Anvisa se manifesta sobre uso da ondansetrona na gravidez

Esta semana, uma nota da Agência Espanhola de Medicamentos e Estudos Sanitários (AEMPS) teve grande repercussão no meio médico. A publicação relacionou o uso da ondansetrona na gravidez com um aumento do risco de malformações congênitas, em especial defeitos orofaciais, baseando-se em dois estudos sobre o assunto.

Devido à grande comoção, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu investigar o uso do medicamento em mulheres grávidas e divulgou um alerta para que os médicos prescrevam o mesmo com cautela, principalmente no primeiro trimestre da gestação. Além disso, recomenda que os médicos só prescrevam o medicamento para mulheres em idade fértil quando as mesmas estiverem usando métodos contraceptivos seguros.

Em nota, a Anvisa diz que ainda não está esclarecido o mecanismo pelo qual o fármaco pode interferir, mas que a segurança do uso do medicamento nestas mulheres também não está estabelecida. A agência reguladora ressalta que, dependendo dos resultados da investigação, existe a possibilidade contraindicar o uso nestes casos.

Uso da ondansetrona na gestação

Para o ginecologista e obstetra João Marcelo Coluna, professor na Universidade do Oeste Paulista, a medida é extrema, uma vez que a ondansetrona nunca foi o medicamento de primeira escolha para mulheres grávidas. “A ondansetrona não é utilizado em rotina obstétrica, é apenas um recurso quando as opções de primeira linha não funcionam, e seu uso é avaliado caso a caso. Ou seja, seu uso já é restrito, limitado”.

Ainda segundo o obstetra, a maior parte dos medicamentos precisam mesmo ser usados com restrições no primeiro trimestre, até mesmo a dipirona ou o paracetamol, por exemplo. “Alguns são realmente contraindicados, mas até os que não são dependem da avaliação e liberação do médico, principalmente no primeiro trimestre, mas também em toda a gravidez”.

Em nota, a Biolab, empresa farmacêutica que produz o fármaco, informou que a bula já traz a informação de que o medicamento só deve ser utilizado por mulheres grávidas sob recomendação médica ou odontológica, e que os profissionais sempre devem prescrever analisando caso a caso.

Estudos sobre o medicamento

A nota da AEMPS baseou-se em dois estudos recentes: um de coorte retrospectivo que analisou mais 88 mil mulheres com uso da ondansetrona no primeiro trimestre, comparando com mais de 1.700.000 que não usaram; e outro de caso-controle com mais de 864 mil casais de mães e filhos.

No primeiro estudo, os resultados apontaram três casos com defeitos orofaciais para cada 10 mil em mulheres expostas, mas sem observar malformações cardíacas. No segundo, houve um maior risco de malformações, mas não se viu risco de defeitos orofaciais.

Para João Marcelo, o maior problema em se basear nesses dois estudos é porque se contradizem. “Os estudos são respeitosos, já que tiveram uma grande base de participantes, mas é preciso analisar os detalhes, já que um fala em malformações cardíacas e o outro não, por exemplo.”.

Além disso, outros estudos não mostram malformações congênitas no uso da fármaco. “Temos muito mais estudos mostrando que não houve problemas no uso. É claro que isso não vai nos fazer utilizá-lo de forma rotineira, já que tudo o que é controverso evita-se usar. O problema é sempre o uso indiscriminado”, conclui o médico.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/anvisa-se-manifesta-sobre-uso-da-ondansetrona-na-gravidez/

Autor: Redação PEBMED

Referências bibliográficas:

Náuseas e Vômitos Pós-operatórios em adultos: como manejar?

Náuseas e Vômitos pós-operatórios (NVPO) são comuns e causam importante desconforto aos pacientes. A incidência geral de vômitos é cerca de 30%. A de náuseas, 50%, podendo checar a 80% quando olhamos para pacientes de alto risco.

Fatores de Risco

Existem fatores relacionados ao paciente, à técnica anestésica e à cirurgia que será realizada. 

Outros fatores como classificação de ASA, momento do ciclo menstrual, grau de experiência do anestesiologista, dentre outros, não possuem forte grau de associação comprovado.

Classificação de Risco

Com o intuito de simplificar a detecção e abordagem dos pacientes de risco, utiliza-se um escore simplificado, levando-se em consideração apenas 4 fatores:

1 – Sexo feminino.

2 – História prévia de NVPO.

3 – Paciente não tabagista.

4 – Utilização de opioides.

Profilaxia

O objetivo mais atual do manejo desses é tentar detectar precocemente os pacientes de alto risco e estabelecer condutas protetoras para os mesmos. 

Adaptado de Consensus for the Management of the Postoperative Nausea and Vomitin
Adaptado de Consensus for the Management of the Postoperative Nausea and Vomitin
  • A opção pela conduta expectante é controversa dentre os diferentes autores, sendo advogada por alguns que, mesmo em pacientes de baixo risco, alguma medida deveria ser adotada;
  • Se a profilaxia falhar ou não tiver sido executada, deve-se utilizar como resgate uma droga de classe diferente da utilizada previamente;
  • Readministrar a mesma droga, apenas se > 6 horas após a recuperação anestésica;
  • Dexametasona e Escopolamina não devem ser readministradas.

Adaptado de Consensus for the Management of the Postoperative Nausea and Vomitin 

Conclusão

NVPO são condições muito frequentes para serem negligenciadas ou tratadas inadequadamente. É dever de toda a equipe envolvida no cuidado pré-operatório do paciente estar atenta para os fatores de risco e o manejo adequado deles.

As consequências vão além do desconforto do paciente. NVPO estão relacionadas a maior tempo e custo de internação hospitalar, complicações de ferida operatória e anastomoses, aumento da pressão intracraniana, distúrbios hidroeletrolíticos, desidratação e até risco de broncoaspiração.

Não há uma conduta única eficaz. É necessário individualizar o paciente e traçar o melhor planejamento com medidas complementares.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/nauseas-e-vomitos-pos-operatorios-em-adultos-como-manejar/

Autora: Luciana Erthal – Residente de Anestesiologia do Instituto Nacional do Câncer (INCA)

Referências:

  • Gan TJ, Diemunsch P, Habib AS, et al. Society for Ambulatory Anesthesia. Consensus guidelines for the management of postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg. 2014 Jan;118(1):85-113. doi: 10.1213/ANE.0000000000000002. Erratum in: Anesth Analg. 2014 Mar;118(3):689. Anesth Analg. 2015 Feb;120(2):494. PubMed PMID: 24356162.
  • Cangiani LM, Carmona MJC, Tor MLA. Tratado de Anestesiologia – SAESP. 8ª ed. Atheneu; 2017. 

