Diarreia associada ao uso de antibióticos





Vera Lúcia Ângelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

O uso de antibióticos está associado a uma variedade de efeitos colaterais, sendo mais comuns aqueles relacionados ao trato gastrointestinal,  como náuseas e diarreia1.  Epidemiologicamente, um terço dos pacientes que usam antibiótico apresentarão diarreia durante o tratamento2. A diarreia associada a antibióticos geralmente surge quando esta medicação leva à disbiose intestinal induzida, alterando a diversidade e o número de bactérias no intestino1. Essas mudanças podem afetar a capacidade da microbiota residente de resistir à invasão de microrganismos patogênicos ou levar ao supercrescimento bacteriano do intestino delgado1.

A Figura a seguir ilustra como o uso de antibióticos pode levar a disbiose causando infecção pelo Clostridioides difficile2. 

Os fatores de risco para diarreia secundária a uso de antibióticos são idade (prematuros, menores de 6 e maiores de 65 anos), uso prolongado de antibiótico, tempo prolongado de utilização da medicação, hospitalização, imunodeficiência, entre outros. Destaca-se que independentemente da via de administração, oral ou venosa, os antibióticos poderão levar a diarreia2. Os antibióticos com maior risco de causarem diarreia na prática clínica são os de amplo espectro e destacam-se: amoxicilina (com e sem clavulanato), azitromicina, cefalosporinas, carbapenêmicos e clindamicina1,2. Segundo a literatura, a infecção por C. difficile responde por cerca de 10% a 20% dos casos de diarreia por uso de antibióticos2. O diagnóstico baseia-se na história clínica que incluiu uso recente de antibióticos. Na maioria dos casos não são necessários exames complementares. No entanto, na suspeita de infecção por C. difficile recomenda-se a realização da glutamato desidrogenase, seguida da pesquisa de toxinas A e B por ELISA e/ou o PCR em tempo real, também conhecido como teste de amplificação de ácidos nucléicos (nucleic acid amplification test – NAAT).

O tratamento da diarreia associada a antibióticos é um desafio, em especial em grupos de risco. Diversos estudos demonstraram a eficácia de probióticos na diarreia aguda e diarreia associada a antibióticos. Probióticos são microrganismos vivos que quando administrados em quantidades apropriadas oferecem benefícios à saúde do hospedeiro, segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia e são regulados pela Food and Drug Administration desde 2007. Os probióticos mais estudados são: Lactobacillus rhamnosus GG e Saccharomyces boulardii, os quais podem encurtar a duração e sintomas da diarreia associada a antibióticos.

Na prevenção da diarreia por antibióticos os probióticos são indicados rotineiramente, tanto em crianças, quanto em adultos.3,4 Importantes diretrizes internacionais, como a diretriz do grupo de trabalho da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica – ESPGHAN e da Organização Mundial de Gastroenterologia, concluíram que o L. rhamnosus GG ou S. boulardii apresentam elevado grau de recomendação na prevenção da diarreia por antibióticos, sugerindo o uso adjuvante dos mesmos durante todo tratamento com antibióticos2,6.

Referências

  1. Agamennone, V., Krul, C.A.M., Rijkers, G. et al. A practical guide for probiotics applied to the case of antibiotic-associated diarrhea in The Netherlands. BMC Gastroenterol. 2018;18(1):103
  2. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/20580d-GPA_-_Papel_probioticos_na_diarreia_por_antibioticos.pdf
  3. Boggio Marzet C, et al. Approach to probiotics in pediatrics: the role of Lactobacillus rhamnosus GG. Arch Argent Pediatr. 2022;120(1):e1-e7.
  4. Hempel S, Newberry SJ, Maher AR, Wang Z, Miles JN, Shanman R, Johnsen B, Shekelle PG. Probiotics for the prevention and treatment of antibiotic-associated diarrhea: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2012;307(18):1959-69.
  5. Szajewska H, Canani RB, Guarino A, Hojsak I, Indrio F, Kolacek S, et al. Probiotics for the prevention of antibiotic-associated diarrhea in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2016;62(3):495-506.
  6. Guarner F, et al. WGO Practice Guideline. Probiotics and Prebiotics. World Gastroenterology Organisation, 2017; 1-35

Disbiose e obesidade em crianças

Em cada fase da vida de uma criança existem diferentes fatores que afetam a microbiota. Estudos recentes apontam que a modulação precoce da microbiota intestinal com probióticos pode modificar o padrão de crescimento da criança por conter o ganho de peso excessivo durante os primeiros anos de vida.1

Esse e outros assuntos, a pediatra Roberta Castro aborda no vídeo de hoje, comentando a relação entre disbiose e obesidade em crianças. Assista!

Autora:

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra.

Referências bibliográficas:

1. LUOTO, R. et al. The impact of perinatal probiotic intervention on the development of overweight and obesity: follow-up study birth to 10 years. Int J Obes (Lond). v. 34,n.10, p. 1531-1537,2010

O uso de probióticos pode ser benéfico na dor abdominal funcional?

