O uso de probióticos pode ser benéfico na dor abdominal funcional?

Vera Lúcia Ângelo Andrade – CRM-MG 22.284

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH  http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

A dor abdominal é um sintoma altamente prevalente na prática clínica, podendo ter múltiplas etiologias, tanto orgânicas quanto funcionais, por vezes associadas a grande impacto na qualidade de vida dos pacientes.  As desordens funcionais associadas à dor abdominal têm uma prevalência estimada em 13,5% nas crianças e são subdivididas em quatro subtipos: síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional, migrânea funcional e dor abdominal funcional1,2.

Como é feito o diagnóstico da dor abdominal funcional?

Para o diagnóstico da dor abdominal funcional devem ser usados os Critérios de Roma IV3, que se baseiam na presença de sintomas pelo menos 4 vezes ao mês, nos últimos 2 meses. Após a análise clínica, há três possibilidades diagnósticas:

Quais são os fatores associados a dor abdominal funcional?

Segundo a literatura, a dor abdominal funcional é muito frequente em crianças e adolescentes, sendo os principais aspectos encontrados na história clínica dos pacientes:  transtornos psiquiátricos (ansiedade, depressão), passado de traumas/abusos na primeira infância, evidência de ganhos secundários e/ou presença de somatização.   Acredita-se que haja uma alteração no eixo microbiota-cérebro-intestino, com hipervigilância e sensibilização central, hipersensibilidade visceral e dismotilidade4. Crianças com dor abdominal funcional apresentam menor resposta do sistema parassimpático, o que significa mais dificuldade em atingir o estado de homeostase, bem como desregulação do sistema nervoso autônomo. Observa-se ainda disbiose intestinal, com aumento da permeabilidade intestinal, aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias e alterações no metabolismo de serotonina. Outro fator importante a ser destacado é a elevada incidência de má absorção a frutose (30%) em pacientes com síndrome do intestino irritável e dor abdominal funcional5.

Quais são possíveis tratamentos da dor abdominal funcional?

Os mecanismos etiopatogênicos da dor abdominal funcional não estão totalmente esclarecidos, o que torna o diagnóstico e o tratamento um desafio. Três categorias propostas são: comportamental (terapias cognitivo-comportamental, hipnose e Ioga, por exemplo), dietética e farmacológica (mebeverina, brometo de otilônio, brometo de pinavério)6. Frequentemente, mesmo lançando mão do arsenal terapêutico tradicional, o paciente mantém dor abdominal e outras opções terapêuticas são aventadas. Estudos avaliaram o papel dos probióticos na dor abdominal funcional. Metanálise, publicada por Horvath e colaboradores, concluiu que o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) é útil no tratamento da dor abdominal em crianças, com maior taxa de resposta em pacientes com síndrome do intestino irritável7. Francavilla e colaboradores avaliaram em estudo randomizado, duplo-cego e controlado, 141 crianças com sindrome do intestino irritável ou dor funcional6. As crianças receberam LGG ou placebo e foram acompanhadas por 8 semanas. O grupo tratado com LGG, mas não o placebo, apresentou uma redução significativa tanto na frequência (P < 0,01) quanto na intensidade (P < 0,01) da dor abdominal. Recentemente, um novo ensaio clínico randomizado demonstrou benefício do uso de LGG na redução da cólica infantil em recém-nascidos sob amamentação, além de uma diminuição significativa da calprotectina fecal8. Por outro lado, o uso de probióticos em adultos não se mostrou eficiente na redução da intensidade ou frequência da dor abdominal funcional. https://pebmed.com.br/lgg-na-dor-abdominal-qual-papel-do-probiotico-video/

Referências

1- Korterink JJ, Diederen K, Benninga MA, Tabbers MM. Epidemiology of pediatric functional abdominal pain disorders: a meta-analysis. PLoS One. 2015;10(5):e0126982.
2- Vernon-Roberts A, Alexander I, Day AS. Systematic Review of Pediatric Functional Gastrointestinal Disorders (Rome IV Criteria). J Clin Med. 2021;10(21):5087.
3- Hyams JS, Di Lorenzo C, Saps M, Shulman RJ, Staiano A, van Tilburg M. Functional Disorders: Children and Adolescents. Gastroenterology. 2016:S0016-5085(16)00181-5.
4- Thapar N, Benninga MA, Crowell MD, Di Lorenzo C, Mack I, Nurko S, Saps M, Shulman RJ, Szajewska H, van Tilburg MAL, Enck P. Paediatric functional abdominal pain disorders. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):89.
5- Rodrigues BA, Speridião SBG, Zihlmann KF. Dor abdominal funcional: um estudo de revisão integrativa do ponto de vista biopsicossocial Br J Pain 2018;1(4):359-64.
6- Horvath A, Dziechciarz P, Szajewska H. Meta-analysis: Lactobacillus rhamnosus GG for abdominal pain-related functional gastrointestinal disorders in childhood. Aliment Pharmacol Ther. 2011;33(12):1302-10.
7- Francavilla R, Miniello V, Magistà AM, De Canio A, Bucci N, Gagliardi F, Lionetti E, Castellaneta S, Polimeno L, Peccarisi L, Indrio F, Cavallo L. A randomized controlled trial of Lactobacillus GG in children with functional abdominal pain. Pediatrics. 2010;126(6):e1445-52.
8- Savino F, Montanari P, Galliano I, Daprà V, Bergallo M. Lactobacillus rhamnosus GG (ATCC 53103) for the Management of Infantile Colic: A Randomized Controlled Trial. Nutrients. 2020;12(6):1693.

Dr. Pergunta x Dr. Responde – Uso do probiótico na visão do especialista

Este material aborda a visão de duas especialistas, uma Gastroenterologista pediátrica e outra gastroenterologista, trazendo perguntas e respostas sobre o uso de probióticos.

O emprego de probióticos é essencial no tratamento das doenças digestivas, sejam infamatórias, metabólicas, funcionais ou neoplásicas. As cepas probióticas têm sido muito utilizadas não apenas com finalidades terapêuticas, mas também profiláticas.

O LGG (Lactobacillus rhamnosus GG) é a cepa probiótica com maior número de estudos controlados e randomizados, mostrando-se mais tolerante do que outros probióticos às condições adversas do trato digestivo.

O LGG atua por diferentes mecanismos, sendo capaz de aumentar a barreira epitelial, aderir à mucosa intestinal, excluir microrganismos patógenos, produzir substâncias antimicrobianas e modulas o sistema imunológico. Possui ação potencial em pacientes com diarreia aguda, colite pseudomembranosa, síndrome do intestino irritável, doenças inflamatórias, infecções respiratórias, dermatite atópica, doenças do trato urogenital e neoplasias.

Conclui-se que a única maneira de melhorar a disbiose é intervir na microbiota para torná-la mais saudável e simbiótica. Probióticos, probióticos, simbióticos e posbióticos tem sido utilizados para manipular a composição da microbioma e formulações especificas são uma importante parte da medicina de prevenção e também do tratamento de algumas doenças.

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Autoras:

Gastroenterologista pediátrica

Profa. Dra. Cristina Targa Ferreira – CRM-RS: 12.788

  • Doutora em Gastroenterologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
  • Especialista em Gastroenterologia Pediátrica, em Endoscopia Pediátrica e em Hepatologia pela Associação Médica Brasileira e Sociedades Médicas Brasileiras;
  • Chefe do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio – Complexo Hospitalar Santa Casa;
  • Professora adjunta de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre;
  • Presidente do Departamento de Gastroenterologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Gastroenterologista

Profa. Dra. Maria do Carmo Friche Passos – CRM-MG: 18.599

  • Professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais;
  • Pós-doutorado em Gastroenterologia pela Universidade de Harvard;
  • Coordenadora do Departamento de Eventos Científicos da Federação Brasileira de Gastroenterologia;
  • Vice-presidente do Núcleo Brasileiro para Estudo do H. pylori;

Ex-presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologista

Disbiose, doenças inflamatórias intestinais e probióticos

A microbiota intestinal é constituída por fungos, vírus e principalmente bactérias. Em indivíduos saudáveis as principais espécies bacterianas são: Firmicutes (64%), Bacteroidetes (23%), Actinobacteria (8%) e Proteobacteria (3%).   O seu desenvolvimento inicia-se após o nascimento seguindo até o estabelecimento de uma relação simbiótica com o hospedeiro.  A microbiota é essencial para o organismo e tem várias funções fisiológicas como a síntese de vitaminas B e K, formação de ácidos graxos de cadeia curta, manutenção da integridade da mucosa intestinal e produção de bacteriocinas, por exemplo.

Afinal, o que é disbiose?

A relação entre disbiose e doenças intestinais já foi aventada na literatura há muitos anos. Disbiose é definida como desequilíbrio na qualidade e na quantidade da microbiota intestinal. A etiopatogênese inclui obesidade, sedentarismo, dieta rica gordura, baixa em fibras, mas pode também ser causada por gastrectomia, diabetes, medicamentos como os antibióticos e os inibidores da bomba de prótons (IBPs) dentre outros. Este desequilíbrio entre populações bacterianas agressoras e protetoras pode levar a sintomas tais como: alteração de hábito intestinal (diarreia/constipação), flatulência, má absorção de nutrientes, aumento da permeabilidade intestinal, baixa de imunidade e brain fog.

Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)

              Retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) sãodoenças crônicas em que há inflamação do intestino, com etiologia ainda não totalmente esclarecida.  A RCU acomete a mucosa do cólon e do reto, enquanto a DC pode acometer toda a parede intestinal e topograficamente pode acometer da boca ao ânus, com predileção pela região ileocecal. Nas DII já está bem estabelecida a presença de alteração da microbiota do trato gastrointestinal, com aumento das famílias Enterobacteriaceae e redução das famílias Bacteroidetes.  Clinicamente manifesta-se com perda ponderal, anemia, dor abdominal, diarreia/constipação e febre.

Probióticos nas DII

              Probióticos são microrganismos vivos que, em quantidade adequada, conferem benefício para a saúde e têm sido estudados como potenciais agentes terapêuticos nas DII.  Sua capacidade de modular a resposta inflamatória na DII tem sido amplamente investigada.

As funções imunes dos probióticos já relatadas na literatura são:

  • Fortalecer a barreira intestinal através da secreção de muco e cloreto e na mudança na expressão de proteínas integrantes das tight junctions;
  • Reduzir a apoptose de células epiteliais;
  • Reduzir a ativação do fator NF-kB;
  • Aumentar a atividade das células natural killer;
  • Estimular a síntese de citocinas anti-inflamatórias.

