Probióticos: um potencial aliado contra a covid-19

A covid-19, infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2, pode levar a uma grave inflamação das vias respiratórias e, por isso, já causou milhares de mortes. Para o controle da pandemia, além da vacinação em massa, várias outras estratégias têm sido estudas e o uso de probióticos tem emergido como uma promissora intervenção.

            Probióticos são microorganismos vivos que quando administrados na dosagem correta são capazes de alterar a resposta imune do hospedeiro. Existe uma gama de estudos que mostram que a microbiota intestinal influencia em desordens pulmonares como bronquite crônica, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, enfisema, câncer, derrame pleural e infecções virais. Além disso, já foi demonstrado também que doenças virais pulmonares alteram a microbiota intestinal.

Covid-19 e a microbiota intestinal

Um estudo chinês recente confirmou que a covid-19 causa um desbalanço da microbiota intestinal, o que evidencia a importância da regulação da flora intestinal, principalmente nos pacientes com Covid-19. Dessa forma, em Maio de 2020 um grupo de pesquisadores listou os mais importantes probióticos com potencial para ajudar no combate à doença: L. casei, L. gasseri, B. longum, B. bifidum, L. rhamnosus, L. plantarum, B. breve, Pedicoccus pentosaceus e Leuconostoc mesenteroides.

A infecção pelo SARS-CoV-2, em alguns pacientes, pode desencadear uma tempestade de citocinas que causa injúrias aos pulmões, trato gastrointestinal, cérebro, sistema cardiovascular, rins e olhos. Acredita-se que os probióticos seriam capazes de regular a função imunológica das células presentes na mucosa intestinal, visto que eles podem equilibrar os mecanismos de resposta imune (tanto inato quanto adaptativo).

A covid-19 cursa com 17,6% de sintomas gastrointestinais, sendo a presença de RNA viral nas fezes detectado em até 50% dos pacientes. Estudos experimentais mostram que os probióticos podem aderir às partículas virais impedindo sua ligação ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 nas células epiteliais do intestino.   A colonização pelas bactérias probióticas regula a flora intestinal favorecendo o fortalecimento da barreira mucosa e melhorando a disbiose e sintomas gastrointestinais como diarreia. As bactérias liberam diversas substâncias (como ácido lático, peróxido de hidrogênio, óxido nítrico, biosurfactante) que podem inibir a proliferação viral. Ademais, os probióticos também modulam a resposta imune ao ativar células NK, balancear a resposta Th1/Th2, controlar a produção de citocinas inflamatórias e auxiliar na ativação da produção de anticorpos específicos, atuando na comunicação do eixo pulmão-intestino

Probióticos na covid-19

D´Ettorre e colaboradores avaliaram o uso de probiótico durante a infecção por Sars-CoV-2 em 70 pacientes com covid-19 grave, sendo demonstrado uma redução na duração da diarreia e redução de falência respiratória no grupo intervenção, comparado ao tratamento convencional. Recentemente, estudo duplo cego, randomizado, controlado por placebo foi conduzido nos EUA para avaliar o uso de Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) na proteção contra o desenvolvimento de sintomas de Covid-19 em pacientes que haviam sido expostos ao SARS-CoV-2 nos últimos sete dias. Um total de 182 indivíduos foram avaliados e percebeu-se que os participantes que faziam uso diário de LGG tiveram menos sintomas até o 28º dia em comparação ao grupo que recebeu placebo, além de também terem demorado mais tempo para início da sintomatologia. Apesar do grupo que tomava LGG ter tido menos diagnóstico de covid-19, estatisticamente esse dado não foi relevante.

Apesar da amostra estudada ser pequena, o estudo sugere que o uso de LGG é bem tolerado e foi associado com um número maior de dias após o contato para o desenvolvimento de sintomas, além desses sintomas terem sido mais brandos. Esses dados indicam que outros estudos randomizados controlados maiores precisam ser feitos para avaliar o uso de LGG na Covid-19, principalmente comparando profilaxia pré e pós exposição em populações de alto risco para infecção grave pelo SARS-CoV-2.

Autora:

Raissa Moraes

Médica plantonista do CTI do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião ⦁ Médica do Hospital Dia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestranda em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

Referências bibliográficas:

1.           Veckman V, Miettinen M, Pirhonen J, Sirén J, Matikainen S, Julkunen I. Streptococcus pyogenes and Lactobacillus rhamnosus differentially induce maturation and production of Th1-type cytokines and chemokines in human monocyte-derived dendritic cells. J Leukoc Biol.  2004;75(5):764–71.

2.           Zelaya H, Tsukida K, Chiba E, Marranzino G, Alvarez S, Kitazawa H, et al. Immunobiotic lactobacilli reduce viral-associated pulmonary damage through the modulation of inflammation-coagulation interactions. Int Immunopharmacol. 2014;19(1):161–73.

3.           Khaled JMA. Probiotics, prebiotics, and COVID-19 infection: A review article. Saudi J Biol Sci. 2021;28(1):865–9.

4.           Singh K, Rao A. Probiotics: A potential immunomodulator in COVID-19 infection management. Nutr Res.2021;87:1–12.

5.           Tang H, Bohannon L, Lew M, Jensen D, Jung S-H, Zhao A, et al. Randomised, double-blind, placebo-controlled trial of Probiotics To Eliminate COVID-19 Transmission in Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): a clinical trial protocol. BMJ Open. 2021;11(5):e047069.

6. d’Ettorre G, et al. Challenges in the management of SARS-CoV2 infection: the role of oral bacteriotherapy as complementary therapeutic strategy to avoid the pogression of COVID-19. Front Med. 2020 Jul 7;7:389.

7. Wischmeyer PE, et al. Daily Lactobacillus Probiotic versus Placebo in COVID-19-Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): A Randomized Clinical Trial. MedRxiv 2022.01.04.21268275

Disbiose, doenças inflamatórias intestinais e probióticos

A microbiota intestinal é constituída por fungos, vírus e principalmente bactérias. Em indivíduos saudáveis as principais espécies bacterianas são: Firmicutes (64%), Bacteroidetes (23%), Actinobacteria (8%) e Proteobacteria (3%).   O seu desenvolvimento inicia-se após o nascimento seguindo até o estabelecimento de uma relação simbiótica com o hospedeiro.  A microbiota é essencial para o organismo e tem várias funções fisiológicas como a síntese de vitaminas B e K, formação de ácidos graxos de cadeia curta, manutenção da integridade da mucosa intestinal e produção de bacteriocinas, por exemplo.

Afinal, o que é disbiose?

A relação entre disbiose e doenças intestinais já foi aventada na literatura há muitos anos. Disbiose é definida como desequilíbrio na qualidade e na quantidade da microbiota intestinal. A etiopatogênese inclui obesidade, sedentarismo, dieta rica gordura, baixa em fibras, mas pode também ser causada por gastrectomia, diabetes, medicamentos como os antibióticos e os inibidores da bomba de prótons (IBPs) dentre outros. Este desequilíbrio entre populações bacterianas agressoras e protetoras pode levar a sintomas tais como: alteração de hábito intestinal (diarreia/constipação), flatulência, má absorção de nutrientes, aumento da permeabilidade intestinal, baixa de imunidade e brain fog.

Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)

              Retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) sãodoenças crônicas em que há inflamação do intestino, com etiologia ainda não totalmente esclarecida.  A RCU acomete a mucosa do cólon e do reto, enquanto a DC pode acometer toda a parede intestinal e topograficamente pode acometer da boca ao ânus, com predileção pela região ileocecal. Nas DII já está bem estabelecida a presença de alteração da microbiota do trato gastrointestinal, com aumento das famílias Enterobacteriaceae e redução das famílias Bacteroidetes.  Clinicamente manifesta-se com perda ponderal, anemia, dor abdominal, diarreia/constipação e febre.

Probióticos nas DII

              Probióticos são microrganismos vivos que, em quantidade adequada, conferem benefício para a saúde e têm sido estudados como potenciais agentes terapêuticos nas DII.  Sua capacidade de modular a resposta inflamatória na DII tem sido amplamente investigada.

As funções imunes dos probióticos já relatadas na literatura são:

  • Fortalecer a barreira intestinal através da secreção de muco e cloreto e na mudança na expressão de proteínas integrantes das tight junctions;
  • Reduzir a apoptose de células epiteliais;
  • Reduzir a ativação do fator NF-kB;
  • Aumentar a atividade das células natural killer;
  • Estimular a síntese de citocinas anti-inflamatórias.

A diversidade de cepas probióticas disponíveis no mercado faz com que a escolha por um probiótico seja um enorme desafio. As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são mais comumente usadas nas doenças intestinais, mas outras como Saccharomyces e algumas E.coli também podem ser utilizadas. A colonização bacteriana é essencial ao desenvolvimento e manutenção da homeostase intestinal, portanto deve-se dar prioridade para cepas que colonizam o intestino, nesta escolha. Embora o probiótico VSL#3® atue na indução da remissão na RCU ativa e seja tão eficaz quanto os 5-aminossalicilatos na prevenção de recidivas seu mecanismo de ação ainda não está estabelecido.  A cepa Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) induziu ao aumento de Imunoglobulina A, com melhora da capacidade imunológica intestinal e melhorou a permeabilidade paracelular intestinal dos pacientes. Esta cepa levou também a um maior tempo sem recidiva comparativamente à mesalazina em pacientes com RCU quiescente. Estudos, no entanto, mostraram a necessidade de precaução e cautela na prescrição deste probiótico em casos mais graves, para evitar a possibilidade de bacteremia. 

Diferentemente da RCU, a maioria dos estudos de alta qualidade científica concluiu pela falta de evidências que fundamentam o uso dos probióticos na indução e/ou manutenção da remissão na DC.