Vera Lúcia Ângelo Andrade – CRM-MG 22.284

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH  http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

A dor abdominal é um sintoma altamente prevalente na prática clínica, podendo ter múltiplas etiologias, tanto orgânicas quanto funcionais, por vezes associadas a grande impacto na qualidade de vida dos pacientes.  As desordens funcionais associadas à dor abdominal têm uma prevalência estimada em 13,5% nas crianças e são subdivididas em quatro subtipos: síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional, migrânea funcional e dor abdominal funcional1,2.

Como é feito o diagnóstico da dor abdominal funcional?

Para o diagnóstico da dor abdominal funcional devem ser usados os Critérios de Roma IV3, que se baseiam na presença de sintomas pelo menos 4 vezes ao mês, nos últimos 2 meses. Após a análise clínica, há três possibilidades diagnósticas:

Quais são os fatores associados a dor abdominal funcional?

Segundo a literatura, a dor abdominal funcional é muito frequente em crianças e adolescentes, sendo os principais aspectos encontrados na história clínica dos pacientes:  transtornos psiquiátricos (ansiedade, depressão), passado de traumas/abusos na primeira infância, evidência de ganhos secundários e/ou presença de somatização.   Acredita-se que haja uma alteração no eixo microbiota-cérebro-intestino, com hipervigilância e sensibilização central, hipersensibilidade visceral e dismotilidade4. Crianças com dor abdominal funcional apresentam menor resposta do sistema parassimpático, o que significa mais dificuldade em atingir o estado de homeostase, bem como desregulação do sistema nervoso autônomo. Observa-se ainda disbiose intestinal, com aumento da permeabilidade intestinal, aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias e alterações no metabolismo de serotonina. Outro fator importante a ser destacado é a elevada incidência de má absorção a frutose (30%) em pacientes com síndrome do intestino irritável e dor abdominal funcional5.

Quais são possíveis tratamentos da dor abdominal funcional?

Os mecanismos etiopatogênicos da dor abdominal funcional não estão totalmente esclarecidos, o que torna o diagnóstico e o tratamento um desafio. Três categorias propostas são: comportamental (terapias cognitivo-comportamental, hipnose e Ioga, por exemplo), dietética e farmacológica (mebeverina, brometo de otilônio, brometo de pinavério)6. Frequentemente, mesmo lançando mão do arsenal terapêutico tradicional, o paciente mantém dor abdominal e outras opções terapêuticas são aventadas. Estudos avaliaram o papel dos probióticos na dor abdominal funcional. Metanálise, publicada por Horvath e colaboradores, concluiu que o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) é útil no tratamento da dor abdominal em crianças, com maior taxa de resposta em pacientes com síndrome do intestino irritável7. Francavilla e colaboradores avaliaram em estudo randomizado, duplo-cego e controlado, 141 crianças com sindrome do intestino irritável ou dor funcional6. As crianças receberam LGG ou placebo e foram acompanhadas por 8 semanas. O grupo tratado com LGG, mas não o placebo, apresentou uma redução significativa tanto na frequência (P < 0,01) quanto na intensidade (P < 0,01) da dor abdominal. Recentemente, um novo ensaio clínico randomizado demonstrou benefício do uso de LGG na redução da cólica infantil em recém-nascidos sob amamentação, além de uma diminuição significativa da calprotectina fecal8. Por outro lado, o uso de probióticos em adultos não se mostrou eficiente na redução da intensidade ou frequência da dor abdominal funcional. https://pebmed.com.br/lgg-na-dor-abdominal-qual-papel-do-probiotico-video/

Referências

1- Korterink JJ, Diederen K, Benninga MA, Tabbers MM. Epidemiology of pediatric functional abdominal pain disorders: a meta-analysis. PLoS One. 2015;10(5):e0126982.
2- Vernon-Roberts A, Alexander I, Day AS. Systematic Review of Pediatric Functional Gastrointestinal Disorders (Rome IV Criteria). J Clin Med. 2021;10(21):5087.
3- Hyams JS, Di Lorenzo C, Saps M, Shulman RJ, Staiano A, van Tilburg M. Functional Disorders: Children and Adolescents. Gastroenterology. 2016:S0016-5085(16)00181-5.
4- Thapar N, Benninga MA, Crowell MD, Di Lorenzo C, Mack I, Nurko S, Saps M, Shulman RJ, Szajewska H, van Tilburg MAL, Enck P. Paediatric functional abdominal pain disorders. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):89.
5- Rodrigues BA, Speridião SBG, Zihlmann KF. Dor abdominal funcional: um estudo de revisão integrativa do ponto de vista biopsicossocial Br J Pain 2018;1(4):359-64.
6- Horvath A, Dziechciarz P, Szajewska H. Meta-analysis: Lactobacillus rhamnosus GG for abdominal pain-related functional gastrointestinal disorders in childhood. Aliment Pharmacol Ther. 2011;33(12):1302-10.
7- Francavilla R, Miniello V, Magistà AM, De Canio A, Bucci N, Gagliardi F, Lionetti E, Castellaneta S, Polimeno L, Peccarisi L, Indrio F, Cavallo L. A randomized controlled trial of Lactobacillus GG in children with functional abdominal pain. Pediatrics. 2010;126(6):e1445-52.
8- Savino F, Montanari P, Galliano I, Daprà V, Bergallo M. Lactobacillus rhamnosus GG (ATCC 53103) for the Management of Infantile Colic: A Randomized Controlled Trial. Nutrients. 2020;12(6):1693.