A diversidade de cepas probióticas disponíveis no mercado faz com que a escolha por um probiótico seja um enorme desafio. As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são mais comumente usadas nas doenças intestinais, mas outras como Saccharomyces e algumas E.coli também podem ser utilizadas. A colonização bacteriana é essencial ao desenvolvimento e manutenção da homeostase intestinal, portanto deve-se dar prioridade para cepas que colonizam o intestino, nesta escolha. Embora o probiótico VSL#3® atue na indução da remissão na RCU ativa e seja tão eficaz quanto os 5-aminossalicilatos na prevenção de recidivas seu mecanismo de ação ainda não está estabelecido.  A cepa Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) induziu ao aumento de Imunoglobulina A, com melhora da capacidade imunológica intestinal e melhorou a permeabilidade paracelular intestinal dos pacientes. Esta cepa levou também a um maior tempo sem recidiva comparativamente à mesalazina em pacientes com RCU quiescente. Estudos, no entanto, mostraram a necessidade de precaução e cautela na prescrição deste probiótico em casos mais graves, para evitar a possibilidade de bacteremia. 

Diferentemente da RCU, a maioria dos estudos de alta qualidade científica concluiu pela falta de evidências que fundamentam o uso dos probióticos na indução e/ou manutenção da remissão na DC.

Referências bibliográficas:

  1. The International Journal of Inflammatory Bowel Disease is the official publication of the Brazilian Study Group of Inflammatory Bowel Disease (GEDIIB); https://gediib.org.br/wp-content/uploads/2019/10/L3_REVISTA-INTERNATIONAL-JOURNAL_VOL5-N1_PORTUGUES_16-08-2019-1.pdf (gediib.org.br) Acesso novembro 2021;
  2. 2. Shanahan F. (2012). The microbiota in inflammatory bowel disease: friend, bystander, and sometime-villain. Nutrition reviews, 70 Suppl 1, S31–S37. https://doi.org/10.1111/j.1753-4887.2012.00502.x;
  3. Currò, D., Ianiro, G., Pecere, S., Bibbò, S., & Cammarota, G. (2017). Probiotics, fibre and herbal medicinal products for functional and inflammatory bowel disorders. British journal of pharmacology, 174(11), 1426–1449. https://doi.org/10.1111/bph.13632;
  4. Feitosa P S,  Sousa AV. Doença de Crohn e uso de probióticos como tratamento adjuvante Brazilian Journal of Development, Curitiba, 2021, 7 (4); 42872- 42889.

Vera Lucia Ângelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Sócia Proprietária da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

LGG® na dor abdominal: qual papel do probiótico? [vídeo]

Qual é o papel do probiótico LGG® na dor abdominal? Neste vídeo produzido em parceria com a Cellera Farma,

abordamos sobre o uso dos Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) nas desordens associadas à dor abdominal funcional, que é dividida em quatro grupos: dor abdominal funcional, síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional e migrânea abdominal.

Afinal, podemos utilizar os probióticos na tentativa de modular a sensibilidade intestinal?

Aperte o play e confira!

Autor: Guilherme Grossi Cançado

Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, SBH, GEDIIB.

Distúrbios de dor abdominal funcional: O que são e como abordar clinicamente?

Roberta Esteves Vieira de Castro, MD, MSc, PhD

Introdução

As doenças funcionais gastrointestinais (FGIDs) englobam um grupo de desordens caracterizadas por sintomas relacionados ao comprometimento de órgãos do trato gastrointestinal, sem que haja evidências clínicas ou laboratoriais de uma doença orgânica,  isto é, são condições crônicas recorrentes que não são explicadas por etiologias fisiológicas, estruturais ou biomédicas subjacentes2,3,4. Portanto, ocorrem na ausência de uma causa anatômica, inflamatória ou relacionada a dano tecidual5. Dentre elas destacam-se os distúrbios de dor abdominal funcional (DDAF), que são comumente encontrados na infância, afetando, globalmente, até 25% de lactentes e crianças. Dada sua etiologia biopsicossocial envolvendo interações complexas dentro do eixo intestino-cérebro, os DDAF são referidos como “distúrbios da interação intestino-cérebro”. Atualmente, inclusive, o eixo intestino-cérebro tem sido precisamente referido como o “eixo microbiota-intestino-cérebro”, refletindo uma extraordinária expansão da compreensão da magnitude, complexidade, papel e interações das populações microbianas hospedadas dentro do lúmen do trato gastrointestinal (TGI)1.

Os DDAF são frequentemente caracterizados pela presença de hiperalgesia visceral e aumento da percepção central de estímulos viscerais, o que parece ocorrer como o resultado final de fatores psicossociais sensibilizantes e fatores clínicos sobrepostos a predisposição genética e a eventos do início da vida. O início da vida inclui todos os estágios da infância e da adolescência, onde ocorre crescimento, além do desenvolvimento estrutural e funcional dos órgãos, embora a vulnerabilidade do eixo microbiota-intestino-cérebro pareça ser maior durante o período perinatal e nos primeiros anos de vida1.

Assim como em pacientes adultos, os DDAF em pediatria são subclassificados por meio dos critérios de Roma IV em outras condições clinicamente distintas: síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional (DF), enxaqueca abdominal e dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)1.

O objetivo do presente artigo é fornecer uma visão geral e atualizada dos DDAF em pediatria, com foco no uso de probióticos para o tratamento, tema atual e que gera muitas dúvidas entre pacientes, famílias e profissionais de saúde.

Epidemiologia

Os DDAF são extremamente comuns em pacientes pediátricos atendidos por gastroenterologistas1. Dados da literatura mostram que as taxas de prevalência podem variar de 0,3 a 19% em crianças em idade escolar na Europa e nos Estados Unidos7, chegando a ser responsáveis por mais de 50% de todas as consultas clínicas de gastroenterologia pediátrica (GP)8. Em metanálise, Korterink e colaboradores descreveram que, em geral, a prevalência combinada encontrada para DDAF é de 13,5%, sendo que a prevalência relatada variou amplamente, de 1,6 a 41,2%7. No Brasil, Alves e colaboradores relataram que a dor abdominal funcional (DAF) correspondeu a 70% dos casos de dor abdominal crônica (DAC) atendidos em um ambulatório universitário de GP no período de janeiro de 2009 a outubro de 20149.

Quanto à subclassificação dos DDAF, a prevalência da SII em pacientes pediátricos pode variar de 1,2 a 45%10,11. Em relação à DF, uma prevalência de 3 a 27% é descrita em pediatria, sendo que 12 a 16% das crianças encaminhadas para clínicas de cuidados terciários nos Estados Unidos apresentam a condição12. Já a prevalência de enxaqueca abdominal infantil é em torno de 9,3%13. No entanto, embora os DDAF sejam indubitavelmente prevalentes em crianças, os estudos epidemiológicos têm sido dificultados devido à falta de parâmetros diagnósticos adequados. O desenvolvimento de critérios diagnósticos e a subclassificação do original “dor abdominal recorrente em crianças” só se tornaram disponíveis a partir de 2005, com o advento dos critérios de Roma II. Desde então, as duas outras versões dos critérios de Roma tiveram mudanças substanciais, agravando o problema de elucidar e comparar dados de prevalência de diferentes estudos. Um fator limitante que impede a comparabilidade dos dados em todo o mundo é o uso de diferentes ferramentas de avaliação. Cerca de 80% dos estudos publicados que aplicaram os critérios de Roma III usaram o “questionário sobre sintomas gastrointestinais (GI) pediátricos dos critérios de Roma III” para avaliação. Todavia, pesquisas divulgadas que aplicaram os critérios de Roma I ou II usaram uma grande variedade de outros instrumentos1.

A elevada prevalência mundial e seu impacto substancial no bem-estar dos pacientes pediátricos justificam o investimento de recursos e campanhas educacionais direcionadas à prevenção e tratamento, com atenção especial aos distúrbios psicológicos e à redução do estresse7.

Fatores de risco

Dados da literatura mostram que o sexo feminino está associado a uma maior prevalência de DDAF. Este predomínio em meninas tem sido relatado em todos os continentes. Supõe-se que os níveis de hormônios sexuais possam desempenhar um papel, o que é corroborado por observações de que pacientes na pré-menopausa apresentam exacerbação de dor abdominal durante a menstruação. Os hormônios ovarianos podem modular o processo de percepção da dor visceral e a suscetibilidade ao estresse. Embora as crianças mais novas não tenham atingido a maturidade sexual, isso também pode se aplicar aos adolescentes. Outra razão pode ser o fato de que o sexo feminino tem uma maior predisposição para relatar experiências somáticas, como dor. A predominância de meninas também foi descrita em outras queixas funcionais, como constipação funcional e cefaleia. Outros dados mostram que distúrbios psicológicos, estresse e eventos traumáticos aumentam a prevalência de DDAF, mas os estudos não têm mostrado associação com a idade nem com o status socioeconômico7. Ademais, a ingestão de baixo teor de fibras é relatada como um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças15. Por fim, uma história familiar de DDAF de um modo geral, principalmente de SII, foi relatada como um relevante fator de risco epidemiológico1.

Fisiopatologia

O desenvolvimento de DAC é um processo complexo que parece resultar da interrupção da integridade funcional e/ou, de uma forma mais sutil, da integridade estrutural de um ou mais elementos do eixo microbiota-intestino-cérebro. Há muito tempo, o modelo biopsicossocial é reconhecido nesse contexto. Esse modelo defende que os sintomas surgem por meio de várias vias que incluem fatores biológicos (como genética, dismotilidade, hipersensibilidade visceral, inflamação, distúrbios do sono e disbiose), fatores psicológicos (como ansiedade, depressão, baixa autoestima, hospitalização recente e enfrentamento disfuncional) e fatores sociais (como dificuldades de relacionamento com pais, colegas ou professores, bullying e abuso infantil) que interagem uns com os outros. De acordo com o modelo supracitado, todos esses fatores podem contribuir para o início ou persistência da dor, assim como para a gravidade e a frequência dos sintomas contínuos. Embora o protótipo permaneça relevante, ele continua a evoluir, reconhecendo uma complexidade muito maior nessa fisiopatologia. Os fatores biológicos são atualmente divididos em três sistemas principais (neurológico, imunológico e endocrinológico) que se comunicam prontamente entre si e também com o sistema psicológico. É provável que existam outros fatores compostos de sistemas influentes e interagentes. Acredita-se, portanto, que uma melhor compreensão dessas condições aumentará a complexidade da triagem e da avaliação, mas também fornecerá opções de tratamento mais personalizadas, dada a combinação de contribuintes que possam estar subjacentes à apresentação de cada paciente1,5,6. Em suma, os componentes cruciais desse modelo são os conceitos de hipersensibilidade visceral e hipervigilância central, embora a importância relativa de cada um desses componentes não seja clara e possa variar entre os indivíduos. O papel da genética em relação aos fatores ambientais não é conclusivo e, embora ambos os elementos pareçam ser fundamentais, nenhum dos fatores parece suficiente por si só para contribuir para o desenvolvimento de DDAF1.