Referências bibliográficas:

  1. The International Journal of Inflammatory Bowel Disease is the official publication of the Brazilian Study Group of Inflammatory Bowel Disease (GEDIIB); https://gediib.org.br/wp-content/uploads/2019/10/L3_REVISTA-INTERNATIONAL-JOURNAL_VOL5-N1_PORTUGUES_16-08-2019-1.pdf (gediib.org.br) Acesso novembro 2021;
  2. 2. Shanahan F. (2012). The microbiota in inflammatory bowel disease: friend, bystander, and sometime-villain. Nutrition reviews, 70 Suppl 1, S31–S37. https://doi.org/10.1111/j.1753-4887.2012.00502.x;
  3. Currò, D., Ianiro, G., Pecere, S., Bibbò, S., & Cammarota, G. (2017). Probiotics, fibre and herbal medicinal products for functional and inflammatory bowel disorders. British journal of pharmacology, 174(11), 1426–1449. https://doi.org/10.1111/bph.13632;
  4. Feitosa P S,  Sousa AV. Doença de Crohn e uso de probióticos como tratamento adjuvante Brazilian Journal of Development, Curitiba, 2021, 7 (4); 42872- 42889.

Vera Lucia Ângelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Sócia Proprietária da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Infecções respiratórias: probióticos no tratamento e prevenção

As infecções respiratórias são quadros extremamente comuns, tanto na população pediátrica quanto em adultos. A pandemia da covid-19 trouxe novos reconhecimentos desses quadros como causadores de grande morbidade e mortalidade para a população. Os quadros infecciosos respiratórios trazem inúmeros prejuízos econômicos e financeiros, visto as altas taxas de hospitalizações, absenteísmo e custos para seu tratamento.

A grande variedade de agentes etiológicos e a limitada disponibilidade de vacinas para esses agentes gera um grande desafio preventivo na prática. Assim, formas adicionais de prevenção têm sido buscadas na literatura, com interesse da população geral acerca de evidências a esse respeito.

Infecções respiratórias: o que são?

As infecções respiratórias consistem em síndromes clínicas caracterizadas pela invasão do trato respiratório, em qualquer parte, com produção de sinais e sintomas. Podem ocorrer tanto nas vias aéreas superiores, quando produzem os quadros de resfriado comum, rinites, sinusites, adenoidites, faringoamigdalites, epiglotites e laringites, quanto nas vias aéreas inferiores, onde causam as traqueítes, bronquiolites, tuberculose pulmonar e pneumonias. Em algumas situações, podem ser acometidas mais de uma parte das vias aéreas.

As infecções respiratórias são particularmente graves em alguns grupos, como crianças, idosos, portadores de doenças crônicas, grupos desfavorecidos socialmente e minorias étnicas. A maior parte dos quadros são causados por vírus, apesar de bactérias, fungos e parasitas também estarem envolvidos.                           

As infecções respiratórias de etiologia viral revestem-se de importância pelo seu alto contágio, com surgimento de surtos e epidemias associados, inclusive nos ambientes de creches e escolas. Geralmente, apresentam um caráter sazonal, com aumento dos casos nos períodos do outono e inverno. Porém, podem ocorrer em qualquer época do ano, como observado no último surto de influenza H3N2 observado em várias cidades brasileiras nos meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022.

Como a microbiota intestinal interfere nas infecções respiratórias?

A microbiota intestinal é composta por aproximadamente 104 bactérias de cerca de 1000 espécies diferentes. Os filos Firmicutes e Bacteroidetes formam cerca de 90% dessa microbiota. Chunxi et al (2020) ressaltam as semelhanças que as mucosas intestinal e respiratória apresentam: estrutura embrionária comum, funções estruturais e anatômicas semelhantes e colonização microbiana no início da vida ocorrendo de forma parecida. Assim, essas duas estruturas apresentam relações íntimas, reconhecidas como o eixo intestino-pulmonar (“Gut-lung axis”), com interações recíprocas que podem contribuir para suas funções.

Mudanças na microbiota intestinal não alteram apenas a função desse órgão, mas também podem causar desvios na função de vários outros órgãos. Diversos estudos têm sugerido que mudanças na microbiota intestinal estão associadas a doenças como alergias, doenças autoimunes, diabetes, obesidade e neoplasias, apesar dos mecanismos pelos quais essa relação ocorre ainda não estarem completamente compreendidos.

A microbiota intestinal tem sido reconhecida como tendo um papel relevante com relação à imunomodulação do hospedeiro, incluindo no que diz respeito ao trato respiratório. O papel exato da microbiota intestinal no trato respiratório ainda não é conhecido, mas mecanismos possíveis descritos na literatura sugerem que a regulação da população de células T, a produção de metabólitos da microbiota (como os ácidos graxos de cadeia curta), o desenvolvimento da tolerância imunológica, o aumento da produção de imunidade da mucosa (através do aumento da IgA) e a regulação da produção de citocinas estão envolvidas nessa relação.

Com relação ao papel da microbiota nas infecções respiratórias, diversos autores têm ressaltado a importância dessas relações. Chaux et al (2020) descrevem que a microbiota intestinal beneficia a mucosa respiratória através do estímulo à sua imunidade de mucosa e ao aumento da proteção contra infecções respiratórias, à distância, através da modulação da resposta imune do hospedeiro. Estudos têm observado a diferença da microbiota intestinal em pacientes com determinadas infecções respiratórias (vírus sincicial respiratório, influenza e tuberculose) quando comparados a pacientes sadios.

A desregulação da microbiota intestinal pode gerar um desbalanceamento da resposta imune contra vírus e bactérias, conforme apontam Shahbazi et al (2020). Os mesmos autores esclarecem que a microbiota intestinal está associada à sinalização pela via dos interferons, que são cruciais para a resposta contra infecções virais. Essa modulação pode também ocorrer no trato respiratório, através da migração de células imunológicas da mucosa gastrointestinal para o trato respiratório. Além disso, a microbiota intestinal esteve associada tanto à regulação da imunidade inata quanto da imunidade adquirida.                

Avaliação do uso de probióticos na prevenção e tratamento das infecções respiratórias

Segundo Suez et al (2019), os probióticos podem ser definidos como “microrganismos vivos que conferem benefícios na saúde quando consumidos em quantidades adequadas”. Geralmente, são compostos por cepas das espécies Lactobacillus, Bifidobacterium ou Saccharomyces. Os probióticos têm sido implicados no tratamento da disbiose, que é um desbalanço na população microbiana comensal que pode comprometer a função da mucosa intestinal. O uso dos probióticos apresenta o potencial de manter a barreira de mucosa intestinal e exercer atividade imunomodulatória, através da prevenção ou tratamento da disbiose. 

O uso de probióticos como forma de prevenção e tratamento das infecções respiratórias tem sido levantado na literatura, baseado nos achados de que a microbiota intestinal apresenta um papel fundamental na imunomodulação do sistema respiratório, afetando sua capacidade de defesa contra agentes invasores. A ideia do uso dos probióticos para a melhora dos quadros de infecções respiratórias é que, ao se melhorar a microbiota intestinal, é possível realizar um melhor ajuste dos mecanismos de proteção da via respiratória. Por exemplo, o uso de probióticos em ratos foi associado ao aumento da produção de diversas citocinas (incluindo o TNF-alfa e o IFN-gama) a nível de mucosa respiratória em um estudo experimental. 

Suez et al (2019) relatam que diversas metanálises e revisões sistemáticas sugerem que os probióticos podem ser eficazes em reduzir a gravidade, duração e incidência de infecções respiratórias em crianças e adultos, apesar da baixa evidência desses estudos.    

Uma revisão de 2018 (Robinson et al, 2018) encontrou estudos randomizados nos quais o uso de probióticos, especialmente de cepas do Lactobacillus rhamnosus, esteve associado, com relevância estatisticamente significativa, à redução de pneumonia associada à ventilação mecânica. Já a metanálise realizada por Long et al (2017) encontrou redução nas taxas de infecção respiratórias superiores, redução de absenteísmo escolar e redução do uso de antibióticos associado a infecções respiratórias com o uso de probióticos, apesar das qualidades das evidências também ser baixa. 

Uma revisão sistemática brasileira (Araujo et al, 2015) encontrou resultados que sugerem que o uso de probióticos está relacionado com a redução de novos episódios de infecções respiratórias, principalmente em pacientes com história clínica de infecções respiratórias de repetição. 

Apesar disso, geralmente os estudos indicativos do benefício do uso dos probióticos em infecções respiratórias são baseados em estudos in vitro ou com metodologias inadequadas. Os que são baseados em metodologias apropriadas, como estudos duplo-cego, controlados por placebo, frequentemente apresentam resultados contraditórios. Os mecanismos de benefício dos probióticos na prevenção de doenças respiratórias ainda não são completamente compreendidos, e ainda não está claro se os custos relacionados com o uso de probióticos justificam o uso deles para fins de prevenção e tratamento de infecções respiratórias.  

Por ora, apesar de poucas orientações clínicas disponíveis, há uma crescente tendência de estudar e aplicar na prática o uso dos probióticos na prevenção e no tratamento adjuvante das doenças infecciosas respiratórias. Diversos estudos já destacam a importância da modulação da microbiota através do uso dos probióticos como um mecanismo promissor no controle dos processos inflamatórios. Apesar disso,  há a necessidade de mais testes clínicos randomizados, além do estabelecimento de protocolos padronizados para uso clínico, para que a aplicabilidade clínica seja feita de forma segura e eficaz.

Autora:

Dolores Henriques

Médica formada pela UNIRIO ⦁ Residência médica em pediatria pelo HUPE/UERJ ⦁ Médica concursada do Ministério da Educação (Colégio Pedro II e CEFET-RJ) ⦁ Tem experiência nas áreas de Terapia Intensiva Pediátrica, Pediatria Geral e Medicina de Urgência.