Lactobacillus rhamnosus GG – tudo que você precisa saber

O Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) é uma das cepas mais estudadas e utilizadas na prática clínica mundial, além de ser dos pioneiros dentre os probióticos, descoberto a partir do seu isolamento fecal pelos pesquisadores Gorbach and Goldin por volta de 1985 e patenteado em 19891.  Desde então, diversos trabalhos apontam para os benefícios do uso do LGG® em doenças gastrointestinais, como diarreia associada a antibiótico, dor abdominal funcional, diarreia do viajante, síndrome do intestino irritável e gastroenterites agudas. Diversos estudos apontam para possibilidades de uso do LGG em patologias extraintestinais, como doenças respiratórias, neurológicas e dermatológicas2.

  • Afinal, o que é o LGG®?

LGG® é uma bactéria anaeróbia facultativa Gram-positiva do filo Firmicutes tipicamente associado a outros Lactobacillus spp. e microorganismos compondo a microbiota intestinal. Não é patogênica e pode ser encontrada em outros sítios, em menor proporção, como no trato urinário.  Ele atua na regulação e síntese de citocinas anti-inflamatórias, na modulação de citocinas pró-inflamatórias, na recaptação de serotonina, produção de anticorpos e regulação da permeabilidade, vindo daí seu potencial como adjuvante terapêutico3.

  • LGG® na prática clínica

Diversas são as entidades clínicas nas quais o uso do LGG® pode ser aplicado como terapia adjuvante para manejo. Dentre elas, destacam-se as abaixo:

  • Disbiose: o LGG® é uma escolha acertada, dentre os probióticos, para auxílio no manejo da disbiose através da prevenção ou do tratamento, especialmente após o uso prolongado de antibióticos, que gera um desequilíbrio da composição da microbiota e uma distribuição alterada de bactérias no intestino através da produção de substâncias antimicrobianas e modulação do sistema imunológico4.
  • Diarreia aguda: LGG® foi associado a uma redução significativa na duração da diarreia em diversos ensaios clínicos randomizados. Uma vez que o principal fator de gravidade associado a diarreia aguda é a desidratação, o uso do LGG tem impacto extremamente relevante, sendo recomendado pela Organização Mundial de Gastroenterologia e pela Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica, concomitantemente à terapia de reidratação oral 5.
  • Diarreia associada ao uso de antibióticos: Essa é uma condição frequente e que, para sua ocorrência, depende de fatores do hospedeiro, do antibiótico utilizado e do contexto epidemiológico. Esse padrão de diarreia pode ocorrer durante o uso do antibiótico ou até semanas após o término da utilização. Há benefícios claros do uso do LGG® para amenizar os episódios de diarreia associada ao uso de antibióticos em um subgrupo de pacientes, com precisa indicação6.
  • Dor abdominal funcional – Síndrome do intestino irritável (SII): Essa condição está relacionada a alterações na motilidade gastrointestinal, hipersensibilidade visceral, disfunção do eixo cérebro-intestino e também pode estar associada a certos fatores psicossociais. Outro fator que pode sobrepor é a presença de disbiose. Sendo assim, há benefícios do uso de LGG® em alguns pacientes com SII ou dor abdominal funcional como terapia adjuvante, melhorando a resposta ao tratamento instituído. A indicação e o uso devem ser baseados nos sintomas e na história natural da doença em cada paciente.  Pacientes com outras dores abdominais funcionais também podem se beneficiar dessa terapia adjuvante7.
  • Infecção por H. pylori: O tratamento da infecção pelo H. pylori é realizado através do uso de antibioticoterapia associada ao uso de inibidor de bomba de prótons por um período determinado. No entanto, novos estudos apontam para a utilização de probióticos, dentre eles o LGG®, como forma de potencializar o efeito dos antibióticos e reduzir os efeitos colaterais associados ao tratamento, alcançando um melhor resultado terapêutico além de manter o equilíbrio da microbiota gastrointestinal8.
  • LGG em prevenção de Infecções do Trato Respiratório:  Diversos estudos emergem sobre a utilidade do LGG® para agravos extraintestinais, com destaque para as doenças respiratórias. Há estudos que apontam para evidências significativas em relação ao uso do LGG® para a prevenção de otite média aguda e infecções do trato respiratório superior, além de reduzir o uso de antibióticos em crianças voltadas para as infecções respiratórias9. Além disso, recentemente, alguns trabalhos sugeriram benefício na infecção por covid-19.
  • Dermatite atópica: Ainda são poucas em evidências sobre o uso dos probióticos como terapia preventiva e para o tratamento da dermatite atópica. Há diversas linhas de estudos recentes que exploram a interação entre pele e intestino. Esses estudos avaliam a suplementação de probióticos e seu potencial de modulação da composição microbiana intestinal, seja através da prevenção a colonização de patógenos, modulação do metabolismo bacteriano ou restauração do equilíbrio imunológico, o que pode contribuir para a diminuição da inflamação e melhora da manifestação clínica na dermatite atópica10.

