrolyzed casein formula containing Lactobacillus rhamnosus GG reduces the occurrence of other allergic manifestations in children with cow’s milk allergy: 3-year randomized controlled trial. J Allergy Clin Immunol. 2017 Jun;139(6):1906-1913.e4
  16. Basturk A, Isik İ, Atalay A, Yılmaz A. Investigation of the Efficacy of Lactobacillus rhamnosus GG in Infants With Cow’s Milk Protein Allergy: a Randomised Double-Blind Placebo-Controlled Trial. Probiotics Antimicrob Proteins. 2020 Mar;12(1):138-143

Relação da disbiose e autismo [podcast]

Neste episódio, produzido pela Cellera Farma em parceria com a PEBMED, Dolores Henriques e Paula Hartmann conversam sobre o que há na literatura sobre a relação entre sintomas clínicos nos pacientes com TEA e a disbiose.