Como o uso de probióticos pode auxiliar na prevenção de vaginose bacteriana recorrente?
A vaginose bacteriana é uma infecção vaginal que ocorre em cerca de 70% das mulheres em idade reprodutiva. A condição é causada, geralmente, por um desequilíbrio da microbiota vaginal normal, com aumento de bactérias Gram-negativas e diminuição dos Lactobacilos, os quais são responsáveis por manter o pH vaginal nos limites de normalidade. Apesar de ainda não estar completamente estabelecido na literatura, acredita-se que a maior parte das infecções começam com a bactéria Gardnerella vaginalis, a qual forma um biofilme que permite o crescimento de bactérias oportunistas na região. A vaginose bacteriana não é uma doença contagiosa, mas podem existir complicações importantes; tais como parto prematuro em gestantes, doença inflamatória pélvica e aumento de infecções sexualmente transmissíveis.
Os fatores de risco para vaginose bacteriana são:
- Múltiplos ou novos parceiros sexuais
- Relação sexual com outra mulher
- Tabagismo
- Uso de dispositivo intrauterino
- Uso regular de duchas vaginais
- Etnias não brancas
Diagnóstico: Pode ser feito a partir de critérios clínicos. Os sintomas, quando existentes, incluem: corrimento vaginal homogêneo, bolhoso, cinza ou esbranquiçado, com odor fétido que se exacerba após as relações sexuais ou menstruação. Além disso, podem ser realizados testes laboratoriais, os quais envolvem amostras da região do colo uterino e a visualização ao microscópio. Para confirmar o diagnóstico utilizam-se os critérios de Amsel, sendo que devem ser encontrados 3 dos 4 sinais (Quadro 1).
Quadro 1 — Critérios de Amsel. Devem ser encontrados 3 dos 4 sinais para diagnóstico de vaginose bacteriana.
- Corrimento vaginal cinza ou esbranquiçado, homogêneo e fluido
- Presença de “clue cells”
- pH vaginal maior do que 4,5
- Teste de Whiff positivo
Tratamento
Cerca de 30% dos casos podem se resolver espontaneamente, entretanto, o tratamento tradicional inclui antibióticos orais ou por via vaginal, como metronidazol, clindamicina ou tinidazol. Embora sejam considerados a primeira escolha de tratamento, cerca de 50% das pacientes têm recorrência dos sintomas em até 12 meses e 10 a 15% das mulheres não melhoram no primeiro ciclo de uso de antibióticos. Além disso, alguns podem levar a efeitos adversos, o que muitas vezes reduz a adesão ao tratamento. Como não se trata de uma infecção sexualmente transmissível, os parceiros não precisam ser tratados.
Probióticos
Os probióticos são descritos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e Organização Mundial da Saúde como “micro-organismos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro”. Pesquisas sobre esse tema têm sido recorrentes nos últimos anos, o que nos faz pensar acerca de seus possíveis benefícios para o tratamento de vaginose bacteriana. A literatura já demonstrou que os probióticos podem ser usados em várias condições clínicas, entre elas a candidíase vaginal.
Probióticos e vaginose bacteriana
Na literatura, ainda há poucos trabalhos sobre as formas de apresentação dos probióticos. Um estudo com 28 mulheres mostrou a aplicação de supositórios intravaginais, principalmente de Lactobacillus GG, 2 vezes ao dia durante 7 dias. Todas as pacientes referiram melhora dos sintomas de vaginite após o uso dos probióticos, além de redução do corrimento e eritema vaginais.
Alguns estudos demonstraram que probióticos, como Lactobacillus acidophilus oral e vaginal, L.rhamnosus GR-1 e L.fermentum RC-14 vaginal podem aumentar o número de Lactobacilos vaginais e auxiliar no equilíbrio da microbiota vaginal. Os Lactobacilos como probióticos têm como mecanismos de ação a habilidade de inibir a adesão e colonização de patógenos, produção de biossurfactantes e de peróxido de hidrogênio. Os biossurfactantes são responsáveis por diminuir a tensão superficial dos líquidos e, portanto, impedir a aderência de micro-organismos. Além disso, alguns Lactobacilos podem produzir peróxido de hidrogênio, o qual pode ser tóxico aos patógenos que não produzem a enzima catalase. Nesse sentido, os probióticos podem ter um papel importante não só na recorrência da doença, mas também em seu tratamento. Os probióticos podem ser usados de forma conjunta à terapia antibiótica ou após o tratamento para prevenir a recorrência da doença.
Estudo de 2017 demonstrou redução da taxa de vaginose bacteriana recorrente com administração de metronidazol 500 mg 2 vezes ao dia por 7 dias. Após completar a terapia antibiótica e ter resolução dos sintomas, as pacientes iniciaram com cápsulas vaginais de L.crispatus diariamente por 14 dias. O estudo conclui que houve recorrência em 41% (16 de 39) no grupo placebo e em 21% no grupo com uso de probiótico (p = 0,497). Em estudo publicado em 2019, probióticos por via vaginal foram usados concomitantemente ao metronidazol oral por 7 dias. Em seguida, para prevenção da vaginose bacteriana, foi feita a fase de manutenção: as pacientes tomavam 2 cápsulas de probióticos diariamente por 10 dias a cada 6 meses, iniciando no primeiro dia do ciclo menstrual. Ao fim do estudo, a taxa de recorrência da doença foi de 29.17% no grupo tratado conjuntamente com probióticos e de 58.33% no grupo placebo (p < 0,05).
Embora alguns estudos demonstrem que os probióticos possam ajudar na prevenção de vaginose bacteriana recorrente, o conhecimento sobre reações adversas, via de administração, doses e tipos de probióticos ainda não está bem estabelecido na literatura.
Conclusão
Dessa forma, concluímos que os probióticos podem reduzir episódios de vaginose bacteriana recorrente, associados ou não à terapia de primeira escolha. Com o aumento da resistência ao uso de antibióticos, é importante desenvolver alternativas para prevenção e tratamento de vaginose bacteriana e de outras doenças. Os probióticos, por sua vez, podem ajudar a restaurar a microbiota vaginal.
Autor(a): Vera Lucia Angelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica SEDIG BH desde 1995 • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512
Em conjunto com: Jordana Almeida Mesquita¹
¹Acadêmica do 6° período de Medicina na UFMG. Diretora de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Ligas Acadêmicas do Aparelho Digestivo (SOBLAD). Lattes: 4134333640641468
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