Regulação do uso do Lactobacilius rhamnosus GG pela ANVISA

Através da instrução normativa – in nº 76, de 5 de novembro de 2020, houve a regulamentação do uso do LGG® no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) com a finalidade de comprovar a segurança e os benefícios do seu uso11.

Mensagem final

As perspectivas do uso do LGG® em doenças gastrointestinais e extraintestinais como terapia adjuvante é promissora. Diversos estudos direcionam para a utilização individualizada dos probióticos. As doses, escolha da cepa e duração do tratamento ainda é um ponto de discussão em diversas patologias. De qualquer forma, o uso do LGG® na prática clínica vem sendo encorajado nos últimos anos, sendo esse um dos probióticos mais estudados no mundo e altamente seguro.

Referências:

1. Doron, S., Snydman, D. R., & Gorbach, S. L. (2005). Lactobacillus GG: bacteriology and clinical applications. Gastroenterology clinics of North America, 34(3), 483–ix.

2. Tan-Lim, C., Esteban-Ipac, N., Recto, M., Castor, M., Casis-Hao, R. J., & Nano, A. (2021). Comparative effectiveness of probiotic strains on the prevention of pediatric atopic dermatitis: A systematic review and network meta-analysis. Pediatric allergy and immunology : official publication of the European Society of Pediatric Allergy and Immunology, 32(6), 1255–1270.

3. Pace, F., Pace, M., & Quartarone, G. (2015). Probiotics in digestive diseases: focus on Lactobacillus GG. Minerva gastroenterologica e dietologica, 61(4), 273–292.

4. Panpetch, W., Visitchanakun, P., Saisorn, W., Sawatpanich, A., Chatthanathon, P., Somboonna, N., Tumwasorn, S., & Leelahavanichkul, A. (2021). Lactobacillus rhamnosus attenuates Thai chili extracts induced gut inflammation and dysbiosis despite capsaicin bactericidal effect against the probiotics, a possible toxicity of high dose capsaicin. PloS one, 16(12), e0261189.

5. Li, Y. T., Xu, H., Ye, J. Z., Wu, W. R., Shi, D., Fang, D. Q., Liu, Y., & Li, L. J. (2019). Efficacy of Lactobacillus rhamnosus GG in treatment of acute pediatric diarrhea: A systematic review with meta-analysis. World journal of gastroenterology, 25(33), 4999–5016.

6. Guo, Q., Goldenberg, J. Z., Humphrey, C., El Dib, R., & Johnston, B. C. (2019). Probiotics for the prevention of pediatric antibiotic-associated diarrhea. The Cochrane database of systematic reviews, 4(4), CD004827.

7. Horvath, A., Dziechciarz, P., & Szajewska, H. (2011). Meta-analysis: Lactobacillus rhamnosus GG for abdominal pain-related functional gastrointestinal disorders in childhood. Alimentary pharmacology & therapeutics, 33(12), 1302–1310.

8. Ji, J., & Yang, H. (2020). Using Probiotics as Supplementation for Helicobacter pylori Antibiotic Therapy. International journal of molecular sciences, 21(3), 1136.

9. Liu, S., Hu, P., Du, X., Zhou, T., & Pei, X. (2013). Lactobacillus rhamnosus GG supplementation for preventing respiratory infections in children: a meta-analysis of randomized, placebo-controlled trials. Indian pediatrics, 50(4), 377–381.

10. Fang, Z., Li, L., Zhang, H., Zhao, J., Lu, W., & Chen, W. (2021). Gut Microbiota, Probiotics, and Their Interactions in Prevention and Treatment of Atopic Dermatitis: A Review. Frontiers in immunology, 12, 720393.

11.https://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-in-n-76-de-5-de-novembro-de-2020-287508490 – acessado em 06 de Maio de 2022.

Eixo-cérebro-intestino e o papel dos probióticos [vídeo]

Neste vídeo, produzido pela PEBMED em parceria com a Cellera Farma, Guilherme Grossi Cançado fala sobre o papel dos probióticos na modulação do eixo-cérebro-intestino. A fisiopatologia ainda é pouco conhecida, mas alguns estudos apontam para possibilidades interessantes no uso da bacterioterapia.

Quer saber mais? Aperte o play e assista!

Autor:

Guilherme Grossi Cançado

Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, SBH, GEDIIB.

Dispepsia funcional e gastroparesia: parte do mesmo espectro de doença?

A dispepsia, caracterizada por saciedade precoce, dor epigástrica, empachamento pós-prandial e náusea, pode ser encontrada em cerca de 10-20% da população mundial. Esses sintomas muitas vezes se sobrepõem àqueles observados na gastroparesia, definida por náuseas e vômitos associados a retardo no esvaziamento gástrico sem obstrução mecânica estrutural. A relação entre dispepsia tipo síndrome de desconforto pós-prandial e gastroparesia nunca foi bem esclarecida.