Referências:

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  3. Dhar D, Mohanty A. Gut microbiota and Covid-19- possible link and implications. Virus Res. 2020 Aug;285:198018. doi: 10.1016/j.virusres.2020.198018. Epub 2020 May 13. PMID: 32430279; PMCID: PMC7217790.
  4. Dumas A, Bernard L, Poquet Y, Lugo-Villarino G, Neyrolles O. The role of the lung microbiota and the gut-lung axis in respiratory infectious diseases. Cell Microbiol. 2018 Dec;20(12):e12966. doi: 10.1111/cmi.12966. Epub 2018 Oct 30. PMID: 30329198.
  5. Fiocruz. Observatório do clima e saúde. Infecção respiratória aguda (IRA). <https://climaesaude.icict.fiocruz.br/infeccao-respiratoria-aguda-ira>. Acesso em 11/02/2022. 
  6. Harper A, Vijayakumar V, Ouwehand AC, Ter Haar J, Obis D, Espadaler J, Binda S, Desiraju S, Day R. Viral Infections, the Microbiome, and Probiotics. Front Cell Infect Microbiol. 2021 Feb 12;10:596166. doi: 10.3389/fcimb.2020.596166. PMID: 33643929; PMCID: PMC7907522.
  7. Instituto Butantan. Surto de influenza H3N2 foi impulsionado por cepa mais transmissível, baixa vacinação e redução das medidas contra covid. <https://butantan.gov.br/noticias/surto-de-influenza-h3n2-foi-impulsionado-por-cepa-mais-transmissivel-baixa-vacinacao-e-reducao-de-medidas-contra-covid>. Acesso em 12/02/2022. 
  8. Long JD, Morris A. Probiotics in Preventing Acute Upper Respiratory Tract Infections. Am J Nurs. 2017 Dec;117(12):69. doi: 10.1097/01.NAJ.0000527494.16987.1e. PMID: 29189253.
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  12. Strauss M, Mičetić-Turk D, Pogačar MŠ, Fijan S. Probiotics for the Prevention of Acute Respiratory-Tract Infections in Older People: Systematic Review. Healthcare (Basel). 2021 Jun 7;9(6):690. doi: 10.3390/healthcare9060690. PMID: 34200435; PMCID: PMC8228160.
  13. Suez J, Zmora N, Segal E, Elinav E. The pros, cons, and many unknowns of probiotics. Nat Med. 2019 May;25(5):716-729. doi: 10.1038/s41591-019-0439-x. Epub 2019 May 6. PMID: 31061539.
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Risco de obesidade e disbiose [podcast]

Neste episódio, produzido pela PEBMED em parceria com a Cellera Farma, Vera Lucia Angelo Andrade e Roberta Esteves Vieira de Castro abordam sobre a relação entre obesidade e disbiose e as muitas investigações sobre essa relação. Entretanto, a associação de um ambiente disbiótico em pacientes com obesidade requer maior avaliação.

Confira agora:

Entenda o risco de obesidade e disbiose

A ruptura do equilíbrio ecológico no intestino (disbiose) está relacionada a muitos procedimentos patológicos, em particular, a obesidade. A diminuição da diversidade microbiana é a manifestação mais conhecida da disbiose intestinal, que tem relação com muitos distúrbios, como a obesidade. Está comprovado que o desequilíbrio da microbiota intestinal (MI) surge, principalmente, devido ao aumento sustentado das Proteobactéria. No entanto, a MI humana natural geralmente contém uma baixa proporção deste filo. Bacteroides acidifaciens tem um papel potencial na modulação de distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes. A administração desta bactéria a camundongos leva ao eixo do receptor alfa ativado pelo proliferador de 5 peroxissoma (BA-TGR5-PPARα) no tecido adiposo. Essas interações estimulam a ativação da oxidação da gordura, o que provavelmente leva a um alto gasto energético, e, a ativação da dipeptidil peptidase-4 no intestino eleva o glucagon-like peptide-1 (GLP-1) e, presumivelmente, a modulação da homeostase da glicose. 

Muitas investigações sugerem uma relação entre obesidade e disbiose; entretanto, a associação de um ambiente disbiótico em pacientes com obesidade requer maior avaliação. A dieta é provavelmente o principal fator determinante no equilíbrio da MI. Dietas ricas em açúcar, independentemente do teor de gordura, estimulam a disbiose rápida. A disbiose relacionada à dieta está associada a um aumento na ativação do receptor intestinal tipo toll-4 (TLR-4) (receptor de lipopolissacarídeo (LPS) e inflamação gastrointestinal. As manifestações do ecossistema disfuncional que levam à baixa estabilidade da microbiota estão relacionadas tanto à obesidade quanto à doença inflamatória intestinal. A disbiose induzida pela obesidade se distingue, principalmente, pelos níveis crescentes de fezes e flagelina circulantes, peptidoglicano e LPS. A ruptura na barreira intestinal e sua integridade tem um papel notável na incidência de estado inflamatório crônico relevante para a obesidade e muitos distúrbios relacionados à obesidade e sua fisiopatologia. No entanto, a redução da espessura da camada de muco segue a invasão da microbiota, que estimula as funções dos padrões moleculares associados a micróbios (MAMP) com células intestinais. As células hospedeiras podem reconhecer MAMP por receptores de reconhecimento padrão, como os receptores do tipo NOD (do tipo de oligomerização de ligação de nucleotídeos) (receptor), TLR e de domínio de oligomerização de ligação de nucleotídeos. O aumento do vazamento de LPS (endotoxemia metabólica) é relevante para junções intercelulares interrompidas desencadeando, diretamente, inflamação e sensibilidade à insulina prejudicada. O nível de endotoxina e a perda de peso mostram o papel potencial dos probióticos na supressão da produção de endotoxina, e a disbiose relacionada à obesidade é a consequência dessas interações. No geral, as pesquisas mostram que a obesidade é relevante para a disbiose maior, que piora ainda mais com o aumento do IMC e o agravamento do distúrbio.

Probióticos e obesidade

Bactérias probióticas, incluindo Bifidobacterium spp e Lactobacillus spp e prebióticos, como frutooligossacarídeos, inulina e galactooligossacarídeos, são os ingredientes funcionais mais investigados e, presumivelmente, alteram as interações da MI. Os probióticos desempenham um papel importante na manutenção do equilíbrio na composição e são considerados um candidato potencialmente adequado para o tratamento da obesidade.

As correlações existentes entre a MI e as modificações da composição corporal revelam a influência dos probióticos no metabolismo energético na obesidade. Evidências pré-clínicas declaram propriedades “antiobesidade” para o gênero Lactobacillus como probióticos. Por exemplo, pesquisas com animais mostram que a administração de probióticos presumivelmente reduz o ganho de peso em resposta a uma dieta rica em gordura, e o exemplo mais conhecido é a suplementação de probióticos com L. curvatus HY7601 ou L. curvatus HY7601 em camundongos alimentados com uma dieta rica em gordura e colesterol em parte com L. plantarum KY1032, que previne e reduz o peso corporal e dos tecidos, respectivamente. Os probióticos contendo L. curvatus HY7601 diminuem significativamente o acúmulo de gordura no fígado em comparação com L. plantarum KY1032 na obesidade relacionada à dieta. Este probiótico tem grande eficiência na prevenção de expressões gênicas relevantes para a síntese de diferentes enzimas de ácidos graxos no fígado. Pesquisas em 14 cepas probióticas vivas, como Bifidobacterium, Lactobacillus, Lactococcus e Propionibacterium, revelaram diminuir notavelmente a massa corporal total e o peso do tecido adiposo visceral, através da melhoria da sensibilidade à insulina usando misturas probióticas, incluindo biomassa concentrada na infância.

Everard et al. relataram as propriedades antiobesidade de Saccharomyces boulardii Biocodex em camundongos que sofrem de DM2 e obesidade. Essas características úteis de S. boulardii afetam o metabolismo do hospedeiro pertinente aos efeitos locais no intestino. O peso do ceco foi aumentado por S. boulardii, porém, também induz modificações significativas na composição microbiana do intestino em nível de filo, família e gênero. Essas modificações em resposta ao S. boulardii presumivelmente estão associadas ao metabolismo no hospedeiro.

Concisamente, o tratamento da obesidade por modulação da MI usando probióticos ou intervenção dietética, devido às suas vantagens úteis, pode afetar o peso corporal, o metabolismo da glicose e da gordura, melhorando a sensibilidade à insulina e diminuindo a inflamação sistêmica crônica em humanos. No entanto, a propriedade mais proeminente dos probióticos no metabolismo do hospedeiro em investigações humanas é descrita geralmente para cepas de Lactobacillus e/ou Bifidobacterium. Foi demonstrado que alimentar ratos com leite desnatado fermentado por L. gasseri SBT2055 diminui o tamanho dos adipócitos e aumenta o número de pequenos adipócitos no tecido adiposo branco.

Prebióticos e simbióticos

Um prebiótico é explicado como um ingrediente dietético seletivamente fermentado em alterações específicas na ativação da MI ou em sua composição, incluindo efeitos benéficos na condição de saúde do hospedeiro. Notavelmente, as modulações da MI pelo uso de prebióticos na obesidade e outras complicações não abolem a permeabilidade do intestino, endotoxemia e inflamação, porém, diminuem a massa corporal e acúmulo de gordura e induzem a homeostase da glicose (tolerância à glicose e resistência à insulina), metabolismo lipídico, e sensibilidade à leptina. Recentemente, descobrimos que o consumo diário de 20 g de oligofrutose diminuiu a produção de glicose hepática basal em indivíduos saudáveis ​​sem qualquer efeito no metabolismo da glicose estimulada pela insulina e lipídios no DM2. Os prebióticos do tipo inulina podem modular o metabolismo de lipídios e glicose. A oligofrutose reduz a ingestão de alimentos, o desenvolvimento de massa gorda e a esteatose hepática em camundongos normais e camundongos com obesidade; além disso, tem um efeito antidiabético em ratos tratados com estreptozotocina e camundongos alimentados com dieta rica em gordura. 