Distúrbios oportunistas e Tratamento

No período de verão e de recesso das atividades da rotina, no final de ano, é comum a adoção de hábitos que não vislubrem a promoção da qualidade de vida. O desbalanço alimentar é uma característica no contexto de quebra do cotidiano, acarretando consequências diretas à saúde da população. O consumo exagerado de bebidas alcoólicas e de alimentos ultraprocessados pode ser um fator desencadeador de doenças oportunistas, como a intoxicação alimentar e as diarreias infecciosas.1,2,3

A variedade cada vez maior de patógenos entéricos reconhecidos aumenta a necessidade de diretrizes clínicas com base nas melhores evidências atualmente disponíveis. A reposição e manutenção adequadas de fluidos e eletrólitos são essenciais para o gerenciamento de doenças diarreicas. Os riscos mais comuns desses distúrbios são a desidratação e, nos países em desenvolvimento, a desnutrição. Assim, o tratamento inicial crítico deve incluir a reidratação, contendo solução eletrolítica na grande maioria dos casos. A terapia de reidratação oral tem se mostrado amplamente aplicável em todo o mundo. 4

A avaliação clínica e epidemiológica completa deve definir a gravidade e o tipo de doença (por exemplo, febril, hemorrágica, persistente ou inflamatória), exposições (por exemplo, viagens, ingestão de carne crua ou mal cozida, frutos do mar ou produtos lácteos, contatos com outros doentes ou uso recente de antibióticos) e se o paciente é imunocomprometido, a fim de direcionar o desempenho de culturas diagnósticas seletivas, testes de toxinas, estudos de parasitas e eventualmente a administração de terapia antimicrobiana.4

Para a aplicação de métodos diagnósticos que identifiquem infecções entéricas com necessidade de terapia específica, as recomendações de saúde devem ser claras. Elas abordam o seguinte: reidratação oral, conforme já citado, avaliação clínica e epidemiológica, realização de estudos fecais seletivos, administração de terapia antimicrobiana seletiva, antidiarreicos contraindicados e imunizações disponíveis. Essas diretrizes continuarão a evoluir à medida que uma melhor compreensão da patogênese e do desenvolvimento e o uso de testes rápidos e baratos melhorem o diagnóstico e o tratamento de diarreicas infecciosas.4

A diarreia é uma das principais causas de morte nos países tropicais. Estudos epidemiológicos indicaram seus diferentes padrões sazonais, e o período de recesso de final de ano é apontado como a época em que os índices dessa distúrbios crescem vertiginosamente.6,7

Em um cenário de quebra das atividades da rotina, a prevenção de distúrbios infecciosos também perpassa pela educação do paciente. Muitas doenças diarreicas podem ser evitadas seguindo regras simples de higiene pessoal e preparação segura dos alimentos. A diligência no seguimento de uma dieta saudável, com consumo moderado de alimentos ultraprocessados e álcool, atua na promoção e na prevenção da saúde, com foco no fortalecimento do sistema imunológico. Reitera-se que alcoólatras e pessoas com doença hepática crônica apresentam risco aumentado de infecções.4

A mudança na dieta e no ambiente, comum nos recessos e feriados, é um claro exemplo de causa dos quadros clínicos de disbiose. A diarreia do viajante afeta de 20% a 50% dos viajantes para destinos tropicais e subtropicais. Os enteropatógenos bacterianos causam aproximadamente 80% da diarreia do viajante, cuja fonte é predominantemente comida contaminada. Nesse sentido, uma das opções de tratamento, além da reidratação e da retomada dos hábitos alimentares saudáveis, é a administração de probióticos, como forma de redução da incidência deste distúrbio.5

Os probióticos, que são microrganismos vivos que quando administrados em quantidades apropriadas oferecem benefícios à saúde, têm um papel fundamental no restabelecimento da microbiota intestinal em episódios de diarreia. 8

Entre os probióticos, o mais estudado é o Lactobacillus GG (LGG®), que conta com mais de 35 anos de pesquisa e mais de 3500 estudos publicados.9,10

O uso do LGG® tem o papel de equilibrar a flora intestinal e contribuir para a manutenção da saúde digestiva.9

É fundamental que, durante a temporada de férias, se procure garantir a melhor nutrição ao organismo, com foco na promoção e prevenção da saúde.6,7

Referências

1 – Pierre de Truchis, Anne de Truchis. Acute infectious diarrhea. Presse Medicale. 2007 Apr; 36 (4 Pt 2): 695-705.

2 – Federação Brasileira de Gastroenterologia. O Que é Má Digestão? Disponível em: http://fbg.org.br/Publicacoes/noticia/detalhe/1261./ Acesso em: 03 dez. 2020.

3 – Aparna Lal, Simon Hales, Nigel French, Michael G Baker. Seasonality in human zoonotic enteric diseases: a systematic review. PLoS One. 2012; 7(4): e31883.

4 – Richard L. Guerrant, Thomas Van Gilder, Ted S. Steiner, Nathan M. Thielman, Laurence Slutsker, Robert V. Tauxe, Thomas Hennessy, Patricia M. Griffin. Practice Guidelines for the Management of Infectious Diarrhea. Clinical Infectious Diseases, Volume 32, Issue 3, 1 February 2001, Pages 331–351.

5 – Oksanen PJ, Salminen S, Saxelin M, Hämäläinen P, Ihantola-Vormisto A, Muurasniemi-Isoviita L, et al. Prevention of travellers’ diarrhoea by Lactobacillus GG. Ann Med. 1990; 22(1): 53-6.

6 – Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf/. Acesso em: 03 dez. 2020.

7 – R. L. Guerrant, L. V. Kirchhoff, D. S. Shields, M. K. Nations, K. E. McClelland. Prospective Study of Diarrheal Illnesses in Northeastern Brazil: Patterns of Disease, Nutritional Impact, Etiologies, and Risk Factors. The Journal of Infectious Diseases, Volume 148, Issue 6, December 1983, Pages 986–997.