Embora a causa exata não seja identificada, considera-se que a sinalização nervosa cerebral ou alterações químicas intestinais podem tornar o intestino mais sensível a fatores que normalmente não causam dor, como distensão gasosa, por exemplo. Por causa dessa mudança na função intestinal associada a esse tipo de dor, é frequentemente referida como DAF13. Dada a associação entre a composição da microbiota intestinal precoce e doenças crônicas na infância, acredita-se que os distúrbios na colonização intestinal também possam desempenhar um papel na etiologia e patogênese dos distúrbios GI funcionais na infância16, além da presença de alergia à proteína do leite de vaca (APLV)10. Estima-se que a microbiota humana seja composta por mais de 1 x 1014 células bacterianas, dez vezes o número de células humanas. A maioria da microbiota humana vive dentro do TGI, e vária evidência indicam que nossos micróbios intestinais realizam as seguintes funções: aumentam a função de barreira intestinal; inibem a ligação do patógeno, ligando-se ao epitélio do intestino delgado e grosso e produzindo substâncias que inibem o crescimento de outros organismos patogênicos; modulam a resposta inflamatória intestinal pela modulação do lúmen GI em direção a um estado antiinflamatório; reduzem a hipersensibilidade visceral associada tanto à inflamação quanto ao estresse psicológico, e alteram da fermentação do cólon, convertendo carboidratos não digeridos em ácidos graxos de cadeia curta, melhorando a função intestinal17.

Há relatos também de uma associação de doenças infecciosas, em especial as gastroenterites agudas, de etiologia bacteriana (por Shigella, por exemplo) com o desenvolvimento de SII, sendo indagada a correlação com o rotavírus. A infecção pode ocasionar inflamação, modificação da microbiota e aumento da permeabilidade intestinal. Apesar da resolução da inflamação aguda, pode haver alterações persistentes no aparelho neuromuscular intestinal5,18.

Manifestações clínicas

Como discutimos acima, a sintomatologia dos DDAF é o resultado de uma infinidade de fatores, incluindo hipersensibilidade visceral, alteração da motilidade intestinal, disbiose microbiana, alteração da função imunológica da mucosa e desregulação da função intestinal pelo sistema nervoso central3.

Usualmente, a dor funcional é periumbilical ou epigástrica, dificilmente ocorrendo irradiação. Os episódios de dor podem perdurar por minutos a horas, sendo alternados por intervalos de bem-estar. Uma característica é a ocorrência durante o período diurno e podem ser tão intensos a ponto de ocasionar choro e o paciente precisar interromper as atividades do cotidiano. Podem também ser relatados sintomas  neurovegetativos, tais como sudorese, palidez, náuseas e vômitos5.

Síndrome do intestino irritável (SII)

É definida pela presença de dor abdominal associada a alteração dos hábitos intestinais, que incluem mudança na frequência, na consistência e no formato das fezes, com esforço ou urgência para defecar, tenesmo, presença de muco e distensão abdominal3,5,19.

Dispepsia funcional (DF)

Os sintomas dispépticos incluem dor epigástrica, azia, plenitude gástrica pós-prandial, saciedade precoce, náuseas, vômitos, eructações e queimação epigástrica20.

Enxaqueca abdominal

Caracteriza-se pela presença de episódios paroxísticos de dor periumbilical moderada a grave, mal localizada, na linha média ou abdominal difusa com duração igual ou superior a uma hora. Os episódios são separados por semanas a meses e há um padrão e sintomas estereotipados em cada paciente. A dor é forte o suficiente para interferir nas atividades diárias normais. A dor abdominal geralmente está associada a outros sintomas, como cefaleia, palidez, anorexia, náusea, vômito e fotofobia. Após avaliação médica adequada, os sintomas não podem ser atribuídos a nenhuma outra condição clínica. Na maioria das vezes, há uma história familiar de enxaqueca e há uma forte propensão a evoluir para cefaleias por enxaqueca na idade adulta21.

Dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)

Quando a DAC não se encaixa nas demais situações descritas, deve-se considerar a presença de DAF-NEOF5.

Diagnóstico

A avaliação da DAC é um grande desafio diagnóstico. Na primeira etapa da abordagem, o pediatra deve se atentar para a  investigação de quadros de etiologia orgânica. O diagnóstico é baseado em anamnese (principalmente) e exame físico detalhados. A solicitação de exames complementares deve ser criteriosa5,22.

Anamnese

Deve ser focada no reconhecimento de sinais e sintomas de alerta para doença orgânica5 – Quadro 1.

Quadro 1: Anamnese em um paciente com DAC

Dados da anamneseQuestionamentos
Características da dorLocalização, intensidade, frequência, periodicidade, relação com alimentação, dor noturna, interferência com as atividades habituais
Sintomas gastrintestinais associadosPirose, saciedade precoce, plenitude gástrica pós-prandial, náuseas, vômitos, diarreia, constipação, tenesmo, sangramentos digestivos, icterícia
Sinais/sintomas de outros sistemasSintomas urinários, cefaleia, sonolência depois das crises de dor, artralgias/artrites, tosse crônica, asma, respiração bucal
Sinais de comprometimento orgânicoPerda de peso, retardo no crescimento, retardo puberal, palidez cutâneo-mucosa, febre
Antecedentes pessoaisInfecção viral recente, trauma abdominal, intervenção cirúrgica prévia Perfil psicológico e comportamental da criança Conhecimento de situações que geram ansiedade
História alimentarConsumo de leite e produtos lácteos, sucos naturais e artificiais, bebidas gaseificadas, balas, chicletes e alimentos irritantes gástricos (alimentos industrializados, condimentos picantes) Avaliar o conteúdo de fibra na dieta
Medicamentos em uso ou utilizadosAntibióticos, anti-inflamatórios, corticosteroides
História familiarParentes com doenças do TGI ou de outro sistema e que evolua com dor abdominal, enxaqueca, manifestações alérgicas, tuberculose e/ou quadros depressivos
Sinais e sintomas de alerta para doença orgânicaHistória familiar de DII, doença celíaca ou doença péptica; dor persistente em quadrante superior ou inferior direito; disfagia; odinofagia; vômitos persistentes; sangramento gastrointestinal; diarreia noturna; artrite; febre inexplicada

Legenda: DAC – dor abdominal crônica; DII – doença inflamatória intestinal; TGI – trato gastrointestinal.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 20195.

Os DDAF são agrupados de acordo com o perfil de sintomas, que difere com base na localização do TGI (por exemplo, DF versus SII) ou com base em semelhanças com outras condições, como enxaqueca1 – Quadro 2.

Quadro 2: Critérios de Roma IV para DDAF em crianças e adolescentes

DDAFDefinição
DFPlenitude pós-prandialSaciedade precoceDor epigástrica ou queimação não associada à defecação Dentro da DF, há dois subtipos: Síndrome de dificuldade pós-prandial: inclui o desconforto da plenitude pós-prandial ou saciedade precoce que impede o término da refeição regular. Os critérios de suporte englobam a presença de distensão abdominal superior, náusea pós-prandial ou eructações excessivasSíndrome de dor epigástrica: compreende todos os seguintes sintomas – dor ou queimação em epigástrio, grave o suficiente para interferir com as atividades. A dor não pode ser generalizada, nem se localizar em outra parte do abdome ou tórax e não é aliviada pela evacuação ou pela eliminação de flatos. Os critérios que sustentam o diagnóstico podem incluir:Dor tipo queimação, mas sem o componente retroesternalDor frequentemente induzida ou aliviada pela ingestão de uma refeição, mas pode ocorrer durante o jejum
SIIDor abdominal associada a, pelo menos, um dos seguintes:Relacionado à defecaçãoUma mudança na frequência das fezesUma mudança na forma das fezesEm crianças constipadas, a dor não deve resolver com a resolução da constipação
Enxaqueca abdominalPelo menos 2 episódios de todos os seguintes, cumpridos por, pelo menos, 6 meses: Episódios paroxísticos de dor abdominal intensa, aguda periumbilical, na linha média ou difusa com duração de, pelo menos, 1 hora Episódios separados por semanas a mesesA dor é incapacitante e interfere nas atividades normaisPadrão estereotipado e sintomas no paciente individualA dor está associada a 2 ou mais dos seguintes:AnorexiaNáuseaVômito(s)CefaleiaFotofobiaPalidez
DAF-NEOFDor abdominal episódica ou contínua que não ocorre durante eventos fisiológicos (como alimentação e menstruação, por exemplo)Critérios insuficientes para a SII, DF ou enxaqueca abdominalDepois de uma avaliação adequada, a dor abdominal não pode ser plenamente explicada por outra condição clínica

Legenda: DAF-NEOF – dor abdominal funcional não especificada de outra forma; DDAF – distúrbios de dor abdominal funcional; DF – dispepsia funcional; SII – síndrome do intestino irritável.

Nota: Exceto para dispepsia funcional, os sintomas devem ocorrer, pelo menos, 4 vezes por mês durante 2 meses. Para todos os DDAF, depois de avaliação apropriada, a dor abdominal não pode ser totalmente explicada por outra condição clínica.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019; Friesen et al., 20215,6.

Exame físico

O exame do abdome deve ser minucioso, com atenção para a localização da dor, avaliação de fígado, baço e loja renal, além da presença de massas5. Durante a avaliação abdominal, é importante observar se a distração leva à resolução da dor, um sinal que indica a presença de DDAF. O teste de Carnett (avaliação da sensibilidade abdominal) muitas vezes é útil para diferenciar a síndrome da dor da parede abdominal da dor intra-abdominal originada na víscera1.