O termo simbiótico é usado quando um produto contém probióticos e prebióticos. Crianças-alvo simbióticos mostram uma redução notável nos níveis séricos de triglicerídeos e colesterol de lipoproteína de baixa densidade. Portanto, os impactos úteis de um suplemento simbiótico no excesso de peso e outros fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes podem ser considerados na prática clínica. Prebióticos em parte com suplementação de simbióticos podem ser usados ​​como terapia adjuvante em comorbidades relacionadas à obesidade, incluindo dislipidemia e resistência à insulina.

Convidada:

Roberta Esteves Vieira De Castro: Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação.

Autor:

Vera Lucia Angelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Referência bibliográfica:

Sheykhsaran E, Abbasi A, Ebrahimzadeh Leylabadlo H, et al. Gut microbiota and obesity: an overview of microbiota to microbial-based therapies [published online ahead of print, 2022 Feb 9]. Postgrad Med J. 2022;postgradmedj-2021-141311. doi:10.1136/postgradmedj-2021-141311

Atopia: o que é e como os probióticos auxiliam no tratamento

A alergia é definida como uma resposta anormal do sistema imunológico a substâncias estranhas chamadas alérgenos e geralmente abrange alimentos, pólen, pele, lã, drogas, produtos químicos, animais, ácaros e assim por diante¹. A atopia (também conhecida como sensibilização alérgica) é marcada pela presença de anticorpos imunoglobulina E (IgE) específicos para alérgenos séricos ou por um teste cutâneo positivo para substâncias que podem induzir uma reação de hipersensibilidade. Em indivíduos sensibilizados, a exposição ao alérgeno por inalação, ingestão ou contato com a pele pode levar a doenças, como asma, rinite, dermatite atópica (DA), alergia alimentar (AA), febre do feno, urticária e anafilaxia sistêmica2,3. O desenvolvimento de manifestações atópicas é o resultado de uma predileção genética para produzir IgE específica após a exposição a alérgenos. Nesse processo, a apresentação do alérgeno processado pelas células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T leva à ativação dos linfócitos B e subsequente produção de IgE específica4.

A prevalência de doenças alérgicas está aumentando em todo o planeta, representando um fardo significativo para a sociedade, tanto econômica quanto psicossocialmente5. As doenças alérgicas têm sido associadas a fatores genéticos e/ou ambientais, como o uso de antibióticos de forma inadvertida, dieta com alto teor de gorduras e baixo teor de fibras, que levam à disbiose intestinal precoce e são responsáveis pelo aumento da prevalência de alergia, especialmente nos países ocidentais6. Dados da literatura descrevem que, globalmente, mais de 30% das crianças são alérgicas, com até 10% delas apresentando asma e rinite alérgica e 5 a 7% com AA. O termo “epidemia de alergia” tem sido aplicado para enfatizar esse aumento³.

O eixo intestino-pele desempenha um papel no desenvolvimento de doenças alérgicas por meio da interação imunológica e do microbioma entre o sistema gastrointestinal e a pele. As microbiotas intestinal e cutânea também desempenham um papel fundamental nas vias imunológicas de ambos os sistemas implicadas na patogênese dos distúrbios alérgicos. Inclusive, as doenças alérgicas têm sido caracterizadas por redução da diversidade microbiana, incluindo menos lactobacilos e bifidobactérias, na microbiota neonatal, antes do aparecimento das doenças atópicas (a disbiose intestinal no início da vida foi identificada como um marcador potencial de DA, AA e doenças alérgica das vias aéreas)6,7.

Dados da literatura mostram um aumento do interesse em estratégias de manipulação da microbiota para restaurar o equilíbrio microbiano para a prevenção de doenças atópicas, por meio do uso de probióticos6. Probióticos são microrganismos vivos, que em quantidades adequadas, são potencialmente benéficos para a saúde ao modular a composição da microbiota intestinal, exercendo efeitos imunomoduladores sistêmicos em outros órgãos, além do intestino7

Abordagem clínica da atopia

O diagnóstico de alergias depende de uma história de sintomas de exposição a um alérgeno juntamente com a detecção de IgE específica que pode ser realizada de forma confiável por testes séricos específicos ou testes cutâneos, não sendo esses testes mandatórios para todas as alergias. Ademais, o diagnóstico preciso dos alérgenos responsáveis pela doença alérgica representa oportunidades para terapias específicas, como prevenção de alérgenos e imunoterapia².

Atualmente, pesquisas envolvendo o uso de probióticos no manejo das atopias têm sido realizadas. As interações entre os probióticos e o sistema imunológico podem ser benéficas para a prevenção e o tratamento de doenças alérgicas; no entanto, ainda faltam evidências para apoiar esta conclusão. Além disso, o advento da hipótese microbiana levantou novas preocupações sobre a associação entre as respostas imunes e a microbiota intestinal humana e o impacto dessa associação no desenvolvimento de doenças alérgicas8

Probióticos no tratamento da atopia

O efeito dos probióticos na prevenção e tratamento de alergias ocorre através de mecanismos que precisam ser mais bem compreendidos9. A hipótese do ambiente sugere que a exposição insuficiente ou aberrante a micróbios ambientais é uma das causas do desenvolvimento de alergias e suas doenças associadas10. A microbiota intestinal influencia o desenvolvimento da resposta imune e o equilíbrio de células Th1 / Th2 que, por sua vez, determinam o desenvolvimento da tolerância oral. As células imunes do tipo Th2 produzem interleucina 4 (IL-4), que é essencial para a diferenciação das células B em células produtoras de IgE, e IL-5, que é importante para a atividade de eosinófilos e linfócitos. A permeabilidade intestinal também é alterada, permitindo a absorção de macromoléculas antigênicas9.

Os microrganismos que compõem os probióticos são geralmente bactérias do ácido láctico, incluindo Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus rhamnosus. As espécies de Lactobacillus possuem várias propriedades importantes, como aderência eficiente às células epiteliais intestinais para reduzir ou prevenir a colonização de patógenos, crescimento competitivo e produção de metabólitos para inibir ou matar patógenos e não patógenos. No entanto, outras espécies bacterianas, como Bacillus, Bifidobacterium spp. e Propionibacterium spp também foram descritas como cepas probióticas em vários produtos comerciais10.

Evidências atuais não apoiam o uso rotineiro de probióticos como uma intervenção para prevenir qualquer forma de doença alérgica, com exceção da DA em bebês de alto risco. As cepas, as dosagens, o momento e a duração ideais da administração de probióticos permanecem desconhecidos. No entanto, a pesquisa nesta área está em andamento e espera-se que forneça melhores insights sobre como os probióticos podem contribuir para a prevenção ou tratamento de doenças atópicas5.

LGG® no tratamento da atopia

Uma revisão sistemática de 2007 da Cochrane incluiu seis estudos com um total de 2.080 bebês, avaliando os resultados do uso de probióticos em doenças alérgicas e / ou alergias alimentares. A revisão concluiu que todos os estudos que relataram benefícios significativos usaram suplementos probióticos contendo Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®), a cepa que mais tem sido estudada atualmente. Estudos recentes demonstraram que a suplementação com bactérias probióticas, como LGG®, é capaz de modular a microbiota intestinal que envolve a redução de bactérias patogênicas, incluindo colesterol, e, inversamente, um aumento no nível de bifidobactérias benéficas em neonatos com alergias11,12,13.

O LGG® foi relatado em um número limitado de estudos para melhorar certas respostas específicas de vacina14. Estudos randomizados demonstraram que quando o LGG® ou placebo foram dados a gestantes com histórico familiar sério de DA, rinite alérgica ou asma e depois em recém-nascidos durante os primeiros seis meses após o parto, a incidência de DA em crianças diminuiu em 50%, 44% e 36% em dois anos, quatro anos e sete anos, respectivamente13.  Com relação a AA à proteína do leite de vaca (APLV), uma metanálise recente  demonstrou, em uma análise de subgrupo, benefícios significativos da administração de LGG® na indução de tolerância e em efeito dependente da duração na indução de tolerância observado após, pelo menos, dois anos15.

Para Licciard e colaboradores, a suplementação materna de LGG® pode não ser benéfica em termos de melhoria da imunidade específica à vacina em bebês. No entanto, mais estudos clínicos são necessários. Como os efeitos imunológicos probióticos podem ser específicos da espécie / cepa, o uso potencial de bactérias probióticas para modular as respostas imunológicas infantis às vacinas não pode ser descartado14.