8- Organização Mundial da Saúde –OMS-  Food and Agriculture Organization and World Health Organization Expert Consultation – “Health and Nutrition Properties of Probiotics”. Disponível em http://www.fao.org/3/a-a0512e.pdf acesso em 14-Dez-2020)

9- Capurso L. Thirty Years of Lactobacillus rhamnosus GG. A Review. J Clin Gastroenterol 2019;53:S1–S4.

10- Pubmed disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/?term=lactobacillus+rhamnosus+gg&sort=date acesso em 14-Dez-2020 (Based on the number of Lactobacillus rhamnosus GG clinical studies, as of Dec-2020)

Hábitos alimentares e distúrbios oportunistas na criança

O período de recesso de final de ano traz um novo quadro de risco à população pediátrica, em especial após um ano atípico caracterizado pela pandemia do Sars-CoV-2. Novas medidas fazem parte da rotina de todos, inclusive crianças, como o cumprimento de protocolos sanitários de distanciamento social, o uso de máscaras e o reforço de normas de higiene pessoal. Nesse contexto, as férias escolares promovem a flexibilização desses novos comportamentos, assim como interferem nos hábitos alimentares das crianças: a quebra da rotina tende a estimular o consumo exagerado de alimentos não saudáveis.1

A Sociedade Brasileira de Pediatria ressalta que o período da vida entre a gestação e os dois anos de idade da criança (primeiros 1000 dias) é crítico para a promoção do crescimento e do desenvolvimento do indivíduo devido à acentuada velocidade de multiplicação celular. É consenso que o aleitamento materno é a base da alimentação nesse período inicial, devendo ser oferecida de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida e mantida pelo menos até o segundo ano ou mais, sempre que possível.1

A introdução dos alimentos complementares, para os lactentes, deve conter cereais ou tubérculos, proteína vegetal ou leguminosas, proteína animal, hortaliças e não conter adição de sal. Assim, a nutrição adequada na infância é fundamental para o desenvolvimento completo, com o melhor estabelecimento dos sistemas nervoso, digestivo e imunológico.1

Nesse sentido, cabe aos pais ou responsáveis estarem atentos ao cumprimento dos hábitos alimentares saudáveis por parte das crianças no período de descanso das aulas. A dieta desbalanceada prejudica a manutenção do sistema imunológico e fornece margem para o desenvolvimento de doenças oportunistas, como as infecções gastrointestinais, virais e bacterianas. As intoxicações alimentares são comuns em momentos de quebra da rotina como as festas de final de ano ou viagens, e a diarreia infecciosa aguda é o distúrbio gastroenterológico mais frequente na idade pediátrica.2,3,4

A diarreia infecciosa aguda em crianças possui índices de prevalência consideráveis tanto em países de alta como de baixa renda, ela é a principal causa de desidratação na infância. A taxa de mortalidade, contudo, é maior em países em desenvolvimento: a estimativa é de que a diarreia aguda provoque dois milhões de mortes ao ano em crianças menores de 5 anos.5

Estudos realizados em países tropicais indicam que, durante o verão, as infecções diarreicas aumentam. O distúrbio segue um aspecto de sazonalidade. Por exemplo, os resultados clínicos mostram que episódios diarreicos aumentam em até oito vezes em bebês durante o verão. Além disso, o estado nutricional das crianças foi significativamente associado à incidência de diarreia.6

Além da responsabilidade dos pais e responsáveis quanto à garantia de todos os cuidados preventivos durante o período de verão e de recesso escolar, reitera-se a necessidade e a importância de que toda criança seja acompanhada pelo pediatra de modo sistemático. Aquelas que manifestam dificuldades alimentares ou estejam sendo submetidas à dieta vegetariana ou de outros tipos restritivos, por preferências familiares, necessitam ser acompanhadas pelo pediatra de modo ainda mais frequente para sua segurança.1

Referências

1 – Sociedade Brasileira de Pediatria. Posição da Sociedade Brasileira de Pediatria diante do Guia de Alimentação do Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/ALIMENTACAO_COMPLEMENTAR_MS.pdf./ Acesso em: 03 dez. 2020.

2 – Fewtrell M; Bronsky J, Campoy C, Domello M, Embleton N, Hojsak et al. Complementary Feeding: A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. JPGN 2017; 64: 119–132.

3 – Agostini C, Domellöf M. Infant Formulae: from ESPGAN recommendations towards ESPGHAN-coordinated Global Standards. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005; 41: 580-3.

4 – Kleinman RE, Greer F. Pediatric Nutrition Handbook. 7th ed., ed. Elk Grove, Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2014.

5 – Nedeljko Radlović, Zoran Leković, Biljana Vuletić, Vladimir Radlović, Dušica Simić. Acute Diarrhea in Children. Srp Arh Celok Lek. Nov-Dec 2015; 143 (11-12): 755-62.

6 – William Checkley, Robert H Gilman, Robert E Black, Andres G Lescano, Lilia Cabrera, David N Taylor, Lawrence H Moulton. Effects of nutritional status on diarrhea in Peruvian children. J Pediatrics. 2002 Feb; 140 (2): 210-8.

Hábitos alimentares e distúrbios oportunistas no adulto

O recesso de final de ano modifica as atividades do cotidiano, rotina profissional, hábitos alimentares, entre outros. Durante o verão, a intoxicação alimentar é um problema de saúde comum e majoritariamente causado pela ingestão de água ou de alimentos contaminados por toxinas ou parasitas, como fungos, vírus e bactérias.1,2

Ao ingerir um alimento ou líquido contaminado, o paciente desenvolve inúmeros sintomas desconfortantes, que podem passar por náuseas, vômitos, febres e mal-estar, chegando em alguns casos até a desenvolver quadros mais graves, como a diarreia aguda infecciosa.1,2

A mudança na rotina está associada ao contexto de festas e viagens de final de ano e, assim, também tem relação direta com a adoção de uma dieta não composta pelas normas alimentares do dia a dia. Esta nova dieta geralmente contém alimentos processados e ultraprocessados, com grande quantidade de sal, açúcar e gorduras, além da ingestão, muitas vezes sem moderação, de bebidas alcoólicas.1,2,3

Nesse sentido, principalmente na época de recesso de final ano, é importante estar sempre atento à procedência daquilo que se ingere, evitando consumir alimentos crus, mal passados e verduras mal lavadas. Da mesma forma, é relevante que se procure manter hábitos alimentares saudáveis, com a ingestão de alimentos que garantam melhor nutrição ao organismo e, consequentemente, mais qualidade de vida.3

