A colonização do organismo por bactérias não patogênicas, conhecida como a formação da microbiota, é comprovadamente iniciada ainda no período pré-natal, na fase intraútero. A consolidação ocorre, sobretudo, durante o nascimento e nos meses iniciais de vida da criança. Essa colonização funciona como estímulo antigênico para o adequado desenvolvimento anatômico e funcional do sistema imunológico das mucosas, assim como às respostas adaptativas sistêmicas.1,2
Antes mesmo de realizar sua primeira respiração, o processo de colonização da microbiota intestinal já teve seu início logo após o nascimento do bebê. O processo de estabelecimento da microbiota, ao longo da infância, passa por dois grandes momentos de transição. O primeiro justamente após o nascimento, determinado pelo aleitamento materno exclusivo e o segundo a partir do início do desmame, com a introdução da alimentação sólida e quando a microbiota passa a assumir padrão semelhante ao da vida adulta.1,2
A ação do meio ambiente sobre o processo saúde/doença tem sido progressivamente explorada em estudos recentes e o papel da epigenética vai ao encontro a esta ação. Mecanismos epigenéticos são definidos como os processos que provocam alterações na expressão gênica, que são capazes de ser transmitidos por gerações, mas que não ocasionaram modificações na sequência do DNA. Nesse quadro, a produção de metabólitos oriundos da atividade microbiana, conforme o estabelecimento da microbiota no início do desenvolvimento de um organismo, pode culminar em modificações epigenéticas.3
Dentro do cenário dos primeiros 1000 dias de formação da microbiota (período que vai da concepção até o segundo ano de vida de uma criança), uma série de fatores pré e pós-natais, como nutrição materna e neonatal, exposição a poluentes, além da própria composição da microbiota contribuem para o estabelecimento de mudanças epigenéticas que podem não apenas modular a adaptação do indivíduo ao meio ambiente, mas também influenciar a saúde ao longo da vida. A colonização intestinal pós-natal, por sua vez determinada pela microbiota materna, tipo de parto, contato pele a pele precoce e dieta neonatal, levam a assinaturas epigenéticas específicas que podem afetar as propriedades de barreira da mucosa intestinal e seu papel protetor contra problemas posteriores, portanto, potencialmente predispondo ao desenvolvimento de doenças inflamatórias de início tardio.3
O período de maior atividade de imprinting epigenético sobre o DNA é justamente os primeiros 1000 dias. A microbiota intestinal vai sendo moldada, em número e na diversidade de microrganismos e, pode sofrer influência de diversos fatores, como o uso de antibióticos (pré ou pós-natal), condições socioculturais e geográficas e, sobretudo, fatores nutricionais (dieta, aleitamento infantil, uso de fórmulas infantis, vitaminas, prebióticos e probióticos).3
Algumas evidências sobre a programação epigenética pela microbiota intestinal podem ser interpretadas como base para uma hipótese, segundo a qual, modificações epigenéticas prejudiciais (e consequentemente o desenvolvimento de doenças) podem ser prevenidos pela modulação do contato microbiano no início da vida. A microbiota intestinal pode ser positivamente alterada por meio da administração prebiótica, probiótica e simbiótica, o que pode representar uma abordagem promissora para reequilibrar a homeostase dos sistemas imunológicos sistêmico e mucoso. A colonização intestinal microbiana, iniciada intra-útero, tem direta relação com a programação epigenética microbiana durante a vida fetal. Por meio de seu estudo, é possível conceber intervenções maternas para modificar o risco de doenças na prole, com implicações clínicas potencialmente úteis.3
Referências
1 – Tanaka M, Nakayama J. Development of the gut microbiota in infancy and its impact on health in later life. Allergol Int. 2017; 66 (4): 515-22.
2 – Rautava S, Ruuskanen O, Ouwehand A, Salminen S, Isolauri E. The hygiene hypothesis of atopic disease – an extended version. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004; 38 (4): 378-88.
3 – Flavia Indrio, Silvia Martini, Ruggiero Francavilla, Luigi Corvaglia, Fernanda Cristofori, Salvatore Andrea Mastrolia, Josef Neu, Samuli Rautava, Giovanna Russo Spena, Francesco Raimondi, Giuseppe Loverro. Epigenetic Matters: The Link between Early Nutrition, Microbiome, and Long-term Health Development. Frontiers in Pediatrics. 2017 Aug 22; 5: 178.