Exame perianal e toque retal precisam ser efetuados. Ademais, o pediatra deve enfatizar a avaliação do peso, estatura, velocidade de crescimento e estágio puberal. Manifestações clínicas de alerta incluem: doença perianal, perda ponderal involuntária, desaceleração do crescimento linear e atraso da puberdade5.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Exames laboratoriais básicos devem ser solicitados, incluindo hemograma completo, urina tipo 1, urocultura e exame parasitológico de fezes. Uma investigação laboratorial mais abrangente pode ser necessária, de acordo com a história clínica do paciente, como velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína-C-reativa (PCR), função tireoidiana, amilase, lipase, calprotectina fecal e sorologia para doença celíaca. Apesar de ainda controversa, a realização de rotina de sorologia para doença celíaca é proposta pelo critério de Roma IV, mais atualizado5,18.

Exames de imagem

Com relação a exames de imagem de rotina, como ultrassonografia (USG), por exemplo, não há indicação se o paciente não apresentar evidências clínicas de causa orgânica5. Uma menção especial deve ser feita ao papel da endoscopia digestiva alta (EDA), por se tratar de um exame caro e controverso em termos de sua necessidade e valor no contexto dos DDAF. A EDA é geralmente realizada para identificar a patologia ou descartar uma doença orgânica, ela  pode evidenciar inflamação histológica (esofagite, gastrite, duodenite) e/ou a presença de Helicobacter pylori presente em 23 a 93% dos pacientes, porém o significado clínico desses achados não está bem estabelecido. Para Friesen e colaboradores, o papel da EDA pode estar mudando de uma “busca por doenças” para uma “busca por colaboradores biológicos” dentro do modelo biopsicossocial, particularmente a presença de eosinófilos e mastócitos (ambos parecem ter relação com a DF, enquanto somente os mastócitos parecem colaborar com a patogênese da SII)6.

Em síntese, as evidências atuais, embora limitadas defendem que exames diagnósticos iniciais sejam mínimos na suspeita de DDAF, devendo ser reservados para pacientes com sinais e sintomas de alarme e na presença de queixas específicas. Avaliação adicional também deve ser considerada para pacientes que não respondem ao tratamento, procurando não apenas doenças menos comuns, como colelitíase ou anomalias renais por meio de USG, mas também potenciais contribuintes biológicos, como, por exemplo, eosinófilos e mastócitos através de EDA6,18.

Tratamento

Uma sólida relação paciente-médico, uma comunicação eficaz e a instrução adequada do paciente e de sua família desde o início constituem o cerne do tratamento bem-sucedido dos DDAF. O pediatra deve dedicar bastante tempo da consulta para explicar o diagnóstico aos cuidadores de cada paciente individualmente, discutindo sobre o modelo biopsicossocial, projetando um plano de tratamento e garantindo expectativas realistas, tanto de prognóstico quanto de desfechos1.

 Infelizmente, o manejo dos DDAF é limitado por vários fatores. A natureza biopsicossocial do transtorno dificulta a abordagem, pois cada criança tem um conjunto único de fatores fisiopatológicos e responde de maneira diferente a terapias distintas. Ademais, as evidências científicas em pacientes pediátricos ainda são insuficientes e muitas sugestões de tratamento são, portanto, baseadas em estudos envolvendo adultos (sabe-se, de antemão, que as crianças não respondem da mesma forma que os adultos em incontáveis situações). Por fim, diversos tratamentos eficazes incluem abordagens comportamentais, como modificações de dieta e intervenções psicológicas, e não estão prontamente disponíveis devido à escassez de profissionais de saúde aliados, bem como à falta de cobertura de profissionais por muitos planos de saúde. Com o crescente reconhecimento do papel da microbiota intestinal, uma série de intervenções direcionadas à ela (incluindo uma dieta pobre emoligossacarídeos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis [fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides, and polyols – FODMAP], prebióticos e probióticos), além de intervenções psicológicas e determinados medicamentos estão cada vez mais sendo estudados ​​para o manejo dos DDAF1.

Dieta

Atualmente, o papel da dieta em pacientes com DDAF tem despertado muito interesse em pesquisas científicas e na prática clínica. Mais de 90% dos jovens com DDAF identificam, pelo menos, um alimento que associam ao agravamento dos sintomas GI. Em comparação com controles saudáveis, os pacientes com DDAF evitam alimentos e implementam estratégias de dieta com mais frequência. Embora as reações alimentares adversas possam estar relacionadas a alergias, má absorção ou antecipação de sintomas, também tem havido interesse nos efeitos de componentes dietéticos específicos que interagem no eixo intestino-cérebro6. Na DF, por exemplo, determinados alimentos, como cafeína, picantes e gordurosos, tendem a piorar os sintomas e devem ser evitados5.

Enquanto as evidências de estudos em adultos sugerem que os FODMAP podem ser desencadeadores de sintomas nos DDAF, as evidências em pediatria são muito escassas. No entanto, uma dieta com baixos níveis de FODMAP é comumente prescrita para SII em adultos e crianças, apesar da evidência limitada de sua eficácia. A justificativa para essas restrições dietéticas é baseada na suposição de que uma diminuição na carga de carboidratos fermentáveis ​​de cadeia curta evita o efeito osmótico dos FODMAP, resultando em uma diminuição no volume de água do intestino delgado, limitando a fermentação exagerada de FODMAP pela microbiota do cólon e produção de gás associada, que podem aliviar a DAC. Os FODMAP são mal absorvidos em pessoas saudáveis, bem como em pacientes com DDAF. Todavia, uma alta ingestão de FODMAP está associada a sintomas GI apenas na população com DDAF, o que é explicado pela presença de hipersensibilidade visceral e motilidade intestinal alterada23.  No entanto a sua aplicação deve ser individualizada, evitando grandes restrições e com posterior tentativa de reintrodução do alimento suspenso de forma progressiva.

No que concerne a adoção de dietas com baixo teor de  lactose, uma série de estudos que fizeram uma comparação desse tipo de regime com uma alimentação com lactose em crianças com DDAF mostrou que, na maioria dos casos, uma dieta com baixo teor de lactose não foi útil, mesmo em crianças com um teste de hidrogênio expirado positivo17.

Com relação a dietas gluten-free, é difícil distinguir diferenças claras entre a exclusão de glúten e a melhora dos sintomas relacionados apenas a distúrbios funcionais. Atualmente, em pacientes pediátricos, a dieta sem glúten precisa ser precisamente indicada por um médico e acompanhada de perto por um profissional de saúde, pois pode levar a outras deficiências nutricionais. Nesse contexto,  é pertinente ressaltar a  importância  da sensibilidade não celíaca ao glúten (SGNC), uma condição clínica nova, com pouco conhecimento sobre sua fisiopatologia, mas que tem levantado discussões sobre as restrições dietéticas do glúten em paciente com sintomas que simulam a doença celíaca, porém com componentes histológicos e sorológicos negativos, esse grupo de pacientes se beneficiam de uma dieta gluten-free e seus sintomas podem ser inicialmente entendidos como DDAF. Portanto, mais pesquisas são necessárias para delinear melhor a prevalência e os mecanismos da sensibilidade ao glúten/trigo e seu significado antes de recomendar a restrição ao glúten em crianças com DDAF24.

Considerando que o baixo teor de fibras na dieta é um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças, Shulman e colaboradores observaram, em estudo randomizado, que a fibra psyllium reduziu o número de episódios de dor abdominal em crianças com SII, independente de fatores psicológicos, não alterando a produção de hidrogênio ou metano na respiração, permeabilidade intestinal ou composição do microbioma15,25.

Suplementação de prebióticos

Os prebióticos podem modificar a microbiota intestinal e, presumivelmente, a resposta aos componentes dietéticos absorvidos de forma incompleta1. Em 2018, um estudo conduzido por Huaman e colaboradores, apesar de ter utilizado uma amostra pequena, observou que a diminuição dos sintomas produzidos por uma dieta baixa em FODMAP em pacientes com DDAF desapareceu logo após a interrupção da dieta. Em contraste, a administração de suplemento prebiótico contendo β-galactooligossacarídeo enriqueceu a microbiota e a diminuição dos sintomas persistiu por duas semanas, concluindo que o tratamento intermitente com prebióticos pode representar uma vantagem sobre as restrições dietéticas para pacientes com sintomas intestinais funcionais26.

Suplementação de probióticos

Os probióticos constituem microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro, sendo eficazes contra várias condições patológicas. Esses microrganismos incluem espécies de bacilos de ácido láctico (como Lactobacillus e Bifidobacterium), espécies de Escherichia coli não patogênicas (por exemplo, E. coli cepa Nissle 1917), Clostridium butyricumi, Streptococcus salivarius e Saccharomyces boulardi (espécies de leveduras não infecciosas). Bactérias geneticamente modificadas têm características imunomoduladoras, como estimular a produção de interleucina-10 e do fator trifólio, que têm efeitos benéficos no sistema imunológico4,27.

Atualmente, a suplementação de probióticos tem sida considerada uma opção terapêutica potencialmente benéfica, segura e agradável para crianças com DDAF, sendo associada significativamente ao alívio da dor4, especialmente naquelas com suspeita de SII ou quando os sintomas foram desencadeados após um episódio de gastroenterite ou posteriormente a um curso de antibióticos17.

Lactobacillus rhamnosus GG (LGG)

O Lactobacillus rhamnosus GG (LGG), ATCC 53103 foi originalmente isolado de amostras fecais de um adulto humano saudável em 1983 por Sherwood Gorbach e Barry Goldwin (as iniciais dos sobrenomes [GG] deram origem ao nome do lactobacilo). Foi identificada como uma cepa probiótica potencial por causa de sua resistência a ambientes ácidos e biliares, além de boas características de crescimento e capacidade de adesão à camada epitelial intestinal. Desde então, tem sido uma das cepas probióticas mais amplamente estudadas, usada em uma variedade de produtos probióticos disponíveis comercialmente. Os efeitos benéficos desta cepa têm sido estudados extensivamente em ensaios clínicos e estudos de intervenção em humanos. Diversos impactos positivos sobre a saúde com o uso de LGG estão bem documentados na literatura, incluindo a prevenção e o tratamento de infecções GI (aliviando a diarreia por rotavírus, por exemplo) e do trato urinário, a estimulação de respostas imunológicas ou a prevenção determinadas alergias, como a dermatite atópica. Além disso, o LGG parece ser seguro e eficaz no prolongamento da remissão em pacientes com colite ulcerativa28,29.