O desbalanço alimentar pode ser um fator prejudicial à manutenção do sistema imunológico. Nesse sentido, ele cria um ambiente propício ao acometimento de infecções comuns no período de verão. A diarreia infecciosa aguda tem várias causas: diarreia bacteriana com mecanismos invasivos ou toxigênicos, especialmente frequente em regiões quentes e em viajantes; diarreias virais, frequentes em crianças, mas também em adultos; e diarreia parasitária, menos frequente e geralmente estabelecida em áreas subtropicais. As principais preocupações envolvem o risco de complicações, essencialmente desidratação e desnutrição, sobretudo em pacientes vulneráveis, como idosos e indivíduos com imunossupressão para os quais a reidratação é urgente.4

O diagnóstico de diarreia requer avaliação clínica e histórico do paciente: análise de doenças subjacentes, gravidade dos sinais e sintomas, presença e extensão da desidratação e outros sintomas clínicos, bem como o histórico de viagens, hábitos alimentares e eventuais mudanças na rotina.4

As viagens no recesso de final de ano implicam a adaptação do indivíduo a um novo contexto, destacando as variações regionais. Essas mudanças abrangem as complexas interações ambiente-patógeno-hospedeiro, para os casos de doenças adquiridas a partir deste cenário.

Ensaios clínicos indicam que as influências ambientais e a dinâmica da população hospedeira, junto com a variabilidade climática, podem ter consequências diretas e indiretas importantes para o risco de infecção por doenças entéricas. A sazonalidade é uma característica definidora de muitas doenças infecciosas.4

Revisões sistemáticas de estudos anteriores exploraram os padrões globais de variação sazonal em doenças gastrointestinais. Ainda que muitos dados e informações já indiquem um padrão conforme a sazonalidade e hábitos de cada local, futuros estudos experimentais e observacionais devem considerar como os fatores ambientais (infecção, calor, poluição do ar etc.) ou outros gatilhos (hábitos alimentares, consumo de álcool, mudanças na rotina) promovem ou impedem tais doenças.5

Referências

1 – Pierre de Truchis, Anne de Truchis. Acute infectious diarrhea. Presse Medicale. 2007 Apr; 36 (4 Pt 2): 695-705.

2 – Federação Brasileira de Gastroenterologia. O Que é Má Digestão? Disponível em: http://fbg.org.br/Publicacoes/noticia/detalhe/1261./ Acesso em: 03 dez. 2020.

3 – Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf/. Acesso em: 03 dez. 2020.

4 – Aparna Lal, Simon Hales, Nigel French, Michael G Baker. Seasonality in human zoonotic enteric diseases: a systematic review. PLoS One. 2012; 7(4): e31883.

5 – A Fares. Global patterns of seasonal variation in gastrointestinal diseases. J Postgrad Medicine. Jul-Sep 2013; 59 (3): 203-7.

Ondansetrona na gestação: o uso é seguro?

O uso da internet traz rapidez, aproximação, facilidades, universalidade e praticidade na vida médica. Entretanto é um “universo novo”, onde qualquer um pode publicar qualquer opinião sobre qualquer assunto.

Somos inundados de informações novas a cada minuto, advindas dos mais diferentes setores. E nessa última semana, muitos colegas da obstetrícia receberam um comunicado sobre o aumento de risco fetal com uso de ondansetrona.

Essa droga, muito utilizada para vômitos incoercíveis em várias especialidades, também é comumente usada em obstetrícia em algumas fases da gestação para coibir vômitos que não melhoram com mudanças de hábitos alimentares ou outras medicações.

Em uma revisão da International Society of Pharmacovigilance (ISOP) considerou que o resultado de dois estudos recentes indicaram aumento do risco de malformações, em especial defeitos orofaciais. Esses estudos são:

  • Huybrechts et al: estudo de coorte retrospectivo de 88.467 mulheres expostas a ondansetrona no primeiro trimestre em comparação com 1.727.947 mulheres não expostas. Três casos para cada 10 mil foram identificados para mulheres expostas. Não foram observados casos de malformações cardíacas;
  • Zambelli et al: estudo retrospectivo caso-controle, realizado em 864.083 casais formados por mães e filhos, onde 76.330 receberam ondansetrona no primeiro trimestre. O risco de malformações cardíacas, principalmente septais, foi maior no grupo que recebeu ondansetrona no primeiro trimestre. Não se observou aumento de risco de defeitos orofaciais.

A partir daí temos, por outro lado, mais publicações que advogam o uso em situações que outras medicações tem falhado, como um recurso terapêutico:

  • Recomendações da UK Teratology Information Service e European Network of Teratology Information Services
  • Recomendações da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO);
  • Guia com informações sobre a classificação de risco e uso de medicamentos na gestação e lactação – Unicamp
  • Revisão sistemática sobre o risco de malformações a partir do uso de ondansetrona, pela revista Reproductive Toxicologist, concluindo que não estavam ligados;
  • Estudo publicado no site do Centers for Disease Control and Prevention mostrando que o uso do medicamento não aumenta risco fetal;
  • Estudo sobre a segurança da ondansetrona, publicado pela An International Journal of Obstetrics & Gynaecology (BJOG);
  • Intervenções para tratar náuseas e vômitos intensos durante a gravidez pelo Cochrane.

Com esse suporte na literatura acredito que o bom senso deva permanecer. Evitar drogas no primeiro trimestre sempre que possível é o ideal, mas a ondansetrona se mostra um recurso seguro para as exceções. Além dessas publicações, é importante lembrar que, no Brasil, temos o respaldo da FEBRASGO, que garante ser seguro seu uso.

Portanto, devemos sempre filtrar nossas origens das informações e pesar o risco x benefício para nossas pacientes.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/uso-de-ondasentrona-na-gestacao-mais-uma-controversia-digital/

Autor: João Marcelo Coluna – Médico Ginecologista e Obstetra pela Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Fisiopatologia pela Unoeste.

Referências bibliográficas:

Veja orientações da diretriz para manejo de náuseas e vômitos em crianças

Náuseas e vômitos são uma das mais corriqueiras queixas nos consultórios pediátricos, sendo também um sintoma comum entra as mais diversas patologias, tornando o conhecimento sobre o manejo fundamental para a boa prática pediátrica.

Antes de entrarmos no manejo deste sintoma, devemos recordar alguns conceitos fundamentais para o entendimento da abordagem a ser seguida.