Estudo sobre a relação entre dispepsia e gastroparesia

Recentemente, Pasricha e colaboradores realizaram um estudo de coorte prospectiva de 48 semanas, incluindo 944 pacientes, sendo 720 com gastroparesia idiopática ou diabética e 224 com esvaziamento gástrico normal e diagnóstico de dispepsia funcional pelos critérios de ROMA III. Os dois grupos apresentavam sintomas semelhantes tanto no início do estudo quanto com 48 semanas.

Independente de apresentar esvaziamento gástrico normal ou alterado no início do acompanhamento, a presença de gastroparesia nos diferentes grupos se alterou ao longo do tempo, sendo que 41% dos pacientes mudaram de categoria. Dentre os pacientes com diagnóstico inicial de gastroparesia, seja ela idiopática ou diabética, 42% não mais preencheram o critério após 48 semanas. 

Já entre os pacientes do dispepsia funcional, 37% passaram a apresentam atraso no esvaziamento gástrico ao final do seguimento. Além disso, não se observou relação entre a gravidade dos sintomas e a gastroparesia. Independentemente do status da gastroparesia, a análise histológica de biópsias transmurais obtidas cirurgicamente de nove pacientes em cada grupo demonstraram redução nos número de células de Cajal e macrófagos mioentéricos com papel anti-inflamatório, comparado à indivíduos controle.

Conclusões do estudo

Os autores do estudo concluem, então, que a dispepsia funcional e gastroparesia parecem fazer parte do mesmo espectro clinicopatológico de disfunção neuromuscular, sendo que o esvaziamento gástrico isoladamente não é capaz de diferenciar as duas entidades, como previamente se acreditava. Cabe destacar que o novo Consenso de Roma IV já separa os sintomas cardinais de dispepsia funcional (saciedade precoce, empachamento pós-prandial, dor epigástrica ou queimação) daqueles das desordens associadas a náusea e vômitos crônicos, onde se inclui a gastroparesia (náuseas e vômitos).

 Considerações

Em um editorial publicado na mesma revista, Tack e colaboradores defendem que, independentemente dos desfechos do estudo conduzido por Pasricha, devemos seguir realizando estudos do esvaziamento gástrico, uma vez que podem ser úteis em diversos aspectos, como:

  • estabelecer um diagnóstico específico;
  • identificar o mecanismo por trás dos sintomas;
  • auxiliar na escolha do tratamento;
  • predizer desfechos de longo prazo.

Apesar do trabalho recém publicado não identificar diferenças de desfecho em 48 semanas de seguimento, estudos prévios de longo prazo observaram que pacientes com dispepsia funcional e esvaziamento gástrico alterado apresentam maior risco de persistência dos sintomas. Por fim, os editores propõem um fluxograma de classificação das doenças baseado nos achados desse novo estudo.

Fonte: https://pebmed.com.br/dispepsia-funcional-e-gastroparesia-parte-do-mesmo-espectro-de-doenca/

Autor:

Guilherme Grossi Cançado

Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, SBH, GEDIIB.

Referências bibliográficas:

  •  Pasricha PJ, et al. National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases/National Institutes of Health Gastroparesis Clinical Research Consortium. Functional Dyspepsia and Gastroparesis in Tertiary Care are Interchangeable Syndromes With Common Clinical and Pathologic Features. Gastroenterology. 2021 May;160(6):2006-2017. doi: https://doi.org/10.1053/j.gastro.2021.01.230
  • Tack J, et al. Gastroparesis: A Dead-end Street After All? Gastroenterology. 2021 May;160(6):1931-1933. doi: doi: https://doi.org/10.1053/j.gastro.2021.02.042

Uso do LGG (Lactobacillus rhamnosus GG) na redução dos dias de diarreia [Vídeo]

Os probióticos têm sido sugeridos como opção terapêutica e preventiva para uma grande variedade de doenças infantis. Revisões recentes na literatura mostram efeitos benéficos no tratamento diarreia associada a antibióticos, entercolite necrosante em recém-nascidos muito abaixo do peso, doença celíaca, entre outros.

No vídeo de hoje, a pediatra Roberto Castro comenta o uso do LGG na redução da diarreia. Quer saber mais? Aperte o play e assista!

Autor(a):

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Probióticos: um potencial aliado contra a covid-19

A covid-19, infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2, pode levar a uma grave inflamação das vias respiratórias e, por isso, já causou milhares de mortes. Para o controle da pandemia, além da vacinação em massa, várias outras estratégias têm sido estudas e o uso de probióticos tem emergido como uma promissora intervenção.

            Probióticos são microorganismos vivos que quando administrados na dosagem correta são capazes de alterar a resposta imune do hospedeiro. Existe uma gama de estudos que mostram que a microbiota intestinal influencia em desordens pulmonares como bronquite crônica, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, enfisema, câncer, derrame pleural e infecções virais. Além disso, já foi demonstrado também que doenças virais pulmonares alteram a microbiota intestinal.