 Autora:

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Referências bibliográficas: 

  1. Balta I, Butucel E, Mohylyuk V, et al. Novel Insights into the Role of Probiotics in Respiratory Infections, Allergies, Cancer, and Neurological Abnormalities. Diseases. 2021;9(3):60
  2. Douglass JA, O’Hehir RE. 1. Diagnosis, treatment and prevention of allergic disease: the basics. Med J Aust. 2006;185(4):228-233
  3. Lambrecht BN, Hammad H. The immunology of the allergy epidemic and the hygiene hypothesis. Nat Immunol. 2017;18(10):1076-1083
  4. de Wit J, Dalm V, Totté JE, et al. Atopic manifestations are underestimated clinical features in various primary immunodeficiency disease phenotypes [published online ahead of print, 2021 Nov 26]. J Investig Allergol Clin Immunol. 2021;0
  5. Wang HT, Anvari S, Anagnostou K. The Role of Probiotics in Preventing Allergic Disease. Children (Basel). 2019;6(2):24
  6. Sestito S, D’Auria E, Baldassarre ME, et al. The Role of Prebiotics and Probiotics in Prevention of Allergic Diseases in Infants. Front Pediatr. 2020;8:583946
  7. Suaini NHA, Siah KTH, Tham EH. Role of the gut-skin axis in IgE-mediated food allergy and atopic diseases. Curr Opin Gastroenterol. 2021;37(6):557-564
  8. Kim HJ, Kim HY, Lee SY, Seo JH, Lee E, Hong SJ. Clinical efficacy and mechanism of probiotics in allergic diseases. Korean J Pediatr. 2013;56(9):369-376
  9. Capurso L. Thirty Years of Lactobacillus rhamnosus GG: A Review. J Clin Gastroenterol. 2019;53 Suppl 1:S1-S41
  10. Tang RB, Chang JK, Chen HL. Can probiotics be used to treat allergic diseases?. J Chin Med Assoc. 2015;78(3):154-157
  11. Toh ZQ, Anzela A, Tang ML, Licciardi PV. Probiotic therapy as a novel approach for allergic disease. Front Pharmacol. 2012;3:171
  12. de Azevedo MS, Innocentin S, Dorella FA, et al. Immunotherapy of allergic diseases using probiotics or recombinant probiotics. J Appl Microbiol. 2013;115(2):319-333
  13. Eslami M, Bahar A, Keikha M, Karbalaei M, Kobyliak NM, Yousefi B. Probiotics function and modulation of the immune system in allergic diseases. Allergol Immunopathol (Madr). 2020;48(6):771-788
  14. Licciardi PV, Ismail IH, Balloch A, et al. Maternal Supplementation with LGG Reduces Vaccine-Specific Immune Responses in Infants at High-Risk of Developing Allergic Disease. Front Immunol. 2013;4:381
  15. Tan-Lim CSC, Esteban-Ipac NAR. Probiotics as treatment for food allergies among pediatric patients: a meta-analysis. World Allergy Organ J. 2018;11(1):25

LGG® na dor abdominal: qual papel do probiótico? [vídeo]

Qual é o papel do probiótico LGG® na dor abdominal? Neste vídeo produzido em parceria com a Cellera Farma,

abordamos sobre o uso dos Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) nas desordens associadas à dor abdominal funcional, que é dividida em quatro grupos: dor abdominal funcional, síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional e migrânea abdominal.

Afinal, podemos utilizar os probióticos na tentativa de modular a sensibilidade intestinal?

Aperte o play e confira!

Autor: Guilherme Grossi Cançado

Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, SBH, GEDIIB.

Distúrbios de dor abdominal funcional: O que são e como abordar clinicamente?

Roberta Esteves Vieira de Castro, MD, MSc, PhD

Introdução

As doenças funcionais gastrointestinais (FGIDs) englobam um grupo de desordens caracterizadas por sintomas relacionados ao comprometimento de órgãos do trato gastrointestinal, sem que haja evidências clínicas ou laboratoriais de uma doença orgânica,  isto é, são condições crônicas recorrentes que não são explicadas por etiologias fisiológicas, estruturais ou biomédicas subjacentes2,3,4. Portanto, ocorrem na ausência de uma causa anatômica, inflamatória ou relacionada a dano tecidual5. Dentre elas destacam-se os distúrbios de dor abdominal funcional (DDAF), que são comumente encontrados na infância, afetando, globalmente, até 25% de lactentes e crianças. Dada sua etiologia biopsicossocial envolvendo interações complexas dentro do eixo intestino-cérebro, os DDAF são referidos como “distúrbios da interação intestino-cérebro”. Atualmente, inclusive, o eixo intestino-cérebro tem sido precisamente referido como o “eixo microbiota-intestino-cérebro”, refletindo uma extraordinária expansão da compreensão da magnitude, complexidade, papel e interações das populações microbianas hospedadas dentro do lúmen do trato gastrointestinal (TGI)1.

Os DDAF são frequentemente caracterizados pela presença de hiperalgesia visceral e aumento da percepção central de estímulos viscerais, o que parece ocorrer como o resultado final de fatores psicossociais sensibilizantes e fatores clínicos sobrepostos a predisposição genética e a eventos do início da vida. O início da vida inclui todos os estágios da infância e da adolescência, onde ocorre crescimento, além do desenvolvimento estrutural e funcional dos órgãos, embora a vulnerabilidade do eixo microbiota-intestino-cérebro pareça ser maior durante o período perinatal e nos primeiros anos de vida1.

Assim como em pacientes adultos, os DDAF em pediatria são subclassificados por meio dos critérios de Roma IV em outras condições clinicamente distintas: síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional (DF), enxaqueca abdominal e dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)1.

O objetivo do presente artigo é fornecer uma visão geral e atualizada dos DDAF em pediatria, com foco no uso de probióticos para o tratamento, tema atual e que gera muitas dúvidas entre pacientes, famílias e profissionais de saúde.

Epidemiologia

Os DDAF são extremamente comuns em pacientes pediátricos atendidos por gastroenterologistas1. Dados da literatura mostram que as taxas de prevalência podem variar de 0,3 a 19% em crianças em idade escolar na Europa e nos Estados Unidos7, chegando a ser responsáveis por mais de 50% de todas as consultas clínicas de gastroenterologia pediátrica (GP)8. Em metanálise, Korterink e colaboradores descreveram que, em geral, a prevalência combinada encontrada para DDAF é de 13,5%, sendo que a prevalência relatada variou amplamente, de 1,6 a 41,2%7. No Brasil, Alves e colaboradores relataram que a dor abdominal funcional (DAF) correspondeu a 70% dos casos de dor abdominal crônica (DAC) atendidos em um ambulatório universitário de GP no período de janeiro de 2009 a outubro de 20149.

Quanto à subclassificação dos DDAF, a prevalência da SII em pacientes pediátricos pode variar de 1,2 a 45%10,11. Em relação à DF, uma prevalência de 3 a 27% é descrita em pediatria, sendo que 12 a 16% das crianças encaminhadas para clínicas de cuidados terciários nos Estados Unidos apresentam a condição12. Já a prevalência de enxaqueca abdominal infantil é em torno de 9,3%13. No entanto, embora os DDAF sejam indubitavelmente prevalentes em crianças, os estudos epidemiológicos têm sido dificultados devido à falta de parâmetros diagnósticos adequados. O desenvolvimento de critérios diagnósticos e a subclassificação do original “dor abdominal recorrente em crianças” só se tornaram disponíveis a partir de 2005, com o advento dos critérios de Roma II. Desde então, as duas outras versões dos critérios de Roma tiveram mudanças substanciais, agravando o problema de elucidar e comparar dados de prevalência de diferentes estudos. Um fator limitante que impede a comparabilidade dos dados em todo o mundo é o uso de diferentes ferramentas de avaliação. Cerca de 80% dos estudos publicados que aplicaram os critérios de Roma III usaram o “questionário sobre sintomas gastrointestinais (GI) pediátricos dos critérios de Roma III” para avaliação. Todavia, pesquisas divulgadas que aplicaram os critérios de Roma I ou II usaram uma grande variedade de outros instrumentos1.

A elevada prevalência mundial e seu impacto substancial no bem-estar dos pacientes pediátricos justificam o investimento de recursos e campanhas educacionais direcionadas à prevenção e tratamento, com atenção especial aos distúrbios psicológicos e à redução do estresse7.

Fatores de risco

Dados da literatura mostram que o sexo feminino está associado a uma maior prevalência de DDAF. Este predomínio em meninas tem sido relatado em todos os continentes. Supõe-se que os níveis de hormônios sexuais possam desempenhar um papel, o que é corroborado por observações de que pacientes na pré-menopausa apresentam exacerbação de dor abdominal durante a menstruação. Os hormônios ovarianos podem modular o processo de percepção da dor visceral e a suscetibilidade ao estresse. Embora as crianças mais novas não tenham atingido a maturidade sexual, isso também pode se aplicar aos adolescentes. Outra razão pode ser o fato de que o sexo feminino tem uma maior predisposição para relatar experiências somáticas, como dor. A predominância de meninas também foi descrita em outras queixas funcionais, como constipação funcional e cefaleia. Outros dados mostram que distúrbios psicológicos, estresse e eventos traumáticos aumentam a prevalência de DDAF, mas os estudos não têm mostrado associação com a idade nem com o status socioeconômico7. Ademais, a ingestão de baixo teor de fibras é relatada como um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças15. Por fim, uma história familiar de DDAF de um modo geral, principalmente de SII, foi relatada como um relevante fator de risco epidemiológico1.

Fisiopatologia

O desenvolvimento de DAC é um processo complexo que parece resultar da interrupção da integridade funcional e/ou, de uma forma mais sutil, da integridade estrutural de um ou mais elementos do eixo microbiota-intestino-cérebro. Há muito tempo, o modelo biopsicossocial é reconhecido nesse contexto. Esse modelo defende que os sintomas surgem por meio de várias vias que incluem fatores biológicos (como genética, dismotilidade, hipersensibilidade visceral, inflamação, distúrbios do sono e disbiose), fatores psicológicos (como ansiedade, depressão, baixa autoestima, hospitalização recente e enfrentamento disfuncional) e fatores sociais (como dificuldades de relacionamento com pais, colegas ou professores, bullying e abuso infantil) que interagem uns com os outros. De acordo com o modelo supracitado, todos esses fatores podem contribuir para o início ou persistência da dor, assim como para a gravidade e a frequência dos sintomas contínuos. Embora o protótipo permaneça relevante, ele continua a evoluir, reconhecendo uma complexidade muito maior nessa fisiopatologia. Os fatores biológicos são atualmente divididos em três sistemas principais (neurológico, imunológico e endocrinológico) que se comunicam prontamente entre si e também com o sistema psicológico. É provável que existam outros fatores compostos de sistemas influentes e interagentes. Acredita-se, portanto, que uma melhor compreensão dessas condições aumentará a complexidade da triagem e da avaliação, mas também fornecerá opções de tratamento mais personalizadas, dada a combinação de contribuintes que possam estar subjacentes à apresentação de cada paciente1,5,6. Em suma, os componentes cruciais desse modelo são os conceitos de hipersensibilidade visceral e hipervigilância central, embora a importância relativa de cada um desses componentes não seja clara e possa variar entre os indivíduos. O papel da genética em relação aos fatores ambientais não é conclusivo e, embora ambos os elementos pareçam ser fundamentais, nenhum dos fatores parece suficiente por si só para contribuir para o desenvolvimento de DDAF1.