Náuseas

Ocorre quando temos a perda do tônus gástrico, contração duodenal e refluxo do conteúdo duodenal para o estomago, levando assim a sensação subjetiva associada ao desejo de vomitar

Vômito ou êmese

É quando ocorre expulsão do conteúdo gástrico, contração dos músculos abdominais , rebaixamento do diafragma e abertura da cárdia.

Regurgitação

É considerada a expulsão de conteúdo gástrico de forma involuntária e sem esforço.

Refluxo gastroesofágico

É o retorno de conteúdo gástrico para o esôfago, podendo chegar a diferentes áreas das vias aéreas superiores. Cabe ressaltar que na maioria dos casos o RGE é um processo fisiológico, o que difere da doença do refluxo gastroesofágico.

Identificação do quadro

Considerando o grande número de patologias que cursam com vômitos, é fundamental que a anamnese e o exame físico sejam feitos de forma minuciosa considerando fatores como idade do paciente, história médica, tipo de evolução do quadro (agudo ou crônico), número de episódios, capacidade de ingestão de líquidos, hidratação do paciente, características do vômito, presença de sangue, sintomas associados, entre outros.

Cabe também ao pediatra estar atento aos sinais de alerta como hematêmese, vômitos biliosos, vômitos em jato, meningismo, letargia, febre persistente, fontanela hipertensa, hepatoesplenomegalia e distensão abdominal importante. Outro fator importante na avaliação de uma criança com vômitos é a avaliação da hidratação e estado nutricional, além de ajudar no diagnóstico esses dois fatores também são indicativos da gravidade do paciente.

A gastroenterite aguda é a principal causa de vômitos na população pediátrica, porém nunca devemos esquecer que doenças graves como meningite também podem cursar com quadro de vômitos, cabendo ao profissional de saúde diferenciar as duas patologias.

Quanto ao tratamento, consiste primordialmente em tratar a doença causadora dos vômitos, seguido por medidas não farmacológicas com higiene oral adequada, evitar odores fortes, tratar a desidratação, redução das porções alimentares e dar preferencia por alimentos frios, entre outros.

Mesmo com as medidas acima, pode ser necessário o uso de antieméticos, como os antihistamínicos, anticolinérgicos, antagonistas dopaminérgicos, antagonistas serotoninérgicos e fenotiazídicos.

Gastroenterite aguda

A gastroenterite aguda (GEA) é a principal causa de vômitos em pacientes pediátricos e também o principal motivo da insucesso da terapia de reidratação oral, por isso o sintoma deve ser prontamente resolvido. Nos casos de falha da terapia de reidratação oral, a reidratação venosa e reposição de eletrólitos deve ser iniciada rapidamente.

Devemos salientar que o uso de antieméticos anti-histamínicos do tipo 1 e dos antagonistas do receptor de dopamina do tipo 2 (metoclopramida e domperidona) não têm evidências científicas para o uso em pediatria.

Por outro lado, o uso da ondansentrona é o mais recomentados por estudos para o tratamento e prevenção de vômitos nos pacientes em quimioterapia ou no período pós-operatório, e na última diretriz da Sociedade Europeia de Gastroenterologia e da SBP a ondansentrona também foi a medicação mais recomendada para o controle dos vômitos na GEA.

Portanto, devemos sempre lembrar que apesar de ser um sintoma comum a diversas patologias pediátricas, a náusea e os vômitos podem constituir um sinal inicial de uma doença potencialmente grave, que necessita de intervenção imediata pela equipe médica.

Fonte: PEBMED: https://pebmed.com.br/veja-orientacoes-da-diretriz-para-manejo-de-nausea-e-vomitos-em-criancas/

Autora: Carolina Monteiro – Pediatra pelo Hospital Municipal Salgado Filho e Neonatologista pelo Hospital Federal de Bonsucesso.

Principais Problemas Decorrentes do Desequilíbrio da Microbiota Intestinal na saúde do adulto

Importância da Microbiota Intestinal

A microbiota intestinal constitui a maior comunidade de microrganismos associada ao corpo humano, com um papel preponderante na homeostasia do organismo, e cuja modificação, pela redução da diversidade e/ou pela alteração da proporção de elementos específicos, parece estar associada a várias patologias.1

Um importante papel da microbiota intestinal relacionado com a manutenção do hospedeiro é a sua contribuição para o desenvolvimento de um sistema imune mais robusto e equipado com um leque de células e moléculas, que permitem maior capacidade para combater patógenos microbianos. Vários dados têm confirmado que a microbiota intestinal está envolvida em uma interação dinâmica com o sistema imune – inato e adaptativo – que afeta diferentes aspectos do seu desenvolvimento e função.2

Fatores que alteram a composição da microbiota intestinal

Existem vários fatores que influenciam a composição da microbiota intestinal. O desequilíbrio desta composição é chamado de disbiose. Dentre eles, podem-se indicar: a diarreia, que pode ser tanto causa como consequência da alteração da microbiota; o uso de antibióticos; a dieta alimentar inadequada; o consumo de bebidas alcoólicas; o fumo; o uso de agrotóxicos e metais pesados na agricultura que acabam contaminando alimentos e água que se bebe; o estresse pelo trabalho e algumas doenças crônicas, a saber: diabetes e doenças inflamatórias intestinais.3

É fundamental entender que, se houver uma supressão da microbiota normal, cria-se um local parcialmente vazio que tende a ser preenchido por microrganismos provenientes do ambiente ou de outras partes do corpo. Estes microrganismos comportam-se como oportunistas e podem tornar-se patógenos.4

Exemplos de intercorrências resultantes da disbiose

A presença da microbiota intestinal é importante quanto à resistência ou à suscetibilidade a uma série de doenças inflamatórias, dentre elas, a doença inflamatória intestinal. Da mesma forma, o balanço da microbiota pode estar relacionado a uma gama de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes tipo II. Doenças cardíacas, neurológicas e dermatológicas – como a dermatite atópica – também podem apresentar relação com o balanço da microbiota do trato gastrointestinal. O estresse oxidativo, a indução de bacteriófagos e a secreção de toxinas bacterianas podem desencadear mudanças rápidas entre os grupos microbianos intestinais, resultando em disbiose.8

A diarreia infecciosa é a intercorrência mais usual em questões de desordens gastrointestinais. As espondiloartrites, por exemplo, representam um conjunto de doenças inflamatórias crônicas em que a ação de fatores ambientais – incluindo a microbiota – em indivíduos com determinada suscetibilidade genética será determinante para o seu desencadeamento e progressão ao longo do tempo.1,5,6,7