Covid-19 e a microbiota intestinal

Um estudo chinês recente confirmou que a covid-19 causa um desbalanço da microbiota intestinal, o que evidencia a importância da regulação da flora intestinal, principalmente nos pacientes com Covid-19. Dessa forma, em Maio de 2020 um grupo de pesquisadores listou os mais importantes probióticos com potencial para ajudar no combate à doença: L. casei, L. gasseri, B. longum, B. bifidum, L. rhamnosus, L. plantarum, B. breve, Pedicoccus pentosaceus e Leuconostoc mesenteroides.

A infecção pelo SARS-CoV-2, em alguns pacientes, pode desencadear uma tempestade de citocinas que causa injúrias aos pulmões, trato gastrointestinal, cérebro, sistema cardiovascular, rins e olhos. Acredita-se que os probióticos seriam capazes de regular a função imunológica das células presentes na mucosa intestinal, visto que eles podem equilibrar os mecanismos de resposta imune (tanto inato quanto adaptativo).

A covid-19 cursa com 17,6% de sintomas gastrointestinais, sendo a presença de RNA viral nas fezes detectado em até 50% dos pacientes. Estudos experimentais mostram que os probióticos podem aderir às partículas virais impedindo sua ligação ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 nas células epiteliais do intestino.   A colonização pelas bactérias probióticas regula a flora intestinal favorecendo o fortalecimento da barreira mucosa e melhorando a disbiose e sintomas gastrointestinais como diarreia. As bactérias liberam diversas substâncias (como ácido lático, peróxido de hidrogênio, óxido nítrico, biosurfactante) que podem inibir a proliferação viral. Ademais, os probióticos também modulam a resposta imune ao ativar células NK, balancear a resposta Th1/Th2, controlar a produção de citocinas inflamatórias e auxiliar na ativação da produção de anticorpos específicos, atuando na comunicação do eixo pulmão-intestino

Probióticos na covid-19

D´Ettorre e colaboradores avaliaram o uso de probiótico durante a infecção por Sars-CoV-2 em 70 pacientes com covid-19 grave, sendo demonstrado uma redução na duração da diarreia e redução de falência respiratória no grupo intervenção, comparado ao tratamento convencional. Recentemente, estudo duplo cego, randomizado, controlado por placebo foi conduzido nos EUA para avaliar o uso de Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) na proteção contra o desenvolvimento de sintomas de Covid-19 em pacientes que haviam sido expostos ao SARS-CoV-2 nos últimos sete dias. Um total de 182 indivíduos foram avaliados e percebeu-se que os participantes que faziam uso diário de LGG tiveram menos sintomas até o 28º dia em comparação ao grupo que recebeu placebo, além de também terem demorado mais tempo para início da sintomatologia. Apesar do grupo que tomava LGG ter tido menos diagnóstico de covid-19, estatisticamente esse dado não foi relevante.

Apesar da amostra estudada ser pequena, o estudo sugere que o uso de LGG é bem tolerado e foi associado com um número maior de dias após o contato para o desenvolvimento de sintomas, além desses sintomas terem sido mais brandos. Esses dados indicam que outros estudos randomizados controlados maiores precisam ser feitos para avaliar o uso de LGG na Covid-19, principalmente comparando profilaxia pré e pós exposição em populações de alto risco para infecção grave pelo SARS-CoV-2.

Autora:

Raissa Moraes

Médica plantonista do CTI do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião ⦁ Médica do Hospital Dia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestranda em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

Referências bibliográficas:

1.           Veckman V, Miettinen M, Pirhonen J, Sirén J, Matikainen S, Julkunen I. Streptococcus pyogenes and Lactobacillus rhamnosus differentially induce maturation and production of Th1-type cytokines and chemokines in human monocyte-derived dendritic cells. J Leukoc Biol.  2004;75(5):764–71.

2.           Zelaya H, Tsukida K, Chiba E, Marranzino G, Alvarez S, Kitazawa H, et al. Immunobiotic lactobacilli reduce viral-associated pulmonary damage through the modulation of inflammation-coagulation interactions. Int Immunopharmacol. 2014;19(1):161–73.

3.           Khaled JMA. Probiotics, prebiotics, and COVID-19 infection: A review article. Saudi J Biol Sci. 2021;28(1):865–9.

4.           Singh K, Rao A. Probiotics: A potential immunomodulator in COVID-19 infection management. Nutr Res.2021;87:1–12.

5.           Tang H, Bohannon L, Lew M, Jensen D, Jung S-H, Zhao A, et al. Randomised, double-blind, placebo-controlled trial of Probiotics To Eliminate COVID-19 Transmission in Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): a clinical trial protocol. BMJ Open. 2021;11(5):e047069.

6. d’Ettorre G, et al. Challenges in the management of SARS-CoV2 infection: the role of oral bacteriotherapy as complementary therapeutic strategy to avoid the pogression of COVID-19. Front Med. 2020 Jul 7;7:389.