Com relação à DDAF, um ensaio randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, de grupo paralelo foi conduzido no sul da Itália entre 2004 e 2008 e concluiu que o LGG reduziu significativamente a frequência e a gravidade da dor abdominal em crianças com SII30. Já uma meta-análise publicada em 2011 mostrou que o uso de LGG aumentou a proporção de respondentes ao tratamento (definido como ausência de dor ou diminuição da intensidade da dor) em crianças com distúrbios GI funcionais, particularmente em crianças com SII. Além disso, o LGG reduziu a frequência e a intensidade da dor, particularmente também entre crianças com SII31. Mais recentemente, Wegh e colaboradores conduziram uma revisão sistemática cuja conclusão foi de que existem evidências insuficientes para o uso de probióticos em DDAF, mas somente o LGG parece reduzir a frequência e a intensidade da dor abdominal, porém apenas em crianças com SII2.

Portanto, apesar de limitadas, as evidências atuais são encorajadoras para o emprego de LGG na dose de 3 × 109 a 1 x 1010 unidades formadoras de colônias (UFC; em inglês, colony forming unit, CFU) por dia. A maioria dos estudos tem avaliado a utilização do LGG duas vezes ao dia durante um período de quatro a oito semanas3,32.

Abordagem psicológica

O objetivo das intervenções psicológicas é reconhecer e reverter o estresse físico e psicológico, primordiais no desencadeamento, exacerbação ou persistência da dor e, dessa forma, auxiliar no controle álgico e da ansiedade da criança. Opções incluem a terapia cognitivo comportamental (TCC) (que, inclusive, tem sido relatadas como das mais efetivas), hipnoterapia e exercícios físicos, como ioga1,5,18.

Medicamentos

Faltam evidências que suportem a eficácia dos tratamentos farmacológicos em crianças com DDAF. Além disso, a qualidade da evidência é geralmente fraca nos estudos existentes, com apenas alguns ensaios clínicos randomizados avaliando a segurança e eficácia dos medicamentos mais comumente usados. A ausência de dados conclusivos para apoiar tratamentos baseados em evidências científicas e a falta de medicamentos aprovados para o manejo dos DDAF em crianças desafiam os pediatras na prática clínica diária1.

Na verdade, o tratamento farmacológico tem o objetivo de aliviar a sintomatologia em casos não responsivos às medidas supracitadas. Em situações específicas, como na presença de distensão pós prandial, gases intestinais, contrações intestinais ou refluxo gastroesofágico, medicamentos antirrefluxo ou antiespasmódicos podem ser úteis. Dessa forma, é essencial que haja cautela à interpretação dos resultados aparentemente satisfatórios de algumas pesquisas clínicas, pelo aspecto flutuante da dor, que evolui com períodos de melhora espontânea, além de possível efeito placebo que possa justificar a melhora dos sintomas18.

Medicamentos que têm sido estudados para o manejo dos DDAF incluem: antiespasmódicos (como óleo de menta, trimebutina, mebeverine e drotaverine), antibióticos de baixa absorção (como rifaximina B e cotrimoxazol), antidepressivos (tricíclicos, como amitriptilina e inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como o citalopram), anti-histamínicos (como ciproheptadina), bloqueadores do canal de cálcio (como flunarizina) e agentes antirrefluxo (como a famotidina)1,17.

Prognóstico

A gravidade e a frequência dos sintomas GI têm impactos diferentes no estado funcional de diferentes grupos de pacientes. As medidas de qualidade de vida relacionada à saúde relatadas pelo paciente devem fornecer informações sobre o impacto diferencial das DDAF no estado funcional de crianças e adolescentes, incluindo aspectos físicos, emocionais, comportamentais, sociais e cognitivos. Um dos grandes objetivos do tratamento da FAPD é a melhora da qualidade de vida, evitando ausências escolares e em tarefas domésticas além da não participação em esportes ou outras atividades1.

Considerações finais

Em pediatria, muitas vezes a DAC é um enorme desafio diagnóstico e, frequentemente, sua etiologia é funcional. A compreensão do modelo biopsicossocial auxilia não somente no tratamento, mas também na prevenção de novas crises álgicas. Em geral, há necessidade de uma abordagem multifatorial, incluindo avaliações dietéticas e controle de fatores psicológicos, sendo necessário um intenso esforço para educação de pais, cuidadores e do próprio paciente. Existe uma urgência na condução de inúmeras pesquisas para entendimento dos DDAF e desenvolvimento de estratégias terapêuticas com significância estatística. O uso de probióticos, em especial o LGG, parece ser extremamente promissor.

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Atuação dos probióticos na doença inflamatória intestinal e doenças do tubo digestivo

Pesquisas recentes têm mostrado um papel relevante para a microbiota intestinal na manutenção da saúde e na ocorrência de doenças e, consequentemente, a manipulação da microbiota por bactérias probióticas tem sido proposta como uma opção terapêutica em diferentes condições patológicas.1

O uso de probióticos, conforme ensaios e estudos clínicos realizados, parece ser eficaz e seguro para ajudar a manter a remissão em indivíduos diagnosticados com doença inflamatória intestinal, como no caso da retocolite ulcerativa, além de representar uma boa opção terapêutica para auxiliar na prevenção de recaídas nesse grupo de pacientes. A justificativa para o uso de probióticos é baseada nas evidências que implicam as bactérias intestinais na patogênese desse distúrbio.1

Pacientes com colite ulcerativa refratária ou fulminante, que passaram por procedimento cirúrgico, tem a bolsite como complicação mais comum de longo prazo. A eficácia de probióticos já foi observada no retardo de longo prazo do primeiro aparecimento de bolsite. A ingestão diária desses compostos oferece benefícios clínicos significativos a esses indivíduos, com baixo risco de efeitos  colaterais.Da mesma forma, foram observados efeitos antiinflamatórios de probióticos na mucosa do cólon de pacientes agravados por doença inflamatória intestinal.2,3

A síndrome do intestino irritável está classificada como a mais estudada entre as doenças funcionais do tubo digestivo devido, sobretudo, à sua alta prevalência e acentuado prejuízo da qualidade de vida. Essas doenças se caracterizam por alterações do eixo cérebro-intestinal, e também disbiose. A adoção de terapia com probióticos, neste caso, teria a função de reequilibrar a microbiota, atuando diretamente sobre a permeabilidade intestinal, apresentando ação imunomoduladora e analgésica.4

A síndrome do intestino irritável (SII) é o diagnóstico mais comum na gastroenterologia. Vários mecanismos podem ser responsáveis ​​pela inflamação nesta enfermidade. A microbiota desequilibrada, por exemplo, pode ser um desses fatores, visto que estudos sobre doença inflamatória intestinal implicam que a própria microbiota é capaz de desencadear inflamação da mucosa.5,6

As opções atuais de tratamento para a síndrome do intestino irritável são consideradas insatisfatórias e os probióticos são uma alternativa terapêutica promissora. A administração de probióticos pode ser considerada uma opção eficaz e segura para aliviar os sintomas desta síndrome, bem como tem correlação com a estabilização da microbiota intestinal.5,6

Ensaios clínicos investigaram o efeito da dieta pobre em alimentos FODMAP (fermentáveis, oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis) frente a probióticos (6 bilhões de UFC/dia) na Síndrome do Intestino Irritável (SII). A dieta FODMAP foi desenvolvida com base na má absorção dos carboidratos de cadeia curta no intestino delgado, que em pacientes com SII podem causar produção de gases.7

Os resultados indicaram que os participantes de ambos os grupos, FODMAP e probióticos, apresentaram redução significativa nos escores de sintomas de gravidade autorreferidos em comparação com o grupo controle, com dieta ocidental.7

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Alguns impactos da Covid-19 sob a perspectiva gastrointestinal

A promoção e a proteção da saúde são os pilares para que o organismo tenha condições de se desenvolver e de atravessar problemas graves sem sequelas, como no caso de uma pandemia viral. A adoção de hábitos saudáveis regulares contribui para a manutenção da qualidade de vida e para a prevenção de doenças em geral. Dado o período de quarentena, seguir uma rotina de estudos e/ou trabalho em casa, com planejamento que envolva disciplina de horários – tanto para as atividades como para o descanso –, com a adoção de uma alimentação balanceada atua preventivamente no bom funcionamento do organismo, no que diz respeito ao fortalecimento dos sistemas como o respiratório, gastrointestinal e imunológico.1

A organização dos horários e o estabelecimento de uma rotina são essenciais para uma maior produção no ambiente do lar, o “home office”. A adoção de uma lista de tarefas com prazos para cumprimento de atividades, por exemplo, auxilia no que se refere à eficácia do estudo e do trabalho em casa.2,3

Hábitos alimentares saudáveis, da mesma forma, contribuem preventivamente para a melhora da qualidade de vida e para o fortalecimento dos sistemas do organismo. Em tempos de pandemia, é preciso manter a disciplina e respeitar o intervalo regrado entre as refeições, além da escolha de alimentos balanceados que são consumidos diariamente.6 

O sistema gastrointestinal, em linhas gerais, é responsável pela absorção de nutrientes, mas também atua em funções imunológicas. Nesse quadro, o seguimento dos comportamentos citados atua no fortalecimento da microbiota intestinal e mantém adequadamente sua essencial atividade metabólica.6 

Da perspectiva específica da saúde gastrointestinal, a microbiota se estabelece desde cedo na vida, e a sua composição é influenciada por diversos fatores, como a alimentação que adotamos. A microbiota intestinal e os componentes da dieta alimentar exercem funções elementares no funcionamento do sistema imunológico: as células da mucosa intestinal constituem a maior porcentagem de células imunes do organismo. A má nutrição e a deficiência alimentar podem perturbar a homeostase intestinal, agravando doenças inflamatórias intestinais em indivíduos suscetíveis, como nos casos daqueles infectados pelo SARS-CoV-2.6

A ciência já oferece alguns dados embasados sobre os aspectos gastrointestinais em pacientes infectados pelo SARS-CoV-2. Estudos de metanálise e dados de pacientes destacam prevalência de manifestações gastrointestinais e eliminação de fezes contaminadas por vírus. O sintoma inicial da infecção pode ser diarreia, a qual é muitas vezes acompanhada de manifestações respiratórias altas.  Em determinados casos, entretanto, a diarreia pode preceder os outros sintomas e, nesses casos, a doença pode apresentar sintomas gastrintestinais que antecedem os respiratórios. Os sintomas predominantes da SARS-CoV-2 são respiratórios, mas manifestações gastrointestinais também podem ocorrer e eventualmente não serem lembradas.4,5