Especificamente sobre as diarreias, elas podem estar associadas a diversos fatores do ambiente, podem ser adquiridas a partir da ingestão de alimentos ou água contaminados com enteropatógenos bacterianos, por exemplo, causando a disbiose. A diarreia do viajante, cuja fonte é predominantemente comida contaminada, caracteriza-se por ser costumeiramente diagnosticada em pessoas que viajam para locais com tratamento de água deficiente. Ela afeta 20% a 50% dos viajantes que se deslocam para destinos tropicais e subtropicais. Náusea, vômito, cólica abdominal podem ocorrer com diferentes graus de severidade. As diarreias associadas a antibióticos, por sua vez, são relativas ao uso demasiado de medicamentos antibióticos, o que altera a composição microbiana do trato gastrointestinal. Uma complicação mais grave das diarreias associadas a antibióticos é a colite pseudomembranosa. 11, 12, 13

As doenças autoimunes têm sido foco no que se refere aos esforços, por parte da comunidade científica, para esclarecer o papel da microbiota no desenvolvimento dessas enfermidades. Estudos descrevem as perturbações da microbiota intestinal em modelos animais de doenças autoimunes, como diabetes tipo 1, esclerose múltipla, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. 9, 10

Recentemente, o aparecimento de diabetes tipo 1 aumentou rapidamente e se tornou um grande problema de saúde pública em todo o mundo. Vários fatores estão associados ao desenvolvimento de diabetes tipo 1, como dieta, genoma e microbiota intestinal. Evidências mostram que a composição bacteriana intestinal alterada (disbiose) está altamente associada à patogênese da disfunção da insulina, hormônio responsável pela captação de glicose do sangue para as células, e diabetes tipo 1. 9, 10

Bibliografia

  1. MOTA, Inês Barreiros; FARIA, Ana; PIMENTEL-SANTOS, Fernando M.; CALHAU, Conceição. Microbiota intestinal e espondiloartrites: o papel da dieta na terapêutica.
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  3. CHISSOCA, Antônio Ribeiro Chissululo. Influência da microbiota intestinal nas propriedades imunológicas de uma vacina recombinante. Antônio Ribeiro Chissululo Chissoca; orientador, Prof. Dr. Oscar Bruna Romero – Florianópolis, SC, 2016. 105 p.
  4. GIBSON, G. R.; ROBERFROID, M. B. Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concepts of prebiotics. Journal Nutrition, Bethesda, v. 125, n. 6, p. 1401-1412, 1995.
  5. DIBAISE, J.K. et al. Gut Microbiota and Its Possible Relationship with Obesity. Mayo Clin Proc, v. 83, n.4, p.460-469, 2012.
  6. ZHANG, Husen et al. Probiotics and virulent human rotavirus modulate the transplanted human gut microbiota in gnotobiotic pigs. Gut Pathog, v. 6, n. 1, p.1-7, set. 2014.
  7. DE VRESE, P.R.; MARTEAU. Probiotics and prebiotics: effects on diarrhea, J. Nutritional. v. 137, n.3, p. 8035 – 8115, 2007.
  8. WEISS, G Adrienne; HENNET, Thierry. Mechanisms and consequences of intestinal dysbiosis. 2017 Aug; 74(16): 2959-2977.
  9. OLIVEIRA, Gislane Lelis Vilela de; LEITE, Aline Zazeri; HIGUCHI,Bruna Stevanato; GONZAGA, Marina Ignácio; MARIANO, Vânia Sammartino. Disbiose intestinal e aplicações de probióticos em doenças autoimunes. Setembro de 2017; 152 (1): 1-12.
  10. Hui HanYuying Li; Jun Fang; Gang Liu; Jie Yin; Tiejun Li; Yulong Yin. Microbiota intestinal e diabetes tipo 1. 27 de março de 2018; 19 (4): 995.
  11. Oksanen PJ, Salminen S, Saxelin M, Hämäläinen P, Ihantola-Vormisto A, Muurasniemi-Isoviita L, et al. Prevention of travellers’ diarrhoea by Lactobacillus GG. Ann Med. 1990; 22 (1): 53-6.
  12. Hilton E, Kolakowski P, Singer C, Smith M. Efficacy of lactobacillus GG as a diarrheal preventive in travelers. J Travel Med. 1997; 4(1): 41-43.
  13. Guarner F, Khan AG, Garisch J, Eliakim R, Gangl A, Thomson A, et al. World Gastroenterology Organisation Global Guidelines: probiotics and prebiotics October 2011. J Clin Gastroenterol. 2012; 46 (6): 468-81.

Principais Problemas Decorrentes do Desequilíbrio da Microbiota Intestinal na saúde da criança

A microbiota, sua formação, variações e alterações

A microbiota humana é o conjunto de microrganismos que habitam as superfícies externas e internas do nosso corpo, tais como pele, mucosa oral e respiratória, ou o trato gastrointestinal (TGI) e geniturinário (TGU). Este conjunto de microrganismos é adquirido pelos recém-nascidos inicialmente no momento do parto. Entre os 18 e 24 meses se torna já semelhante à microbiota de um adulto. Uma das principais funções dessa microbiota é a estimulação do sistema imune, tornando-o apto a desenvolver suas funções de homeostase e defesa, através do amplo leque de células e moléculas que o compõe.1

Existem evidências de que variações na microbiota intestinal podem causar alterações no sistema imunológico, podendo constituir um ambiente que modula de forma negativa ou positiva a indução de uma resposta imune eficaz. O desequilíbrio da microbiota (disbiose) pode provocar não só dano tecidual, mas também anergia imune (a anergia é a inativação funcional das células linfocitárias do tipo T), inflamação intestinal crônica que, caso persistam, podem comprometer a resposta do hospedeiro aos antígenos.1

Microbiota materna e neonatal

A colonização inicial da microbiota humana se inicia ainda no período pré-natal, intraútero. Estudos recentes indicam a presença de microrganismos no líquido amniótico, membranas fetais, cordão umbilical, placenta e mecônio. Mas a sua consolidação se faz principalmente durante o nascimento, sobretudo através do parto normal, pela passagem do feto no canal vaginal e, também, por sua proximidade com as porções finais do sistema digestório materno.2,3,4,5.