7. Wischmeyer PE, et al. Daily Lactobacillus Probiotic versus Placebo in COVID-19-Exposed Household Contacts (PROTECT-EHC): A Randomized Clinical Trial. MedRxiv 2022.01.04.21268275

Disbiose, doenças inflamatórias intestinais e probióticos

A microbiota intestinal é constituída por fungos, vírus e principalmente bactérias. Em indivíduos saudáveis as principais espécies bacterianas são: Firmicutes (64%), Bacteroidetes (23%), Actinobacteria (8%) e Proteobacteria (3%).   O seu desenvolvimento inicia-se após o nascimento seguindo até o estabelecimento de uma relação simbiótica com o hospedeiro.  A microbiota é essencial para o organismo e tem várias funções fisiológicas como a síntese de vitaminas B e K, formação de ácidos graxos de cadeia curta, manutenção da integridade da mucosa intestinal e produção de bacteriocinas, por exemplo.

Afinal, o que é disbiose?

A relação entre disbiose e doenças intestinais já foi aventada na literatura há muitos anos. Disbiose é definida como desequilíbrio na qualidade e na quantidade da microbiota intestinal. A etiopatogênese inclui obesidade, sedentarismo, dieta rica gordura, baixa em fibras, mas pode também ser causada por gastrectomia, diabetes, medicamentos como os antibióticos e os inibidores da bomba de prótons (IBPs) dentre outros. Este desequilíbrio entre populações bacterianas agressoras e protetoras pode levar a sintomas tais como: alteração de hábito intestinal (diarreia/constipação), flatulência, má absorção de nutrientes, aumento da permeabilidade intestinal, baixa de imunidade e brain fog.

Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)

              Retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) sãodoenças crônicas em que há inflamação do intestino, com etiologia ainda não totalmente esclarecida.  A RCU acomete a mucosa do cólon e do reto, enquanto a DC pode acometer toda a parede intestinal e topograficamente pode acometer da boca ao ânus, com predileção pela região ileocecal. Nas DII já está bem estabelecida a presença de alteração da microbiota do trato gastrointestinal, com aumento das famílias Enterobacteriaceae e redução das famílias Bacteroidetes.  Clinicamente manifesta-se com perda ponderal, anemia, dor abdominal, diarreia/constipação e febre.

Probióticos nas DII

              Probióticos são microrganismos vivos que, em quantidade adequada, conferem benefício para a saúde e têm sido estudados como potenciais agentes terapêuticos nas DII.  Sua capacidade de modular a resposta inflamatória na DII tem sido amplamente investigada.

As funções imunes dos probióticos já relatadas na literatura são:

  • Fortalecer a barreira intestinal através da secreção de muco e cloreto e na mudança na expressão de proteínas integrantes das tight junctions;
  • Reduzir a apoptose de células epiteliais;
  • Reduzir a ativação do fator NF-kB;
  • Aumentar a atividade das células natural killer;
  • Estimular a síntese de citocinas anti-inflamatórias.

A diversidade de cepas probióticas disponíveis no mercado faz com que a escolha por um probiótico seja um enorme desafio. As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são mais comumente usadas nas doenças intestinais, mas outras como Saccharomyces e algumas E.coli também podem ser utilizadas. A colonização bacteriana é essencial ao desenvolvimento e manutenção da homeostase intestinal, portanto deve-se dar prioridade para cepas que colonizam o intestino, nesta escolha. Embora o probiótico VSL#3® atue na indução da remissão na RCU ativa e seja tão eficaz quanto os 5-aminossalicilatos na prevenção de recidivas seu mecanismo de ação ainda não está estabelecido.  A cepa Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) induziu ao aumento de Imunoglobulina A, com melhora da capacidade imunológica intestinal e melhorou a permeabilidade paracelular intestinal dos pacientes. Esta cepa levou também a um maior tempo sem recidiva comparativamente à mesalazina em pacientes com RCU quiescente. Estudos, no entanto, mostraram a necessidade de precaução e cautela na prescrição deste probiótico em casos mais graves, para evitar a possibilidade de bacteremia. 

Diferentemente da RCU, a maioria dos estudos de alta qualidade científica concluiu pela falta de evidências que fundamentam o uso dos probióticos na indução e/ou manutenção da remissão na DC.

Referências bibliográficas:

  1. The International Journal of Inflammatory Bowel Disease is the official publication of the Brazilian Study Group of Inflammatory Bowel Disease (GEDIIB); https://gediib.org.br/wp-content/uploads/2019/10/L3_REVISTA-INTERNATIONAL-JOURNAL_VOL5-N1_PORTUGUES_16-08-2019-1.pdf (gediib.org.br) Acesso novembro 2021;
  2. 2. Shanahan F. (2012). The microbiota in inflammatory bowel disease: friend, bystander, and sometime-villain. Nutrition reviews, 70 Suppl 1, S31–S37. https://doi.org/10.1111/j.1753-4887.2012.00502.x;
  3. Currò, D., Ianiro, G., Pecere, S., Bibbò, S., & Cammarota, G. (2017). Probiotics, fibre and herbal medicinal products for functional and inflammatory bowel disorders. British journal of pharmacology, 174(11), 1426–1449. https://doi.org/10.1111/bph.13632;
  4. Feitosa P S,  Sousa AV. Doença de Crohn e uso de probióticos como tratamento adjuvante Brazilian Journal of Development, Curitiba, 2021, 7 (4); 42872- 42889.