Trabalho recentemente publicado na revista Radiology destaca aspectos intestinais nesses pacientes. Foram realizados exames de imagem como ultrassonografias, tomografias computadorizadas e ressonância magnética. Os achados encontrados incluíram, no sistema gastrointestinal, espessamentos e indicações de isquemia como pneumatose e presença de gás no sistema portal. 4,5 

Segundo os investigadores, as anormalidades de COVID-19 foram mais comuns nos pacientes mais graves, na UTI. Também ressaltaram que a prevenção da transmissão fecal-oral do COVID-19 é, portanto, crucial.4,5

As bactérias comensais que habitam o intestino exercem funções críticas na digestão de alimentos. Em casos de alimentação desbalanceada, por exemplo, a disbiose gerada pode ser corrigida e a composição da microbiota restaurada através da introdução de bactérias probióticas capazes de devolver o equilíbrio homeostático das funções imunológicas do intestino, e até de exercer atividades anti-inflamatórias em várias doenças tais como alergias, doenças inflamatórias crônicas do intestino e, principalmente, diarreias, epidemiologicamente classificadas como os principais desequilíbrios do sistema gastrointestinal.6

Bactérias probióticas foram estudadas para que se analisasse sua capacidade de influenciar a resposta imune inata das células epiteliais intestinais. Esses estudos mostram que a estimulação de vias de sinalização específicas entre as bactérias probióticas e as células do epitélio intestinal pode ajudar a explicar as propriedades benéficas destes probióticos frente ao fortalecimento e à atuação consistente do sistema imunológico.7

Referências

1 – Ministério da Saúde. Guia Alimentar da População Brasileira. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.

2 – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Ergonomia. Disponível em: https://www.ufms.br/especialista-da-dicas-de-ergonomia-em-home-office/. Acesso em: 10 out. 2020.

3 – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dispo Dicas de ergonomia proporcionam conforto e saúde no home Office. Disponível em: https://www.pucrs.br/blog/dicas-de-ergonomia-proporcionam-conforto-e-saude-no-home-office/. Acesso em: 10 out. 2020.

4 – FBG – Federação Brasileira de Gastroenterologia. Serviço Especial Covid-19. Edição 8. Disponível em: http://fbg.org.br/Publicacoes/noticia/detalhe/1336/. Acesso em: 21 out. 2020.

5 – FBG – Federação Brasileira de Gastroenterologia. Serviço Especial Covid-19. Edição 7. Disponível em:  http://fbg.org.br/Publicacoes/Noticia/detalhe/1333/. Acesso em: 21 out. 2020.

6 – FBG – Federação Brasileira de Gastroenterologia. O Intestino e o Sistema Imune. Disponível em: https://sbi.org.br/2019/04/29/o-intestino-e-o-sistema-imune/. Acesso em: 21 out. 2020.

7 – María G Vizoso PintoManuel Rodriguez GómezStephanie SeifertBernhard WatzlWilhelm H HolzapfelCharles M A P Franz. International Journal of Food Microbiol. Lactobacilli stimulate the innate immune response and modulate the TLR expression of HT29 intestinal epithelial cells in vitro. 2009 Jul 31; 133 (1-2): 86-93

Diarreia aguda.

A diarreia aguda é uma das principais causas de atendimento nos serviços de pronto atendimento de Pediatria, e também é uma importante causa de morbidade e mortalidade nessa faixa etária, principalmente nos países em desenvolvimento¹.

É definida como a alteração do ritmo intestinal, na qual as fezes ficam com consistência amolecida ou líquida, podendo ocorrer mais de 3 vezes em 24 horas, durando menos de 14 dias (duração média de 5-7 dias).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica dois tipos de diarreia aguda:

  • Aquosa (incluindo cólera) e com sangue (também chamada de disenteria – infecção intestinal que resulta em diarreia com sangue ou muco).
  • Também classifica a doença diarreica em persistente, nos casos em que sua duração passa de 14 dias.

Quando olhamos para a história clínica e o exame físico de um paciente com diarreia aguda, é muito importante avaliar a presença ou não de sinais de desidratação. A anamnese dirigida deve conter início/duração da diarreia, características das fezes, frequência das evacuações, manifestações clínicas como febre e outras, história de viagens, história de outras pessoas com o mesmo quadro, história alimentar prévia e vigente. O exame deve incluir avaliação do tempo de enchimento capilar, do padrão respiratório e do turgor da pele.

Está recomendado usar as classificações disponíveis para determinar o tratamento a partir do grau de desidratação (leve, moderada, grave). Além disso, checar a aparência geral (incluindo olhos e fontanela), frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, temperatura, resposta a estímulos, e hidratação de mucosas, estado nutricional, capacidade de beber, e diurese.

Assim, tanto a OMS quanto o Ministério da Saúde (MS) do Brasil e outras entidades orientam a avaliação do paciente com diarreia da seguinte forma:

  • Grupo A: paciente está bem, alerta, olhos normais, lágrimas presentes, bebe normalmente, sem sede. O exame físico mostra que o sinal da prega desaparece rapidamente, tem pulso cheio e enchimento capilar normal (< 3 segundos). Não possui sinais de desidratação. Deve ser tratado com plano A (prevenção da desidratação em domicílio).
  • Grupo B: paciente está irritado, intranquilo, olhos fundos, lágrimas ausentes, bebe rápido e avidamente, sedento. O exame físico mostra que o sinal da prega desaparece lentamente, tem pulso rápido, fraco e enchimento capilar prejudicado (entre 3 e 5 segundos). Possui sinais de desidratação quando tem dois ou mais sinais descritos. Deve ser tratado com plano B (terapia de reidratação oral no serviço de saúde).
  • Grupo C: paciente está comatoso, hipotônico, olhos muito fundos e secos, lágrimas ausentes, bebe mal ou não é capaz de beber. O exame físico mostra que o sinal da prega desaparece muito lentamente, tem pulso muito fraco ou ausente e enchimento capilar muito prejudicado (> 5 segundos). Possui sinais de desidratação grave quando tem dois ou mais sinais descritos, sendo pelo menos um dos destacados em negrito. Deve ser tratado com plano C (terapia de reidratação parenteral).

Alguns autores definem gastroenterite como uma inflamação inespecífica do trato gastrointestinal que resulta em diarreia aquosa de início súbito, muitas vezes causada por uma infecção. A gravidade da gastroenterite está ligada à sua etiologia, sendo o rotavirus o agente infeccioso com maior potencial para causar um quadro grave, estando frequentemente associado à desidratação. No Brasil, a vacina contra rotavirus foi incluída no calendário vacinal em 2006, o que reduziu consideravelmente o número de casos dessa infecção.

Vários agentes já foram identificados como causadores de diarreia: bactérias (E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia); vírus (rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus e astrovírus); parasitos (Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora); fungos (Candida albicans).

Revisão da literatura

A PEBMED fez uma revisão da literatura sobre diarreia aguda na criança, buscando as principais recomendações atuais para que o paciente com episódio diarreico seja conduzido da melhor maneira possível.

A revisão bibliográfica foi feita a partir de artigos retirados de bancos de dados de bibliotecas eletrônicas como Pubmed, Scielo, Uptodate e Dynamed, publicados entre 2009 e 2018. Os artigos que expunham o tema de forma clara e tinham seu conteúdo disponibilizado de forma completa nos meios eletrônicos foram prontamente incluídos. 

Referências bibliográficas que foram encontradas de forma cruzada com os artigos de maior relevância para esse trabalho também foram incluídas sem que o ano de publicação fosse critério para exclusão. Para a busca pelos os artigos, foram usados os descritores “diarrhea, infantile diarrhea, dysentery, rotavirus, gastroenteritis, children, diarreia, diarreia infantil, disenteria, rotavírus, gastroenterite, crianças”.

Diarreia aguda em crianças: tratamento

A OMS e o MS orientam seguir os planos A, B e C de acordo com o diagnóstico que foi estabelecido. As diretrizes da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN) / Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas, de 2014, também reforçam que reidratação oral com solução hipo-osmolar deve ser rapidamente iniciada, sendo o principal tratamento. Devemos manter a amamentação, sem alterar a dieta da mãe, inclusive com leite e derivados. Para aquelas crianças que estão internadas e não são amamentadas com leite materno, é possível considerar manejar a diarreia com alimentos isentos de lactose.

Plano A

O plano A consiste em oferecer mais líquido do que o habitual para prevenir a desidratação; manter a alimentação habitual para prevenir a desnutrição; orientar sobre sinais de perigo que devem ser observados a fim de que o paciente seja levado para o serviço de saúde na presença de algum sinal ou se não houver melhora clínica em dois dias; orientar o responsável sobre hábitos de higiene e a reconhecer os sinais de desidratação, assim como preparar e administrar a solução de reidratação oral (SRO); administrar zinco para os menores de cinco anos.

Quantidade de líquido que deve ser oferecido após evacuação diarreica:

  • Para menores de 1 ano: 50-100 mL
  • De 1 a 10 anos: 100-200 mL
  • Maiores de 10 anos: quanto o paciente aceitar

Plano B 

O plano B consiste em administrar SRO sob supervisão médica, buscando evitar a desidratação. Deve ser realizado na unidade de saúde, local onde os pacientes deverão permanecer até que haja reidratação completa e reintrodução da alimentação.

Administrar de 50-100 mL/kg de líquido no período de 4-6 horas. Se os sinais de desidratação desaparecerem, voltar para o plano A. Caso não haja melhora da desidratação, fazer gastróclise. Se houver piora do quadro, evoluindo para desidratação grave, passar para o plano C.

Plano C

O plano C consiste em corrigir a desidratação grave através de hidratação parenteral no serviço de saúde até que o paciente apresente melhora clínica com condições de receber tratamento por via oral. Nessa etapa, há algumas recomendações de como fazer a reidratação parenteral:

– Segundo a OMS:

  • Lactentes e crianças maiores: 100 mL/kg de Ringer Lactato sendo:
    • < 12 meses: 30 mL/kg em 1 hora e 70 mL/kg em 5 horas
    • > 12 meses: 30 mL/kg em 30 minutos e 70 mL/kg em 2,5 horas
  • Caso não haja Ringer lactato disponível, usar Soro Fisiológico (SF)

– Segundo o MS8:

  • Fase rápida (expansão):
    • < 5 anos: 20 mL/kg de SF a cada 30 minutos. Repetir até que a criança fique hidratada;
    • > 5 anos: 30 mL/kg de SF em 30 minutos + 70 mL/kg de Ringer lactato em 2,5 horas
  • Fase de manutenção e reposição (qualquer idade):
    • SG 5% + SF na proporção 4:1 (volume da regra de Holiday& Segar) + KCl 10% 2 mL para cada 100 mL

Regra de Holiday & Segar:

  • Peso corporal de até 10 kg: 100 mL/kg;
  • Peso corporal entre 10 e 20 kg: 1000 mL + 50mL por quilo acima dos 10 kg;
  • Peso corporal superior a 20 kg: 1500 mL + 20mL por quilo que ultrapassar os 20 quilos.

