LGG® vs. Bacillus clausii
Introdução
Probióticos são microrganismos vivos que fornecem benefícios à saúde de um organismo hospedeiro quando administrados em quantidades adequadas. Enquanto os germes patogênicos são reconhecidos pelo sistema imunológico para eliminação, os probióticos permanecem no trato gastrointestinal como convidados e, portanto, participam de diferentes aspectos funcionais.1-2
Nem todos os probióticos têm os mesmos efeitos no corpo receptor; pelo contrário, existem diferenças entre suas ações, e os benefícios relatados para um desses agentes não podem ser extrapolados para outros microrganismos.3
Sobre o Lactobacillus rhamnosus
O L. rhamnosus GG (LGG®) está entre os probióticos mais avaliados em estudos clínicos. Suas características mais marcantes estão resumidas na Figura 1.
Figura 1. Principais características do LGG®.
Entre outras características diferenciais, o LGG® é o probiótico com maior capacidade de adesão às células mucosas, facilitada pela proteína bacteriana LGG®-0186.4 Da mesma forma, está comprovado que o LGG® pode produzir biofilmes mesmo em superfícies abióticas, ao contrário de outros probióticos. Essa formação de biofilme descrita in vitro ocorre em contextos que se assemelham ao ambiente do trato digestivo, como pH gástrico reduzido, alta osmolaridade e presenças de bile, mucina e polissacarídeos indigestíveis.4
O papel de agentes como o LGG® torna-se especialmente proeminente quando o trato digestivo é considerado uma verdadeira rede dinâmica, a qual abriga inúmeros microrganismos convidados que expressam um total de cerca de 3 milhões de genes. Essa simbiose pode ser perturbada no caso da disbiose (alteração da composição da microbiota), que tem sido associada à patogênese de várias condições, incluindo doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável e úlcera péptica, entre outros processos.5
Comparação com o Bacillus clausii
O B. clausii é um agente probiótico que tem sido investigado por seus efeitos antimicrobianos, imunomoduladores e protetores no trato digestivo.5 Apesar de suas propriedades descritas como benéficas na literatura, especialistas apontam que seu mecanismo de ação ainda não é bem conhecido e que são necessários mais estudos para a compreensão de suas faculdades terapêuticas.5
Gastroenterite em crianças
Em uma revisão sistemática da literatura, o European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition Working Group conduziu uma revisão da literatura relacionada à terapia probiótica no tratamento de gastroenterite em crianças. Com base nas evidências coletadas, o grupo de pesquisa sugeriu o uso de LGG® por cinco a sete dias, em doses maiores ou iguais a 1010 unidades formadoras de colônias (UFC) por dia.
Essa sugestão foi baseada em uma metanálise de dados de cinco estudos controlados randomizados que relatou uma diminuição no tempo de hospitalização para crianças que receberam LGG®, em comparação com o grupo de controle (diferença de -1,22 dias; intervalo de confiança de 95%: -2,33 a – 0,10, com alta heterogeneidade). Em contrapartida, o mesmo grupo de estudos se manifestou contra a sugestão da administração de B. clausii (cepas O/C, SIN, N/R e T). O grupo de pesquisa observou que a indicação de B. clausii reduziu a duração da diarreia de uma forma ligeiramente diferente da do placebo.6
Atividade no sistema imunológico
Em vários modelos experimentais, foi relatado que o LGG® estimula a secreção de interleucina 6 (IL-6) e a produção de IgA no epitélio intestinal, além de inibir a formação de lipopolissacarídeos e o fator de necrose tumoral (TNF) nos macrófagos. Por outro lado, relatou-se que fatores solúveis sintetizados por LGG® aumentam a expressão de vários receptores toll-like, enquanto reduzem a ativação de marcadores de monócitos e macrófagos, incluindo a biossíntese de IL-10 e 12.4
Em relação ao B. clausii, há estudos que afirmam sobre seu possível papel na estimulação da resposta imune do tipo TH2; entretanto esses resultados contradizem aqueles estudos que indicam que esse probiótico reduz significativamente os níveis de IL-4 com aumentos de TNF e IL-12 na mucosa nasal (efeitos relacionados à resposta TH1). Consequentemente, parece necessária uma melhor caracterização das propriedades imunomoduladoras dessa cepa em coortes maiores de pacientes com patologias específicas.5
Sensibilidade aos antibióticos
A segurança dos probióticos é especialmente importante quando se considera o risco de transmissão de fatores de resistência aos antimicrobianos, como os plasmídeos e os elementos de inserção de sequência, e aos microrganismos patogênicos.
As espécies de lactobacilos como LGG® são particularmente sensíveis aos antibióticos comumente usados, como penicilina e amoxicilina. Embora o LGG® seja inerentemente resistente à vancomicina, esse probiótico não expressa os genes van, que codificam a resistência a esse antibiótico.4
O B. clausii se caracteriza por sua resistência intrínseca a penicilinas, cefalosporinas, aminoglicosídeos e macrolídeos, bem como pela resistência adquirida a tetraciclinas, cloranfenicol e rifampicina.5
Embora os eventos de disseminação hematogênica e sepse devido a probióticos sejam raros,7 o padrão de resistência pode ser de particular importância para a escolha da terapia.
Conclusões
A eficácia e a segurança do LGG®, no quadro da sua ação na mucosa intestinal e da sua interação com o sistema imunológico, tornam-no um probiótico de destaque para a abordagem de várias patologias. Certas características diferenciais são reconhecidas em relação a outros agentes, como B. clausii, basedas em estudos pré-clínicos e clínicos, bem como em revisões sistemáticas das informações disponíveis.
Referências
[1] Dale HF, R SH, Asiller OO, Lied GA. Probiotics in Irritable Bowel Syndrome: An Up-to-Date Systematic Review. Nutrients. 2019;11(9):2048. [2] Jandhyala SM, Talukdar R, Subramanyam C, Vuyyuru H, Sasikala M, Nageshwar Reddy D. Role of the normal gut microbiota. World J Gastroenterol. 2015 Aug 7;21(29):8787-803. [3] Domingo JJS. Revisión del Papel de los Probióticos en la Patología Gastrointestinal del Adulto. Gastroenterol Hepatol. 2017;40(6):417-29. [4] Capurso L. Thirty years of Lactobacillus rhamnosus GG. A review. J Clin Gastroenterol. 2019;53:S1–41. [5] Lopetuso LR, Scaldaferri F, Franceschi F, Gasbarrini A. Bacillus clausii and gut homeostasis: state of the art and future perspectives. Expert Rev Gastroenterol Hepatol. 2016;10(8):943-8. [6] Szajewska H, Guarino A, Hojsak I, Indrio F, Kolacek S, Orel R, et al. Use of Probiotics for the Management of Acute Gastroenteritis in Children: An Update. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020;71(2):261-9. [7] Joshi S, Udani S, Sen S, Kirolikar S, Shetty A. Bacillus Clausii Septicemia in a Pediatric Patient After Treatment with Probiotics. Pediatr Infect Dis J. 2019;38(9):e228-30.
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