De maneira geral, o impacto da saúde materna na microbiota neonatal ao nascimento ainda é um campo aberto para estudos. Segundo pesquisas, existe uma possível relação entre a disbiose da microbiota materna e neonatal com o diagnóstico de diabetes mellitus gestacional (DMG).  Estima-se que essa associação traga riscos potenciais de mudança microbiana para os neonatos.2

A diabetes mellitus gestacional (DMG) pode alterar a microbiota de mulheres grávidas e neonatos ao nascimento, o que claramente indica sobre outra forma de herança e destaca a importância de compreender a formação da microbiota no início da vida.2

Disbiose e impactos na saúde infantil

Em crianças, a regulação e o balanço da microbiota intestinal têm impactos tanto em funções gastrintestinais como na saúde imunológica. O equilíbrio garante a execução adequada de funções digestórias e a formação das defesas naturais, prevenindo portanto, doenças comuns na infância. A disbiose, então, tem relação clara com doenças infecciosas na infância. As diarreias e as infecções das vias aéreas superiores são exemplos comuns.3

A doença diarreica aguda (DDA) continua sendo a maior causa de mortalidade na infância no mundo inteiro. Sendo, na maioria das vezes, de caráter infeccioso (vírus, bactérias e parasitas), a DDA tem como base fisiopatológica a geração de processo inflamatório que culmina com alterações absortivas e que determina diarreia (três ou mais episódios em 24 horas), geralmente líquida, com ou sem febre e vômito.4

Muitas crianças, no mundo inteiro, sofrem com infecções das vias aéreas superiores (IVAS) a cada ano, sobretudo aquelas que estão em idade pré-escolar, quando o sistema imunológico ainda se encontra em desenvolvimento, principalmente se estiverem institucionalizadas, em creches ou berçários.5

Considerando crianças que apresentem infecções tanto do sistema digestório quanto do respiratório, é recomendada a adoção de um tratamento que vise restabelecer a composição e o equilíbrio da microbiota intestinal.6,7

Bibliografia

  1. CHISSOCA, Antônio Ribeiro Chissululo. Influência da microbiota intestinal nas propriedades imunológicas de uma vacina recombinante. Antônio Ribeiro Chissululo Chissoca; orientador, Prof. Dr. Oscar Bruna Romero – Florianópolis, SC, 2016. 105.
  2. WANG, Jingeng; ZHENG, Jiayong; SHI, Wenyu; DU, Nan; ZHANG, Yanming; JI, Peifeng; ZHANG, Fengyi; JIA, Zhen; WANG, Sim; ZHENG, Zhi; ZHANG; Hongping; ZHAO, Fangqing. Disbiose da microbiota materna e neonatal associada ao diabetes mellitus gestacional. Setembro de 2018; 67 (9): 1614-1625.
  3. TANAKA, M; NAKAYAMA, J. Development of the gut microbiota in infancy and its impact on health in later life. Allergol Int.

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  1. NEISH, AS; DENNING, TL. Advances in understanding the interaction between the gut microbiota and adaptive mucosal immune responses. F1000. Biol Rep. 2010; 2:27.
  2. DOMINGUEZ-BELLO, MG; DE JESUS, Laboy KM; SHEN, N; COX, LM; AMIR, A; GONZALEZ, A. et al. Partial restoration of the microbiota of cesarean-born infants via vaginal microbial transfer. Nat Med. 2016; 22(3): 250-3.
  3. SEGERS, ME; LEBEER, S. Towards a better understanding of Lactobacillus rhamnosus GG – host interactions. Microb Cell Fact. 2014; 13 Suppl. 1: S7.
  4. ISOLAURI, E; JUNTUMEN, M; RAUTANEN, T; KOUVULA, T. A human Lactobacillus strain (Lactobacillus casei sp strain GG) promotes recovery from acute diarrhea in children. Pediatrics. 1991; 88(1): 90-7.
  5. HATAKKA, K; SAVILAHTI, E, MEURMAN, JH; POUSSA, T et al. Effect of long term consumption of probiotic milk on infections in children attending day care centres: Double blind, randomised trial. BMJ. 2001; 322(7298): 1327.
  6. HOJSAK, I; SNOVAK, N; ABDOVIC, S; SZAJEWSKA, H; MISAK, Z; KOLACEK, S. Lactobacillus GG in the prevention of gastrointestinal and respiratory tract infections in children who attend day care centers: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Clin Nutr. 2010; 29(3): 312-6.

A importância da microbiota na saúde da criança

A importância da microbiota na saúde infantil.

A comunidade microbiana intestinal é estabelecida tanto durante o período neonatal como no início da infância. No momento do nascimento, os microrganismos colonizam o tubo gastrointestinal do bebê, e entre os 18 e 24 meses de vida a microbiota da criança já se torna semelhante à de um adulto. Os recém-nascidos de parto normal, por sua vez, possuem uma microbiota semelhante à da mãe. Esse quadro se dá, sobretudo, devido à passagem do feto pelo canal vaginal. Recém-nascidos de cesariana não possuem essa mesma oportunidade de colonização, portanto, as probabilidades para desregulações e alergias podem ser maiores para estas crianças no futuro. 3-4

Mas, afinal, o que é microbiota?

O organismo é colonizado por milhões de bactérias distribuídas em centenas de espécies não patogênicas, com grande influência para a saúde. O intestino é o principal órgão de colonização destas bactérias; neste ambiente específico se forma a microbiota intestinal. Ela atua em diversas frentes e com diferentes funções: auxilia o metabolismo de fibras e toxinas, age no suporte às demandas de outros sistemas – como o imunológico, o nervoso e o próprio digestório – exercendo papel essencial na proteção de doenças. 4

O microbioma, por sua vez, é definido como o conjunto de micro-organismos e genes que colonizam todo um meio natural. O microbioma humano, por exemplo, diz respeito aos micro-organismos presentes em todo o corpo, para além do trato gastrointestinal, abrangendo também pele, cabelo, vias aéreas, trato urogenital e alguns órgãos e sistemas. 4

Como é a sua formação?