Vera Lucia Ângelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Sócia Proprietária da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Ideação suicida entre médicos: burnout ou depressão?

O nono mês do ano é marcado por projetos destinados à conscientização e discussão saudável sobre o suicídio e suas implicações, o “setembro amarelo”. Desta vez, vamos discutir os principais pontos de um artigo publicado no JAMA em dezembro de 2020 e que procurou avaliar a relação entre ideação suicida e erros médicos com a síndrome de burnout e a depressão.

Alguns trabalhos mostram um risco aumentado de ideação suicida entre médicos, com taxas variando entre os anos de formação e de atividade profissional. Várias condições podem estar relacionadas a esse achado, como problemas nas relações interpessoais, uso de substâncias, sentimentos de culpa, tendência a comportamentos autodestrutivos, depressão e problemas ocupacionais. Este último ponto envolve um subgrupo de fatores que merecem destaque, como assédio no local de trabalho, a ausência de figuras de referência durante a formação pós-graduada, o grande volume de trabalho, a escolha por certas especialidades, etc. Não à toa os autores ressaltam que a síndrome de burnout vem alcançando níveis epidêmicos entre os médicos.

Contudo, há ainda uma discussão entre os estudiosos se a síndrome de burnout e a depressão fariam parte de um mesmo construto ou se seriam diagnósticos independentes. Neste trabalho, os autores citam uma metanálise e estudos psicométricos que sugerem tratar-se de entidades distintas, o que também foi encontrado por eles.

Estudo sobre burnout e depressão

Dessa forma, realizaram um estudo transversal entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019 com médicos selecionados randomicamente nos registros da American Medical Association Physician Masterfile. De todos os médicos convidados a participar do estudo, apenas 11,4% o fizeram, sendo que 1.354 participantes foram incluídos nas análises. Foi oferecido um incentivo financeiro para que esses médicos preenchessem um inquérito eletrônico composto por: consentimento para a participação na pesquisa, três subescalas para avaliar burnout, uma escala para avaliar depressão, um instrumento com quatro itens para avaliar erros médicos e sua frequência e uma pergunta sobre a presença de pensamentos suicidas nos últimos 12 meses.

A amostra selecionada era composta majoritariamente por homens, indivíduos de etnia branca, com menos de 45 anos, que não trabalhavam nos cuidados de saúde primários e estavam atuando na prática clínica.

Resultados

Dos 1.354 avaliados, 5,5% informaram ter tido pensamentos suicidas nos 12 meses anteriores. Antes de se ajustar para o transtorno depressivo maior, havia sido encontrada uma correlação entre burnout e ideação suicida. Contudo, essa associação não se manteve após o ajuste para depressão. Isso, inclusive, é consistente com a descrição da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a síndrome de burnout, na qual essa síndrome é entendida como ligada a questões ocupacionais; diferentemente dos transtornos mentais, que apresentam alterações em múltiplos domínios. Entretanto, foi encontrada uma correlação entre burnout e erros médicos relatados pelos próprios participantes. Essa associação com os erros médicos não ocorreu com a depressão.

A depressão propriamente dita correlacionou-se com a ideação suicida, mesmo após o ajuste para burnout. Isso se mostra consistente com o que é descrito pela literatura médica.

Dessa forma, é possível que associações anteriores entre burnout e ideação suicida sejam, na verdade, ou um fator de confundimento quando há depressão comórbida; ou fruto de uma associação indireta entre as duas condições; ou tenha ocorrido pela ausência de ajuste para depressão nas análises; ou os instrumentos usados nas pesquisas prévias não possuíam as características apropriadas.

É importante lembrar que a depressão é uma doença responsável por um grande impacto na vida dos pacientes, tornando necessária a avaliação médica e o tratamento correto – seja na forma de psicoterapia ou associada ao uso de psicofármacos e outras terapias biológicas. Já o burnout se relaciona às questões ocupacionais e, no caso dos médicos, pode afetar o atendimento dos pacientes ou, como sugerem os resultados deste trabalho, se relacionar a uma maior quantidade de erros médicos. A melhor forma de abordá-lo seria através de estratégias ocupacionais.

Considerações

Esses resultados devem ser interpretados à luz de limitações inerentes aos trabalhos científicos: estudos transversais não conseguem delimitar relações de causalidade; as questões referentes à seleção da amostra limitam a generalização dos resultados e a presença do viés de participação, uma vez que foram utilizadas escalas respondidas pelos mesmos.

Caso você ou alguém que você conhece tenha tido pensamentos que envolvam o conteúdo de suicídio, não deixe de procurar ajuda profissional.

Para mais informações sobre depressão e síndrome de burnout, acesse o Whitebook.

Fonte: https://pebmed.com.br/ideacao-suicida-entre-medicos-burnout-ou-depressao/

Autor(a): Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Referências bibliográficas:

  • Menon NK, Shanafelt TD, Sinsky CA, et al. Association of Physician Burnout With Suicidal Ideation and Medical Errors. JAMA Netw Open. 2020;3(12):e2028780. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.28780