Embora a causa exata não seja identificada, considera-se que a sinalização nervosa cerebral ou alterações químicas intestinais podem tornar o intestino mais sensível a fatores que normalmente não causam dor, como distensão gasosa, por exemplo. Por causa dessa mudança na função intestinal associada a esse tipo de dor, é frequentemente referida como DAF13. Dada a associação entre a composição da microbiota intestinal precoce e doenças crônicas na infância, acredita-se que os distúrbios na colonização intestinal também possam desempenhar um papel na etiologia e patogênese dos distúrbios GI funcionais na infância16, além da presença de alergia à proteína do leite de vaca (APLV)10. Estima-se que a microbiota humana seja composta por mais de 1 x 1014 células bacterianas, dez vezes o número de células humanas. A maioria da microbiota humana vive dentro do TGI, e vária evidência indicam que nossos micróbios intestinais realizam as seguintes funções: aumentam a função de barreira intestinal; inibem a ligação do patógeno, ligando-se ao epitélio do intestino delgado e grosso e produzindo substâncias que inibem o crescimento de outros organismos patogênicos; modulam a resposta inflamatória intestinal pela modulação do lúmen GI em direção a um estado antiinflamatório; reduzem a hipersensibilidade visceral associada tanto à inflamação quanto ao estresse psicológico, e alteram da fermentação do cólon, convertendo carboidratos não digeridos em ácidos graxos de cadeia curta, melhorando a função intestinal17.

Há relatos também de uma associação de doenças infecciosas, em especial as gastroenterites agudas, de etiologia bacteriana (por Shigella, por exemplo) com o desenvolvimento de SII, sendo indagada a correlação com o rotavírus. A infecção pode ocasionar inflamação, modificação da microbiota e aumento da permeabilidade intestinal. Apesar da resolução da inflamação aguda, pode haver alterações persistentes no aparelho neuromuscular intestinal5,18.

Manifestações clínicas

Como discutimos acima, a sintomatologia dos DDAF é o resultado de uma infinidade de fatores, incluindo hipersensibilidade visceral, alteração da motilidade intestinal, disbiose microbiana, alteração da função imunológica da mucosa e desregulação da função intestinal pelo sistema nervoso central3.

Usualmente, a dor funcional é periumbilical ou epigástrica, dificilmente ocorrendo irradiação. Os episódios de dor podem perdurar por minutos a horas, sendo alternados por intervalos de bem-estar. Uma característica é a ocorrência durante o período diurno e podem ser tão intensos a ponto de ocasionar choro e o paciente precisar interromper as atividades do cotidiano. Podem também ser relatados sintomas  neurovegetativos, tais como sudorese, palidez, náuseas e vômitos5.

Síndrome do intestino irritável (SII)

É definida pela presença de dor abdominal associada a alteração dos hábitos intestinais, que incluem mudança na frequência, na consistência e no formato das fezes, com esforço ou urgência para defecar, tenesmo, presença de muco e distensão abdominal3,5,19.

Dispepsia funcional (DF)

Os sintomas dispépticos incluem dor epigástrica, azia, plenitude gástrica pós-prandial, saciedade precoce, náuseas, vômitos, eructações e queimação epigástrica20.

Enxaqueca abdominal

Caracteriza-se pela presença de episódios paroxísticos de dor periumbilical moderada a grave, mal localizada, na linha média ou abdominal difusa com duração igual ou superior a uma hora. Os episódios são separados por semanas a meses e há um padrão e sintomas estereotipados em cada paciente. A dor é forte o suficiente para interferir nas atividades diárias normais. A dor abdominal geralmente está associada a outros sintomas, como cefaleia, palidez, anorexia, náusea, vômito e fotofobia. Após avaliação médica adequada, os sintomas não podem ser atribuídos a nenhuma outra condição clínica. Na maioria das vezes, há uma história familiar de enxaqueca e há uma forte propensão a evoluir para cefaleias por enxaqueca na idade adulta21.

Dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)

Quando a DAC não se encaixa nas demais situações descritas, deve-se considerar a presença de DAF-NEOF5.

Diagnóstico

A avaliação da DAC é um grande desafio diagnóstico. Na primeira etapa da abordagem, o pediatra deve se atentar para a  investigação de quadros de etiologia orgânica. O diagnóstico é baseado em anamnese (principalmente) e exame físico detalhados. A solicitação de exames complementares deve ser criteriosa5,22.

Anamnese

Deve ser focada no reconhecimento de sinais e sintomas de alerta para doença orgânica5 – Quadro 1.

Quadro 1: Anamnese em um paciente com DAC

Dados da anamneseQuestionamentos
Características da dorLocalização, intensidade, frequência, periodicidade, relação com alimentação, dor noturna, interferência com as atividades habituais
Sintomas gastrintestinais associadosPirose, saciedade precoce, plenitude gástrica pós-prandial, náuseas, vômitos, diarreia, constipação, tenesmo, sangramentos digestivos, icterícia
Sinais/sintomas de outros sistemasSintomas urinários, cefaleia, sonolência depois das crises de dor, artralgias/artrites, tosse crônica, asma, respiração bucal
Sinais de comprometimento orgânicoPerda de peso, retardo no crescimento, retardo puberal, palidez cutâneo-mucosa, febre
Antecedentes pessoaisInfecção viral recente, trauma abdominal, intervenção cirúrgica prévia Perfil psicológico e comportamental da criança Conhecimento de situações que geram ansiedade
História alimentarConsumo de leite e produtos lácteos, sucos naturais e artificiais, bebidas gaseificadas, balas, chicletes e alimentos irritantes gástricos (alimentos industrializados, condimentos picantes) Avaliar o conteúdo de fibra na dieta
Medicamentos em uso ou utilizadosAntibióticos, anti-inflamatórios, corticosteroides
História familiarParentes com doenças do TGI ou de outro sistema e que evolua com dor abdominal, enxaqueca, manifestações alérgicas, tuberculose e/ou quadros depressivos
Sinais e sintomas de alerta para doença orgânicaHistória familiar de DII, doença celíaca ou doença péptica; dor persistente em quadrante superior ou inferior direito; disfagia; odinofagia; vômitos persistentes; sangramento gastrointestinal; diarreia noturna; artrite; febre inexplicada

Legenda: DAC – dor abdominal crônica; DII – doença inflamatória intestinal; TGI – trato gastrointestinal.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 20195.

Os DDAF são agrupados de acordo com o perfil de sintomas, que difere com base na localização do TGI (por exemplo, DF versus SII) ou com base em semelhanças com outras condições, como enxaqueca1 – Quadro 2.

Quadro 2: Critérios de Roma IV para DDAF em crianças e adolescentes

DDAFDefinição
DFPlenitude pós-prandialSaciedade precoceDor epigástrica ou queimação não associada à defecação Dentro da DF, há dois subtipos: Síndrome de dificuldade pós-prandial: inclui o desconforto da plenitude pós-prandial ou saciedade precoce que impede o término da refeição regular. Os critérios de suporte englobam a presença de distensão abdominal superior, náusea pós-prandial ou eructações excessivasSíndrome de dor epigástrica: compreende todos os seguintes sintomas – dor ou queimação em epigástrio, grave o suficiente para interferir com as atividades. A dor não pode ser generalizada, nem se localizar em outra parte do abdome ou tórax e não é aliviada pela evacuação ou pela eliminação de flatos. Os critérios que sustentam o diagnóstico podem incluir:Dor tipo queimação, mas sem o componente retroesternalDor frequentemente induzida ou aliviada pela ingestão de uma refeição, mas pode ocorrer durante o jejum
SIIDor abdominal associada a, pelo menos, um dos seguintes:Relacionado à defecaçãoUma mudança na frequência das fezesUma mudança na forma das fezesEm crianças constipadas, a dor não deve resolver com a resolução da constipação
Enxaqueca abdominalPelo menos 2 episódios de todos os seguintes, cumpridos por, pelo menos, 6 meses: Episódios paroxísticos de dor abdominal intensa, aguda periumbilical, na linha média ou difusa com duração de, pelo menos, 1 hora Episódios separados por semanas a mesesA dor é incapacitante e interfere nas atividades normaisPadrão estereotipado e sintomas no paciente individualA dor está associada a 2 ou mais dos seguintes:AnorexiaNáuseaVômito(s)CefaleiaFotofobiaPalidez
DAF-NEOFDor abdominal episódica ou contínua que não ocorre durante eventos fisiológicos (como alimentação e menstruação, por exemplo)Critérios insuficientes para a SII, DF ou enxaqueca abdominalDepois de uma avaliação adequada, a dor abdominal não pode ser plenamente explicada por outra condição clínica

Legenda: DAF-NEOF – dor abdominal funcional não especificada de outra forma; DDAF – distúrbios de dor abdominal funcional; DF – dispepsia funcional; SII – síndrome do intestino irritável.