Antes mesmo do nascimento, caso o feto esteja em perfeitas condições de desenvolvimento (como dieta e temperatura adequadas, ambiente livre de patógenos e apresente tolerância imunológica) é possível identificar a presença de micro-organismos através da colonização do trato gastrointestinal. Ela ocorre, segundo alguns estudos recentes, quando o feto realiza a deglutição do líquido amniótico ainda intraútero. Neste momento, então, pode-se afirmar que a microbiota intestinal teve o seu início. 4-5

Após o nascimento, outros micro-organismos essenciais para uma vida saudável são introduzidos por meio da ingestão dos primeiros alimentos e, também, através do leite materno. O leite confere benefícios nutricionais essenciais à criança, ele é globalmente considerado o padrão-ouro para a alimentação infantil. Também, o leite materno garante benefícios não nutricionais explicados, sobretudo, pelos fenômenos epigenéticos.  Tais fenômenos são mecanismos moleculares envolvidos na interação entre fatores do ambiente e a expressão da informação contida no DNA. 1,5

A amamentação natural promove a maturação da microbiota saudável, destacando-se pela presença de lactobacilos e de carboidratos conhecidos como human milk oligosaccharides (HMOs), os quais auxiliam o crescimento e o desenvolvimento de bactérias não patogênicas. 5

A microbiota intestinal da mãe, portanto, é a principal fonte de bactérias que efetivamente colonizarão o trato gastrointestinal do recém-nascido e, assim, atuarão na promoção e no desenvolvimento do sistema imunológico. 1-5

Ressalta-se que algumas bactérias também podem ser transferidas de mãe para filho por meio do leite materno, são elas: Lactobacillus, Leuconostoc, Streptococcus, Enterococcus, Lactococcus e Weisella, bem como algumas espécies benéficas de Bifidobacterium. 5

A microbiota e o sistema imunológico

A principal função do sistema imunológico é defender o organismo contra patógenos invasores e outros agentes agressores, sendo eles infecciosos ou não. Em linhas gerais, ele atua também no reconhecimento de corpos, células e toxinas estranhas ao organismo, tal qual acontece na vigilância contra tumores. 5

Ainda intraútero, o sistema imunológico sofre uma espécie de hibernação de sua atividade (conhecida como downregulation) e passa a adquirir regularização após o nascimento e com o passar dos anos. Por essa razão – embora essa assertiva seja atualmente questionada – certos aspectos do sistema imunológico ainda não estão totalmente maduros nesse período, como por exemplo, a baixa concentração de anticorpos no recém-nascido (exceto da IgG, que é materna e transferida para o feto através da placenta). Existe, também, certo desequilíbrio na relação dos subtipos linfocitários, com discreto predomínio do subtipo Th2. 5

O leite materno é a melhor fonte de proteção ao recém-nascido contra enfermidades infecciosas, tendo grande influência sobre a composição da microbiota intestinal. A resposta microbiana intestinal leva à formação de anticorpos séricos contra bactérias patogênicas presentes no intestino, e estende essa proteção a outras mucosas e às glândulas exócrinas, como as salivares e as mamárias, durante a lactação. 3

Portanto, nessa fase, o sistema imunológico intestinal possui fundamental importância no amadurecimento global do sistema imunológico, criando uma barreira por meio da secreção de anticorpos (IgA), que inibem a colonização da mucosa por bactérias patógenas. Da mesma forma, utiliza mecanismos bioquímicos celulares, como a ativação de células específicas (T reguladoras) e a síntese de citocinas moderadoras (IL-10), que estão ligadas diretamente à tolerância oral. 5

Como manter a microbiota saudável?

Para um bom metabolismo materno e que ajude no crescimento e no desenvolvimento do bebê, é necessário que a mãe adote um estilo de vida que resulte em uma microbiota saudável para ambos. 5

Recomenda-se a adoção de hábitos saudáveis mesmo antes da gravidez. Indubitavelmente, esse comportamento otimiza a saúde da mãe ao passo que previne riscos durante a gravidez, quando ela acontecer. A microbiota intestinal da mãe influencia na formação do trato gastrointestinal do bebê, e pode ser modulada através de uma dieta adequada e suplementada com prebióticos e probióticos. Conforme supracitado, é durante o parto vaginal e durante a amamentação que a criança adquire uma série de bactérias provenientes da mãe. 2-5

Uma microbiota e um sistema imune equilibrados resultam em um indivíduo saudável. A microbiota não nasce pronta, ela se desenvolve ao longo do tempo. Sua formação precisa ocorrer de maneira robusta desde o período gestacional até o decorrer da infância, para que ao longo da vida não cause, eventualmente, desequilíbrio ao sistema imune e ao funcionamento intestinal (com a presença de inflamações e alergias). A adoção de hábitos saudáveis, como uma dieta adequada suplementada com prebióticos e probioticos, é um cuidado que, se mantido até a vida adulta, refletirá de maneira positiva os mecanismos dos processos digestórios. Haverá uma melhor absorção de nutrientes e um ótimo desenvolvimento da resposta imune, além da modulação do metabolismo e da prevenção de doenças. 4

Referências

1 – (FRANZ R. NOVAK, JOÃO APRÍGIO GUERRA DE ALMEIDA, GRACIETE O. VIEIRA, LUCIANA M. BORBA, 2001). Colostro humano: fonte natural de probióticos? 2001. Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/01-77-04-265/port.asp. Acesso em: 21 set. 2020.

2 – (ANGÉLICA DOS SANTOS PERBELIN, CAMILA VIEIRA DA SILVA, ENERI VIEIRA DE SOUZA LEITE MELLO, LARISSA CARLA LAUER SCHNEIDER, 2019). O papel da microbiota como aliada no sistema imunológico. 2019. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/51557/751375149170. Acesso em: 21 set. 2020.

3 – (DÉBORA BORGES DE OLIVEIRA SILVA, EDUARDO HENRIQUE MENDES REZENDE, GUILHERME DO VALE BESSA, KAMYLLA BORGES SANTOS, ALINE DE ARAUJO FREITAS, 2019) Desenvolvimento da microbiota do recém-nascido e sua relação com o tipo de parto. 2019. Revista Educação em Saúde. Disponível em: http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/educacaoemsaude/article/view/3789/2633. Acesso em: 21 set. 2020.

4 – (LU ZHUANG, HAIHUA CHEN, SHENG ZHANG, JIAHUI ZHUANG, QIUPING LI, ZHICHUN FENG). Microbiota intestinal na infância e suas implicações na saúde infantil. 2019. US National Library of Medicine National Institutes of Health. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6522475/. Acesso em: 21 set. 2020.

5 – (INDRIO F, MARTINI S, FRANCAVILLA R, CORVAGLIA L, CRISTOFORI, MASTROLIA SA, et al.) Epigenetic matters: the link between early nutrition, microbiome, and long-term health development. Front Pediatr. 2017; 5: 178.