Uso de probióticos na TDAH
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento comum caracterizado por desatenção, impulsividade e hiperatividade. A etiologia do transtorno é multifatorial, com foco principal em fatores genéticos. No entanto, pesquisas recentes mostram o envolvimento de mudanças e desequilíbrios na microbiota intestinal com TDAH. As evidências da influência da microbiota intestinal no desenvolvimento do cérebro e na neurogênese são claras.1
Uma comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro (eixo intestino-cérebro) é reconhecida como fator de modulação imunológica do organismo, com a microbiota intestinal vista como um regulador chave dessa conversa cruzada. Atualmente, um conjunto de evidências pré-clínicas e, em menor extensão, epidemiológicas apoia a noção de que as interações hospedeiro-microrganismo desempenham um papel fundamental no desenvolvimento e na função do sistema nervoso central (cérebro) e na etiologia dos distúrbios do neurodesenvolvimento.1,2
Eventos no desenvolvimento do organismo e mudanças nos estilos de vida tradicionais são conhecidos por impactar a composição e função da microbiota intestinal e, portanto, podem aumentar o risco de acometimento por distúrbios do neurodesenvolvimento. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é hoje o diagnóstico do neurodesenvolvimento mais prevalente.2
Apesar de muitos anos de pesquisa, a etiologia do TDAH não é clara e seu diagnóstico e tratamento ainda são desafiadores. Diferentes fatores relatados como associados ao risco de desenvolver TDAH e/ou vinculados a diferentes manifestações deste distúrbio também foram associados a mudanças na composição da microbiota intestinal, sugerindo uma ligação entre a microbiota e o transtorno. Evidências de estudos preliminares em humanos também sugerem que os componentes da dieta que modulam a microbiota intestinal podem influenciar o desenvolvimento ou os sintomas do TDAH, embora mais estudos sejam necessários para confirmar essa hipótese.2
A identificação de biomarcadores de neurodegeneração e o desenvolvimento de novos tratamentos, como o uso de probióticos, são alguns dos benefícios potenciais que podem derivar da pesquisa sobre o eixo intestino-cérebro em doenças neurológicas. A administração dos probióticos Lactobacillus sp. e Bifidobacterium sp., por exemplo, pode melhorar a constipação em pacientes neurológicos, mas não afeta outros sintomas da doença.2,3
Apesar dos avanços recentes acerca da compreensão do eixo intestino-cérebro, são necessários mais dados para avaliar se o conhecimento adquirido até o momento pode ser útil no ambiente clínico. Considerando a influência da microbiota intestinal em vários fatores de risco modificáveis de doença cerebrovascular e sua influência nas complicações pós-AVC, em teoria muitos benefícios poderiam derivar do direcionamento à microbiota intestinal. Mais dados são necessários, contudo, para abordar a viabilidade de direcionar à microbiota intestinal o tratamento de pacientes neurológicos, a partir do uso de probióticos.3
Ensaios clínicos destacam o fato de que a suplementação com probióticos é suficiente para induzir efeitos consideráveis em pelo menos três níveis de tratamento médico, a saber: a microbiota, a neuroquímica e o comportamento, sendo necessário mais dados experimentais para conectar esses domínios de maneira causal. Uma compreensão mais profunda desses mecanismos de comunicação será crucialmente importante para o desenvolvimento de qualquer estratégia terapêutica baseada na microbiota para doenças psiquiátricas.4
Uma pesquisa clínica recente, publicada em 2020, avaliou pacientes com TDAH que receberam o probiótico Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) ou placebo, em um estudo controlado, randomizado, duplo-cego. Os pacientes que receberam LGG® tiveram melhores escores de qualidade de vida, comparado aos que receberam placebo.5
Referências
1 – Anna Kalenik, Karolina Kardaś, Anna Rahnama, Katarzyna Sirojć, Tomasz Wolańczyk. Gut microbiota and probiotic therapy in ADHD: A review of current knowledge. Prog. Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2021 Feb 6; 110: 110277.
2 – María Carmen Cenit, Isabel Campillo Nuevo, Pilar Codoñer-Franch, Timothy G. Dinan, Yolanda Sanz. Gut microbiota and attention deficit hyperactivity disorder: new perspectives for a challenging condition. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2017 Sep; 26(9): 1081-1092.
3 – Barbosa, Pedro Melo. Barbosa, Egberto Reis. The Gut Brain-Axis in Neurological Diseases. Int. J. Cardiovasc. Sci. Vol.33. Rio de Janeiro. Sept./Oct. 2020. Epub Aug 07, 2020.
4 – Luca Borrelli, Serena Aceto, Claudio Agnisola, Sofia De Paolo, Ludovico Dipineto, Roman M. Stilling, Timothy G. Dinan, John F. Cryan, Lucia F. Menna, Alessandro Fioretti. Probiotic modulation of the microbiota-gut-brain axis and behaviour in zebrafish. Scientific Reports. Nature. July, 15 2016.
5- Kumperscak HG, Gricar A, Ülen I, Micetic-Turk D. A Pilot Randomized Control Trial With the Probiotic Strain Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) in ADHD: Children and Adolescents Report Better Health-Related Quality of Life. Front Psychiatry. 2020 Mar 17;11:181.