Nota: Exceto para dispepsia funcional, os sintomas devem ocorrer, pelo menos, 4 vezes por mês durante 2 meses. Para todos os DDAF, depois de avaliação apropriada, a dor abdominal não pode ser totalmente explicada por outra condição clínica.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019; Friesen et al., 20215,6.

Exame físico

O exame do abdome deve ser minucioso, com atenção para a localização da dor, avaliação de fígado, baço e loja renal, além da presença de massas5. Durante a avaliação abdominal, é importante observar se a distração leva à resolução da dor, um sinal que indica a presença de DDAF. O teste de Carnett (avaliação da sensibilidade abdominal) muitas vezes é útil para diferenciar a síndrome da dor da parede abdominal da dor intra-abdominal originada na víscera1.

Exame perianal e toque retal precisam ser efetuados. Ademais, o pediatra deve enfatizar a avaliação do peso, estatura, velocidade de crescimento e estágio puberal. Manifestações clínicas de alerta incluem: doença perianal, perda ponderal involuntária, desaceleração do crescimento linear e atraso da puberdade5.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Exames laboratoriais básicos devem ser solicitados, incluindo hemograma completo, urina tipo 1, urocultura e exame parasitológico de fezes. Uma investigação laboratorial mais abrangente pode ser necessária, de acordo com a história clínica do paciente, como velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína-C-reativa (PCR), função tireoidiana, amilase, lipase, calprotectina fecal e sorologia para doença celíaca. Apesar de ainda controversa, a realização de rotina de sorologia para doença celíaca é proposta pelo critério de Roma IV, mais atualizado5,18.

Exames de imagem

Com relação a exames de imagem de rotina, como ultrassonografia (USG), por exemplo, não há indicação se o paciente não apresentar evidências clínicas de causa orgânica5. Uma menção especial deve ser feita ao papel da endoscopia digestiva alta (EDA), por se tratar de um exame caro e controverso em termos de sua necessidade e valor no contexto dos DDAF. A EDA é geralmente realizada para identificar a patologia ou descartar uma doença orgânica, ela  pode evidenciar inflamação histológica (esofagite, gastrite, duodenite) e/ou a presença de Helicobacter pylori presente em 23 a 93% dos pacientes, porém o significado clínico desses achados não está bem estabelecido. Para Friesen e colaboradores, o papel da EDA pode estar mudando de uma “busca por doenças” para uma “busca por colaboradores biológicos” dentro do modelo biopsicossocial, particularmente a presença de eosinófilos e mastócitos (ambos parecem ter relação com a DF, enquanto somente os mastócitos parecem colaborar com a patogênese da SII)6.

Em síntese, as evidências atuais, embora limitadas defendem que exames diagnósticos iniciais sejam mínimos na suspeita de DDAF, devendo ser reservados para pacientes com sinais e sintomas de alarme e na presença de queixas específicas. Avaliação adicional também deve ser considerada para pacientes que não respondem ao tratamento, procurando não apenas doenças menos comuns, como colelitíase ou anomalias renais por meio de USG, mas também potenciais contribuintes biológicos, como, por exemplo, eosinófilos e mastócitos através de EDA6,18.

Tratamento

Uma sólida relação paciente-médico, uma comunicação eficaz e a instrução adequada do paciente e de sua família desde o início constituem o cerne do tratamento bem-sucedido dos DDAF. O pediatra deve dedicar bastante tempo da consulta para explicar o diagnóstico aos cuidadores de cada paciente individualmente, discutindo sobre o modelo biopsicossocial, projetando um plano de tratamento e garantindo expectativas realistas, tanto de prognóstico quanto de desfechos1.

 Infelizmente, o manejo dos DDAF é limitado por vários fatores. A natureza biopsicossocial do transtorno dificulta a abordagem, pois cada criança tem um conjunto único de fatores fisiopatológicos e responde de maneira diferente a terapias distintas. Ademais, as evidências científicas em pacientes pediátricos ainda são insuficientes e muitas sugestões de tratamento são, portanto, baseadas em estudos envolvendo adultos (sabe-se, de antemão, que as crianças não respondem da mesma forma que os adultos em incontáveis situações). Por fim, diversos tratamentos eficazes incluem abordagens comportamentais, como modificações de dieta e intervenções psicológicas, e não estão prontamente disponíveis devido à escassez de profissionais de saúde aliados, bem como à falta de cobertura de profissionais por muitos planos de saúde. Com o crescente reconhecimento do papel da microbiota intestinal, uma série de intervenções direcionadas à ela (incluindo uma dieta pobre emoligossacarídeos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis [fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides, and polyols – FODMAP], prebióticos e probióticos), além de intervenções psicológicas e determinados medicamentos estão cada vez mais sendo estudados ​​para o manejo dos DDAF1.

Dieta

Atualmente, o papel da dieta em pacientes com DDAF tem despertado muito interesse em pesquisas científicas e na prática clínica. Mais de 90% dos jovens com DDAF identificam, pelo menos, um alimento que associam ao agravamento dos sintomas GI. Em comparação com controles saudáveis, os pacientes com DDAF evitam alimentos e implementam estratégias de dieta com mais frequência. Embora as reações alimentares adversas possam estar relacionadas a alergias, má absorção ou antecipação de sintomas, também tem havido interesse nos efeitos de componentes dietéticos específicos que interagem no eixo intestino-cérebro6. Na DF, por exemplo, determinados alimentos, como cafeína, picantes e gordurosos, tendem a piorar os sintomas e devem ser evitados5.

Enquanto as evidências de estudos em adultos sugerem que os FODMAP podem ser desencadeadores de sintomas nos DDAF, as evidências em pediatria são muito escassas. No entanto, uma dieta com baixos níveis de FODMAP é comumente prescrita para SII em adultos e crianças, apesar da evidência limitada de sua eficácia. A justificativa para essas restrições dietéticas é baseada na suposição de que uma diminuição na carga de carboidratos fermentáveis ​​de cadeia curta evita o efeito osmótico dos FODMAP, resultando em uma diminuição no volume de água do intestino delgado, limitando a fermentação exagerada de FODMAP pela microbiota do cólon e produção de gás associada, que podem aliviar a DAC. Os FODMAP são mal absorvidos em pessoas saudáveis, bem como em pacientes com DDAF. Todavia, uma alta ingestão de FODMAP está associada a sintomas GI apenas na população com DDAF, o que é explicado pela presença de hipersensibilidade visceral e motilidade intestinal alterada23.  No entanto a sua aplicação deve ser individualizada, evitando grandes restrições e com posterior tentativa de reintrodução do alimento suspenso de forma progressiva.

No que concerne a adoção de dietas com baixo teor de  lactose, uma série de estudos que fizeram uma comparação desse tipo de regime com uma alimentação com lactose em crianças com DDAF mostrou que, na maioria dos casos, uma dieta com baixo teor de lactose não foi útil, mesmo em crianças com um teste de hidrogênio expirado positivo17.

Com relação a dietas gluten-free, é difícil distinguir diferenças claras entre a exclusão de glúten e a melhora dos sintomas relacionados apenas a distúrbios funcionais. Atualmente, em pacientes pediátricos, a dieta sem glúten precisa ser precisamente indicada por um médico e acompanhada de perto por um profissional de saúde, pois pode levar a outras deficiências nutricionais. Nesse contexto,  é pertinente ressaltar a  importância  da sensibilidade não celíaca ao glúten (SGNC), uma condição clínica nova, com pouco conhecimento sobre sua fisiopatologia, mas que tem levantado discussões sobre as restrições dietéticas do glúten em paciente com sintomas que simulam a doença celíaca, porém com componentes histológicos e sorológicos negativos, esse grupo de pacientes se beneficiam de uma dieta gluten-free e seus sintomas podem ser inicialmente entendidos como DDAF. Portanto, mais pesquisas são necessárias para delinear melhor a prevalência e os mecanismos da sensibilidade ao glúten/trigo e seu significado antes de recomendar a restrição ao glúten em crianças com DDAF24.

Considerando que o baixo teor de fibras na dieta é um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças, Shulman e colaboradores observaram, em estudo randomizado, que a fibra psyllium reduziu o número de episódios de dor abdominal em crianças com SII, independente de fatores psicológicos, não alterando a produção de hidrogênio ou metano na respiração, permeabilidade intestinal ou composição do microbioma15,25.

Suplementação de prebióticos

Os prebióticos podem modificar a microbiota intestinal e, presumivelmente, a resposta aos componentes dietéticos absorvidos de forma incompleta1. Em 2018, um estudo conduzido por Huaman e colaboradores, apesar de ter utilizado uma amostra pequena, observou que a diminuição dos sintomas produzidos por uma dieta baixa em FODMAP em pacientes com DDAF desapareceu logo após a interrupção da dieta. Em contraste, a administração de suplemento prebiótico contendo β-galactooligossacarídeo enriqueceu a microbiota e a diminuição dos sintomas persistiu por duas semanas, concluindo que o tratamento intermitente com prebióticos pode representar uma vantagem sobre as restrições dietéticas para pacientes com sintomas intestinais funcionais26.

Suplementação de probióticos

Os probióticos constituem microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro, sendo eficazes contra várias condições patológicas. Esses microrganismos incluem espécies de bacilos de ácido láctico (como Lactobacillus e Bifidobacterium), espécies de Escherichia coli não patogênicas (por exemplo, E. coli cepa Nissle 1917), Clostridium butyricumi, Streptococcus salivarius e Saccharomyces boulardi (espécies de leveduras não infecciosas). Bactérias geneticamente modificadas têm características imunomoduladoras, como estimular a produção de interleucina-10 e do fator trifólio, que têm efeitos benéficos no sistema imunológico4,27.