Fase de reposição:

  • SG5% + SF partes iguais – iniciar com 50 mL/kg/dia. Reavaliar de acordo com as perdas diarreicas.

– Segundo ESPGHAN6:

  • Em caso de choque: 20 mL/kg SF em 20 minutos, duas vezes;
  • Se desidratação grave: 20 mL/kg de SF por hora por 2-4 horas.
  • Após a reparação: usar soro de manutenção com concentração de sódio de pelo menos 77 mmoL/Litro para prevenção de hiponatremia

O paciente deve ser pesado antes de iniciar qualquer terapia de reidratação e também a cada 2 horas.

Outro ponto muito importante no tratamento da diarreia aguda é a manutenção da alimentação que forneça quantidade energética apropriada, sendo unânime a recomendação das diversas entidades para manter o aleitamento materno durante o episódio diarreico. Ao longo da etapa de expansão/reversão da desidratação, pode ser necessário recomendar jejum provisório, até que o paciente apresente novamente condições de ser alimentado por via oral.

O emprego do zinco nos casos de diarreia tem reduzido a duração do quadro agudo, que tende a durar menos de sete dias, além de prevenir novas ocorrências nos três meses subsequentes, estando indicado nos quadros de diarreia nos menores de cinco anos. Geralmente prescrito no plano A: administrar zinco de 24/24 horas, por 10 a 14 dias (10 mg/kg nas crianças até 6 meses de idade; 20 mg/kg nas crianças maiores de 6 meses de idade).

A vitamina A tem sido administrada nas regiões norte e nordeste do Brasil, onde há carência dessa vitamina. Isso faz com que o risco de hospitalização e a mortalidade por diarreia diminuam.

Os antibióticos têm indicação limitada, sendo indicados nos casos de disenteria por Shigella:

  • Ciprofloxacino: 15 mg/kg, 12/12 horas, por 3 dias;
  • Azitromicina: 10 a 12mg/kg no primeiro dia e 5 a 6mg/kg por mais 4 dias;
  • Ceftriaxona: 50-100mg/kg IV, 24/24 horas, por 3 a 5 dias nos casos graves;
  • Cefotaxima: 100 mg/kg IV, 6/6 horas, por 3 a 5 dias.

Enquanto OMS desaconselha o uso de antieméticos durante o quadro de diarreia aguda, alegando que a correção da desidratação acaba por fazer cessar os vômitos, o MS não cita o seu emprego. No entanto, algumas diretrizes, como a Íbero-latinoamericana, recomendam usar ondasentrona nos casos de vômitos frequentes – (0,15-0,3/kg), até o máximo de 4 mg VO ou IV.

Alguns probióticos têm ação comprovada na redução da duração da diarreia aguda:

  • Saccharomyces boulardii– 250-750 mg/dia (5-7 dias);
  • Lactobacillus GG – ≥ 1010 CFU/dia (5-7 dias);
  • L reuteri – 108 a 4 x 108 (5-7 dias);
  • L acidophhilus LB –min 5 doses de 1010 CFU >48 h; máximo 9 doses de 1010 CFU por 4 a 5 dias.

Discussão

Nos últimos anos houve grande queda da mortalidade por doença diarreica e isso se deve principalmente à implantação e disseminação da terapia de reidratação oral (TRO).

O diagnóstico do tipo de doença é basicamente clínico, pela história e exame físico, sendo recomendado utilizar tabelas de classificação da desidratação, como as propostas pela OMS e MS.

Apesar da recomendação de se manter uma alimentação que forneça energia adequada para que o paciente melhore seu quadro clínico, a OMS destaca que mais de 30% das crianças com diarreia aguda em países em desenvolvimento são mantidas em jejum ou com redução da dieta durante o período de doença.

Embora não haja evidências para a recomendação de dieta sem lactose para lactentes com diarreia tratados ambulatorialmente, ainda há diversos profissionais que prescrevem esse tipo de dieta. No entanto, parece haver benefício de tal dieta nos pacientes com diarreia aguda que estejam hospitalizados, e naqueles com diarreia persistente (tanto no ambulatório quanto internados).

Em 2002, a OMS alterou a composição dos sais de reidratação oral, diminuindo as concentrações de sódio e glicose (solução hipoosmolar). Ainda não há, no Brasil, uma política para difundir o uso dessa solução com menor osmolaridade, e encontramos soluções com composição variável quando se trata de sódio e glicose.

A TRO está indica para os pacientes que devem ser tratados tanto com plano A quanto com plano B, enquanto a terapia de reidratação parenteral fica reservada para os casos de desidratação grave ou que mantêm sinais de desidratação após 2 horas de TRO.

A reposição de zinco está indicada nos menores de cinco anos em países em desenvolvimento, mas algumas entidades como a ESPGHAN questionam sua validades durante os primeiros seis meses de vida.

As regiões norte e nordeste do Brasil são carentes de vitamina A, sendo recomendado fazer suplementação da mesma no tratamento do episódio diarreico.

Apesar de muitos profissionais prescreverem antibióticos no tratamento da diarreia, seu uso adequado é bastante restrito, como nos casos de disenteria, cólera, infecção aguda comprovada por Giardia lamblia ou Entamoeba hystolitica, falcêmicos, imunossuprimidos, portadores de próteses e crianças com sinais de sepse. Quando bem indicado, seu uso traz benefícios para o paciente. No Brasil, há alta taxa de resistência da Shigella ao sulfametoxazol-trimetropim.

Para que os vômitos cessem, é necessário corrigir a desidratação. No entanto, em alguns casos com vômitos frequentes, que acabam atrapalhando a recuperação do paciente, é possível fazer uso de ondasentrona.

Apesar de ainda não ser consenso, alguns probióticos têm ação comprovada na redução da duração da diarreia aguda.

Conclusões

Considerando as diversas causas de diarreia aguda e seu tratamento com a terapia de reidratação oral (TRO), é possível perceber que mais de 90% dos casos são efetivamente tratados com essa medida simples, que já salvou milhares de vidas a partir do século XX.

Apesar da recomendação da OMS e de sociedades europeias sobre o uso da solução hipo-osmolar no manejo da diarreia, o Brasil ainda não tem uma política pública voltada para difundir e implantar isso adequadamente, sendo necessárias mudanças nesse sentido. Tratar os pacientes de acordo com a classificação e seus planos correspondentes tem mostrado grande eficácia no combate aos episódios diarreicos.

O uso do zinco auxilia o tratamento da diarreia mas ainda não é consenso entre todas as entidades voltadas para esse objetivo. A vitamina A reduz risco de hospitalização e mortalidade por diarreia, sendo recomendada sua suplementação nas regiões mais carentes, como norte e nordeste.

Não está indicado o uso de antibióticos na maioria dos casos de diarreia aguda. Quando houver suspeita de quadro de disenteria causado por Shigella, está recomendado o uso de ciprofloxacino como primeira escolha, mas também é possível usar azitromicina, ceftriaxona ou cefotaxima.

Não há consenso sobre o uso de antieméticos nos casos de vômitos associados à diarreia aguda, mas o uso de ondasentrona tem mostrado benefício no tratamento.

Os estudos sobre a atuação dos probióticos na prevenção e tratamento da diarreia aguda têm aumentado consideravelmente nos últimos anos e algumas sociedades recomendam o uso de determinados probióticos como terapia coadjuvante.

As intervenções de maior impacto no tratamento da diarreia aguda são a hidratação e a nutrição adequadas

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/diarreia-aguda-em-criancas-principais-recomendacoes-para-o-tratamento/

Autora: Ana Carolina Pomodoro. Mestre em Pediatria pela UFF.

Referências bibliográficas:

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  • National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). Diarrhoea and vomiting in children. Diarrhoea and vomiting caused by gastroenteritis: diagnosis, assessment and management in children younger than 5 years. Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/CG84 Último acesso em 21 jan 2018
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  • Guerrant RL, Van Gilder T, Steiner TS, et al. Infectious Diseases Society of America. Practice guidelines for the management of infectious diarrhea. Clin Infect Dis. 2001 Feb 1;32(3):331-351
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  • Guarino A, Ashkenazi S, Gendrel, et al. European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition/European Society for Pediatric Infectious Diseases evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe: update 2014. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014 Jul;59(1):132-52
  • Fleming S, Thompson M, Stevens R, Heneghan C, Plüddemann A, Maconochie I, Tarassenko L, Mant D. Normal ranges of heart rate and respiratory rate in children from birth to 18 years of age: a systematic review of observational studies. Lancet. 2011 Mar 19;377(9770):1011-8
  • Ministério da Saúde do Brasil. Manejo do paciente com diarreia. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/cartazes/manejo_paciente_diarreia_cartaz.pdf Último acesso em 23 jan 2018
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  • Gutiérrez-Castrellón P, Salazar-Lindo E, Polanco-Allué I, Grupo IberoLatinoamericano sobre el Manejo de la Diarrea Aguda (GILA). Guía práctica clínica iberolatinoamericana sobre el manejo de la gastroenteritis aguda en menores de 5 años: esquemas de hidratación y alimentación. An Pediatr (Barc). 2014;80(Supl 1):9-14
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  • Brandt KG, de Castro Antunes MM, da Silva GA. Acute diarrhea: evidence-based management. J Pediatr (Rio J). 2015;91:S36—43.