Atualmente, a suplementação de probióticos tem sida considerada uma opção terapêutica potencialmente benéfica, segura e agradável para crianças com DDAF, sendo associada significativamente ao alívio da dor4, especialmente naquelas com suspeita de SII ou quando os sintomas foram desencadeados após um episódio de gastroenterite ou posteriormente a um curso de antibióticos17.

Lactobacillus rhamnosus GG (LGG)

O Lactobacillus rhamnosus GG (LGG), ATCC 53103 foi originalmente isolado de amostras fecais de um adulto humano saudável em 1983 por Sherwood Gorbach e Barry Goldwin (as iniciais dos sobrenomes [GG] deram origem ao nome do lactobacilo). Foi identificada como uma cepa probiótica potencial por causa de sua resistência a ambientes ácidos e biliares, além de boas características de crescimento e capacidade de adesão à camada epitelial intestinal. Desde então, tem sido uma das cepas probióticas mais amplamente estudadas, usada em uma variedade de produtos probióticos disponíveis comercialmente. Os efeitos benéficos desta cepa têm sido estudados extensivamente em ensaios clínicos e estudos de intervenção em humanos. Diversos impactos positivos sobre a saúde com o uso de LGG estão bem documentados na literatura, incluindo a prevenção e o tratamento de infecções GI (aliviando a diarreia por rotavírus, por exemplo) e do trato urinário, a estimulação de respostas imunológicas ou a prevenção determinadas alergias, como a dermatite atópica. Além disso, o LGG parece ser seguro e eficaz no prolongamento da remissão em pacientes com colite ulcerativa28,29.

Com relação à DDAF, um ensaio randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, de grupo paralelo foi conduzido no sul da Itália entre 2004 e 2008 e concluiu que o LGG reduziu significativamente a frequência e a gravidade da dor abdominal em crianças com SII30. Já uma meta-análise publicada em 2011 mostrou que o uso de LGG aumentou a proporção de respondentes ao tratamento (definido como ausência de dor ou diminuição da intensidade da dor) em crianças com distúrbios GI funcionais, particularmente em crianças com SII. Além disso, o LGG reduziu a frequência e a intensidade da dor, particularmente também entre crianças com SII31. Mais recentemente, Wegh e colaboradores conduziram uma revisão sistemática cuja conclusão foi de que existem evidências insuficientes para o uso de probióticos em DDAF, mas somente o LGG parece reduzir a frequência e a intensidade da dor abdominal, porém apenas em crianças com SII2.

Portanto, apesar de limitadas, as evidências atuais são encorajadoras para o emprego de LGG na dose de 3 × 109 a 1 x 1010 unidades formadoras de colônias (UFC; em inglês, colony forming unit, CFU) por dia. A maioria dos estudos tem avaliado a utilização do LGG duas vezes ao dia durante um período de quatro a oito semanas3,32.

Abordagem psicológica

O objetivo das intervenções psicológicas é reconhecer e reverter o estresse físico e psicológico, primordiais no desencadeamento, exacerbação ou persistência da dor e, dessa forma, auxiliar no controle álgico e da ansiedade da criança. Opções incluem a terapia cognitivo comportamental (TCC) (que, inclusive, tem sido relatadas como das mais efetivas), hipnoterapia e exercícios físicos, como ioga1,5,18.

Medicamentos

Faltam evidências que suportem a eficácia dos tratamentos farmacológicos em crianças com DDAF. Além disso, a qualidade da evidência é geralmente fraca nos estudos existentes, com apenas alguns ensaios clínicos randomizados avaliando a segurança e eficácia dos medicamentos mais comumente usados. A ausência de dados conclusivos para apoiar tratamentos baseados em evidências científicas e a falta de medicamentos aprovados para o manejo dos DDAF em crianças desafiam os pediatras na prática clínica diária1.

Na verdade, o tratamento farmacológico tem o objetivo de aliviar a sintomatologia em casos não responsivos às medidas supracitadas. Em situações específicas, como na presença de distensão pós prandial, gases intestinais, contrações intestinais ou refluxo gastroesofágico, medicamentos antirrefluxo ou antiespasmódicos podem ser úteis. Dessa forma, é essencial que haja cautela à interpretação dos resultados aparentemente satisfatórios de algumas pesquisas clínicas, pelo aspecto flutuante da dor, que evolui com períodos de melhora espontânea, além de possível efeito placebo que possa justificar a melhora dos sintomas18.

Medicamentos que têm sido estudados para o manejo dos DDAF incluem: antiespasmódicos (como óleo de menta, trimebutina, mebeverine e drotaverine), antibióticos de baixa absorção (como rifaximina B e cotrimoxazol), antidepressivos (tricíclicos, como amitriptilina e inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como o citalopram), anti-histamínicos (como ciproheptadina), bloqueadores do canal de cálcio (como flunarizina) e agentes antirrefluxo (como a famotidina)1,17.

Prognóstico

A gravidade e a frequência dos sintomas GI têm impactos diferentes no estado funcional de diferentes grupos de pacientes. As medidas de qualidade de vida relacionada à saúde relatadas pelo paciente devem fornecer informações sobre o impacto diferencial das DDAF no estado funcional de crianças e adolescentes, incluindo aspectos físicos, emocionais, comportamentais, sociais e cognitivos. Um dos grandes objetivos do tratamento da FAPD é a melhora da qualidade de vida, evitando ausências escolares e em tarefas domésticas além da não participação em esportes ou outras atividades1.

Considerações finais

Em pediatria, muitas vezes a DAC é um enorme desafio diagnóstico e, frequentemente, sua etiologia é funcional. A compreensão do modelo biopsicossocial auxilia não somente no tratamento, mas também na prevenção de novas crises álgicas. Em geral, há necessidade de uma abordagem multifatorial, incluindo avaliações dietéticas e controle de fatores psicológicos, sendo necessário um intenso esforço para educação de pais, cuidadores e do próprio paciente. Existe uma urgência na condução de inúmeras pesquisas para entendimento dos DDAF e desenvolvimento de estratégias terapêuticas com significância estatística. O uso de probióticos, em especial o LGG, parece ser extremamente promissor.

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Relação da disbiose e autismo [podcast]

Neste episódio, produzido pela Cellera Farma em parceria com a PEBMED, Dolores Henriques e Paula Hartmann conversam sobre o que há na literatura sobre a relação entre sintomas clínicos nos pacientes com TEA e a disbiose.

Diarreia associada ao uso de antibióticos – Quando usar o probiótico

Cerca de 30% dos pacientes em uso de antibióticos apresentam diarreia durante ou até 8 semanas após o tratamento. A prevenção deste quadro pode ser feita através do uso de probióticos como o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) e Saccharomyces boulardii.

Assista o vídeo para entender mais sobre o assunto:

IMPACTO DO USO DE ANTIBIÓTICOS NA MICROBIOTA NOS PRIMEIROS 1000 DIAS

Desde sua descoberta ao final da década de 1920, os antibióticos vêm sendo um pilar para o tratamento de infecções na medicina moderna. Eles são essencialmente diferentes de todas as outras drogas, afetam não apenas o indivíduo a quem são ministrados, mas também toda a comunidade em seu entorno. Sabidamente, seu uso recorrente gera resistência à sua própria ação, assim, a utilização desta classe de medicamentos reside na interseção da saúde pessoal e pública.1

Os antibióticos não apenas beneficiam um indivíduo no tratamento de sua infecção, beneficiam também a comunidade na prevenção da disseminação desse agente infeccioso, conforme supracitado. Entretanto, a aplicação indiscriminada da terapia com antibióticos gera um custo para a comunidade no que se refere à resistência de seus efeitos terapêuticos. Nesse contexto, encontra-se uma nova característica para o cenário do tratamento com antibióticos: o dano colateral do medicamento em bactérias que normalmente vivem em humanos saudáveis, a nossa microbiota.1

O desenvolvimento da microbiota intestinal é especialmente importante durante os primeiros anos de vida, quando o microbioma adulto ainda não se formou. Estudos indicam que países em fase avançada de modernização, onde o uso de antibióticos é maior, apresentam uma desvantagem: a perda da diversidade microbiana intestinal ao longo do tempo. Além disso, nas crianças pequenas, a exposição a antibióticos está associada ao aumento do risco de uma variedade de doenças, incluindo obesidade, diabetes tipos 1 e 2, doenças inflamatórias intestinais, doença celíaca, alergias e asma.1,2

O desenvolvimento de diarreia associada a antibióticos (DAA) bem como a  possibilidade de disbiose transitória podem ser estimulados, em curto prazo, pelo uso excessivo de antibióticos. Na população pediátrica, a incidência de DAA é de 5% a 30%. Os antibióticos mais comumente ligados à DAA incluem cefalosporinas, clindamicina, penicilinas de amplo espectro, como amoxicilina e ampicilina, e fluoroquinolonas, como ciprofloxacino e levofloxacino.2

Na maioria dos casos de DAA, não se encontra um agente infeccioso específico. No entanto, o Clostridium difficile é responsável pelos casos mais graves. A DAA geralmente é autolimitada, no entanto, se for causada por C. difficile, pode levar a colite pseudomembranosa, com risco de internação e morte, sobretudo nos extremos da idade (lactentes e idosos).2

Revisões sistemáticas já estabelecem o papel de prevenção da administração de probióticos frente ao quadro de diarreia causada pelo uso excessivo de antibióticos, por exemplo. A justificativa para o uso de probióticos é baseada na premissa de que a DAA resulta da ruptura da microbiota intestinal comensal causada pela terapia antibiótica.2 

Com base nos estudos publicados, é apropriado iniciar a administração de probióticos precocemente, de preferência simultânea ao tratamento com antibióticos, antes que ocorra a modificação da microbiota intestinal e o crescimento excessivo de patógenos. Também pode ser interessante continuar a administração de probióticos durante e após o tratamento com antibióticos.2

Referências

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