Distúrbios oportunistas e Tratamento

No período de verão e de recesso das atividades da rotina, no final de ano, é comum a adoção de hábitos que não vislubrem a promoção da qualidade de vida. O desbalanço alimentar é uma característica no contexto de quebra do cotidiano, acarretando consequências diretas à saúde da população. O consumo exagerado de bebidas alcoólicas e de alimentos ultraprocessados pode ser um fator desencadeador de doenças oportunistas, como a intoxicação alimentar e as diarreias infecciosas.1,2,3

A variedade cada vez maior de patógenos entéricos reconhecidos aumenta a necessidade de diretrizes clínicas com base nas melhores evidências atualmente disponíveis. A reposição e manutenção adequadas de fluidos e eletrólitos são essenciais para o gerenciamento de doenças diarreicas. Os riscos mais comuns desses distúrbios são a desidratação e, nos países em desenvolvimento, a desnutrição. Assim, o tratamento inicial crítico deve incluir a reidratação, contendo solução eletrolítica na grande maioria dos casos. A terapia de reidratação oral tem se mostrado amplamente aplicável em todo o mundo. 4

A avaliação clínica e epidemiológica completa deve definir a gravidade e o tipo de doença (por exemplo, febril, hemorrágica, persistente ou inflamatória), exposições (por exemplo, viagens, ingestão de carne crua ou mal cozida, frutos do mar ou produtos lácteos, contatos com outros doentes ou uso recente de antibióticos) e se o paciente é imunocomprometido, a fim de direcionar o desempenho de culturas diagnósticas seletivas, testes de toxinas, estudos de parasitas e eventualmente a administração de terapia antimicrobiana.4

Para a aplicação de métodos diagnósticos que identifiquem infecções entéricas com necessidade de terapia específica, as recomendações de saúde devem ser claras. Elas abordam o seguinte: reidratação oral, conforme já citado, avaliação clínica e epidemiológica, realização de estudos fecais seletivos, administração de terapia antimicrobiana seletiva, antidiarreicos contraindicados e imunizações disponíveis. Essas diretrizes continuarão a evoluir à medida que uma melhor compreensão da patogênese e do desenvolvimento e o uso de testes rápidos e baratos melhorem o diagnóstico e o tratamento de diarreicas infecciosas.4

A diarreia é uma das principais causas de morte nos países tropicais. Estudos epidemiológicos indicaram seus diferentes padrões sazonais, e o período de recesso de final de ano é apontado como a época em que os índices dessa distúrbios crescem vertiginosamente.6,7

Em um cenário de quebra das atividades da rotina, a prevenção de distúrbios infecciosos também perpassa pela educação do paciente. Muitas doenças diarreicas podem ser evitadas seguindo regras simples de higiene pessoal e preparação segura dos alimentos. A diligência no seguimento de uma dieta saudável, com consumo moderado de alimentos ultraprocessados e álcool, atua na promoção e na prevenção da saúde, com foco no fortalecimento do sistema imunológico. Reitera-se que alcoólatras e pessoas com doença hepática crônica apresentam risco aumentado de infecções.4

A mudança na dieta e no ambiente, comum nos recessos e feriados, é um claro exemplo de causa dos quadros clínicos de disbiose. A diarreia do viajante afeta de 20% a 50% dos viajantes para destinos tropicais e subtropicais. Os enteropatógenos bacterianos causam aproximadamente 80% da diarreia do viajante, cuja fonte é predominantemente comida contaminada. Nesse sentido, uma das opções de tratamento, além da reidratação e da retomada dos hábitos alimentares saudáveis, é a administração de probióticos, como forma de redução da incidência deste distúrbio.5

Os probióticos, que são microrganismos vivos que quando administrados em quantidades apropriadas oferecem benefícios à saúde, têm um papel fundamental no restabelecimento da microbiota intestinal em episódios de diarreia. 8

Entre os probióticos, o mais estudado é o Lactobacillus GG (LGG®), que conta com mais de 35 anos de pesquisa e mais de 3500 estudos publicados.9,10

O uso do LGG® tem o papel de equilibrar a flora intestinal e contribuir para a manutenção da saúde digestiva.9

É fundamental que, durante a temporada de férias, se procure garantir a melhor nutrição ao organismo, com foco na promoção e prevenção da saúde.6,7

Referências

1 – Pierre de Truchis, Anne de Truchis. Acute infectious diarrhea. Presse Medicale. 2007 Apr; 36 (4 Pt 2): 695-705.

2 – Federação Brasileira de Gastroenterologia. O Que é Má Digestão? Disponível em: http://fbg.org.br/Publicacoes/noticia/detalhe/1261./ Acesso em: 03 dez. 2020.

3 – Aparna Lal, Simon Hales, Nigel French, Michael G Baker. Seasonality in human zoonotic enteric diseases: a systematic review. PLoS One. 2012; 7(4): e31883.

4 – Richard L. Guerrant, Thomas Van Gilder, Ted S. Steiner, Nathan M. Thielman, Laurence Slutsker, Robert V. Tauxe, Thomas Hennessy, Patricia M. Griffin. Practice Guidelines for the Management of Infectious Diarrhea. Clinical Infectious Diseases, Volume 32, Issue 3, 1 February 2001, Pages 331–351.

5 – Oksanen PJ, Salminen S, Saxelin M, Hämäläinen P, Ihantola-Vormisto A, Muurasniemi-Isoviita L, et al. Prevention of travellers’ diarrhoea by Lactobacillus GG. Ann Med. 1990; 22(1): 53-6.

6 – Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf/. Acesso em: 03 dez. 2020.

7 – R. L. Guerrant, L. V. Kirchhoff, D. S. Shields, M. K. Nations, K. E. McClelland. Prospective Study of Diarrheal Illnesses in Northeastern Brazil: Patterns of Disease, Nutritional Impact, Etiologies, and Risk Factors. The Journal of Infectious Diseases, Volume 148, Issue 6, December 1983, Pages 986–997.

8- Organização Mundial da Saúde –OMS-  Food and Agriculture Organization and World Health Organization Expert Consultation – “Health and Nutrition Properties of Probiotics”. Disponível em http://www.fao.org/3/a-a0512e.pdf acesso em 14-Dez-2020)

9- Capurso L. Thirty Years of Lactobacillus rhamnosus GG. A Review. J Clin Gastroenterol 2019;53:S1–S4.

10- Pubmed disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/?term=lactobacillus+rhamnosus+gg&sort=date acesso em 14-Dez-2020 (Based on the number of Lactobacillus rhamnosus GG clinical studies, as of Dec-2020)

Hábitos alimentares e distúrbios oportunistas na criança

O período de recesso de final de ano traz um novo quadro de risco à população pediátrica, em especial após um ano atípico caracterizado pela pandemia do Sars-CoV-2. Novas medidas fazem parte da rotina de todos, inclusive crianças, como o cumprimento de protocolos sanitários de distanciamento social, o uso de máscaras e o reforço de normas de higiene pessoal. Nesse contexto, as férias escolares promovem a flexibilização desses novos comportamentos, assim como interferem nos hábitos alimentares das crianças: a quebra da rotina tende a estimular o consumo exagerado de alimentos não saudáveis.1

A Sociedade Brasileira de Pediatria ressalta que o período da vida entre a gestação e os dois anos de idade da criança (primeiros 1000 dias) é crítico para a promoção do crescimento e do desenvolvimento do indivíduo devido à acentuada velocidade de multiplicação celular. É consenso que o aleitamento materno é a base da alimentação nesse período inicial, devendo ser oferecida de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida e mantida pelo menos até o segundo ano ou mais, sempre que possível.1

A introdução dos alimentos complementares, para os lactentes, deve conter cereais ou tubérculos, proteína vegetal ou leguminosas, proteína animal, hortaliças e não conter adição de sal. Assim, a nutrição adequada na infância é fundamental para o desenvolvimento completo, com o melhor estabelecimento dos sistemas nervoso, digestivo e imunológico.1

Nesse sentido, cabe aos pais ou responsáveis estarem atentos ao cumprimento dos hábitos alimentares saudáveis por parte das crianças no período de descanso das aulas. A dieta desbalanceada prejudica a manutenção do sistema imunológico e fornece margem para o desenvolvimento de doenças oportunistas, como as infecções gastrointestinais, virais e bacterianas. As intoxicações alimentares são comuns em momentos de quebra da rotina como as festas de final de ano ou viagens, e a diarreia infecciosa aguda é o distúrbio gastroenterológico mais frequente na idade pediátrica.2,3,4

A diarreia infecciosa aguda em crianças possui índices de prevalência consideráveis tanto em países de alta como de baixa renda, ela é a principal causa de desidratação na infância. A taxa de mortalidade, contudo, é maior em países em desenvolvimento: a estimativa é de que a diarreia aguda provoque dois milhões de mortes ao ano em crianças menores de 5 anos.5

Estudos realizados em países tropicais indicam que, durante o verão, as infecções diarreicas aumentam. O distúrbio segue um aspecto de sazonalidade. Por exemplo, os resultados clínicos mostram que episódios diarreicos aumentam em até oito vezes em bebês durante o verão. Além disso, o estado nutricional das crianças foi significativamente associado à incidência de diarreia.6

Além da responsabilidade dos pais e responsáveis quanto à garantia de todos os cuidados preventivos durante o período de verão e de recesso escolar, reitera-se a necessidade e a importância de que toda criança seja acompanhada pelo pediatra de modo sistemático. Aquelas que manifestam dificuldades alimentares ou estejam sendo submetidas à dieta vegetariana ou de outros tipos restritivos, por preferências familiares, necessitam ser acompanhadas pelo pediatra de modo ainda mais frequente para sua segurança.1

Referências

1 – Sociedade Brasileira de Pediatria. Posição da Sociedade Brasileira de Pediatria diante do Guia de Alimentação do Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/ALIMENTACAO_COMPLEMENTAR_MS.pdf./ Acesso em: 03 dez. 2020.

2 – Fewtrell M; Bronsky J, Campoy C, Domello M, Embleton N, Hojsak et al. Complementary Feeding: A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. JPGN 2017; 64: 119–132.

3 – Agostini C, Domellöf M. Infant Formulae: from ESPGAN recommendations towards ESPGHAN-coordinated Global Standards. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005; 41: 580-3.

4 – Kleinman RE, Greer F. Pediatric Nutrition Handbook. 7th ed., ed. Elk Grove, Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2014.

5 – Nedeljko Radlović, Zoran Leković, Biljana Vuletić, Vladimir Radlović, Dušica Simić. Acute Diarrhea in Children. Srp Arh Celok Lek. Nov-Dec 2015; 143 (11-12): 755-62.

6 – William Checkley, Robert H Gilman, Robert E Black, Andres G Lescano, Lilia Cabrera, David N Taylor, Lawrence H Moulton. Effects of nutritional status on diarrhea in Peruvian children. J Pediatrics. 2002 Feb; 140 (2): 210-8.