Arquivo para Tag: Artigo

Ondansetrona na gestação: o uso é seguro?

O uso da internet traz rapidez, aproximação, facilidades, universalidade e praticidade na vida médica. Entretanto é um “universo novo”, onde qualquer um pode publicar qualquer opinião sobre qualquer assunto.

Somos inundados de informações novas a cada minuto, advindas dos mais diferentes setores. E nessa última semana, muitos colegas da obstetrícia receberam um comunicado sobre o aumento de risco fetal com uso de ondansetrona.

Essa droga, muito utilizada para vômitos incoercíveis em várias especialidades, também é comumente usada em obstetrícia em algumas fases da gestação para coibir vômitos que não melhoram com mudanças de hábitos alimentares ou outras medicações.

Em uma revisão da International Society of Pharmacovigilance (ISOP) considerou que o resultado de dois estudos recentes indicaram aumento do risco de malformações, em especial defeitos orofaciais. Esses estudos são:

  • Huybrechts et al: estudo de coorte retrospectivo de 88.467 mulheres expostas a ondansetrona no primeiro trimestre em comparação com 1.727.947 mulheres não expostas. Três casos para cada 10 mil foram identificados para mulheres expostas. Não foram observados casos de malformações cardíacas;
  • Zambelli et al: estudo retrospectivo caso-controle, realizado em 864.083 casais formados por mães e filhos, onde 76.330 receberam ondansetrona no primeiro trimestre. O risco de malformações cardíacas, principalmente septais, foi maior no grupo que recebeu ondansetrona no primeiro trimestre. Não se observou aumento de risco de defeitos orofaciais.

A partir daí temos, por outro lado, mais publicações que advogam o uso em situações que outras medicações tem falhado, como um recurso terapêutico:

  • Recomendações da UK Teratology Information Service e European Network of Teratology Information Services
  • Recomendações da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO);
  • Guia com informações sobre a classificação de risco e uso de medicamentos na gestação e lactação – Unicamp
  • Revisão sistemática sobre o risco de malformações a partir do uso de ondansetrona, pela revista Reproductive Toxicologist, concluindo que não estavam ligados;
  • Estudo publicado no site do Centers for Disease Control and Prevention mostrando que o uso do medicamento não aumenta risco fetal;
  • Estudo sobre a segurança da ondansetrona, publicado pela An International Journal of Obstetrics & Gynaecology (BJOG);
  • Intervenções para tratar náuseas e vômitos intensos durante a gravidez pelo Cochrane.

Com esse suporte na literatura acredito que o bom senso deva permanecer. Evitar drogas no primeiro trimestre sempre que possível é o ideal, mas a ondansetrona se mostra um recurso seguro para as exceções. Além dessas publicações, é importante lembrar que, no Brasil, temos o respaldo da FEBRASGO, que garante ser seguro seu uso.

Portanto, devemos sempre filtrar nossas origens das informações e pesar o risco x benefício para nossas pacientes.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/uso-de-ondasentrona-na-gestacao-mais-uma-controversia-digital/

Autor: João Marcelo Coluna – Médico Ginecologista e Obstetra pela Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Fisiopatologia pela Unoeste.

Referências bibliográficas:

Como realizar o manejo da enxaqueca hemiplégica?

A característica marcante da enxaqueca hemiplégica é a fraqueza unilateral que acompanha a crise de enxaqueca, uma manifestação da aura motora. A aura da enxaqueca hemiplégica é provavelmente causada pela depressão cortical disseminada, uma onda de despolarização neuronal e glial que se espalha pelo córtex cerebral.

Subtipos de enxaquecas hemiplégicas: familiar x esporádica

Dentre as enxaquecas hemiplégicas familiares (EHF), três merecem destaque – são canalopatias numeradas de acordo com o gene envolvido:

  • A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 1 (EHF1) é causada por mutações no gene CACNA1A;
  • Enxaqueca hemiplégica familiar tipo 2 (EHF2) é causada por mutações no gene ATP1A2;
  • E a enxaqueca hemiplégica familiar tipo 3 (EHF3) é causada por mutações no gene SCN1A.
  • Como esses tipos são transmitidos em um padrão autossômico dominante, o filho de um pai com enxaqueca hemiplégica familiar tem 50% de chance de herdar a mutação, embora a penetração dessas mutações seja variável. As mutações no gene PRRT2 não são claramente identificadas como causa da EHF.

Os pacientes que são o primeiro membro da família a ter enxaqueca hemiplégica são classificados como portadores do tipo esporádica.

A enxaqueca hemiplégica é um distúrbio raro. As formas familiar e esporádica ocorrem com igual prevalência e a idade média de início é de 12 a 17 anos.

Sintomas motores

Geralmente começam na mão e gradualmente se espalham no braço e depois na face. As características unilaterais da enxaqueca hemiplégica podem mudar de dimídio entre ou durante as crises. No entanto, sinais motores bilaterais ocorrem em até um terço dos pacientes, afetando os dois lados sucessivamente ou simultaneamente. O grau de fraqueza motora pode variar de leve a grave.

Em uma minoria, a fraqueza motora ou outros sintomas da aura podem se desenvolver de forma aguda (isto é, em menos de cinco minutos) e podem mimetizar um acidente vascular cerebral. As auras da enxaqueca hemiplégica costumam ser prolongadas; 41 a 58% dos pacientes têm auras com duração maior que 60 minutos e 2 a 8% têm auras com duração ≥ 24 horas.

O exame neurológico

Durante uma crise, a presença de um sinal de Babinski ou hiperreflexia podem ser notados. Entre as crises, a maioria dos pacientes tem um exame neurológico normal.

A maioria das pessoas com enxaqueca hemiplégica familiar tipo 1 e uma minoria do tipo 2 podem apresentar achados cerebelares, incluindo nistagmo evocado pelo olhar, disartria ou ataxia da marcha ou dos membros.

Critérios diagnósticos

A Classificação Internacional de Distúrbios da Dor de Cabeça, terceira edição (ICHD-3), para enxaqueca hemiplégica exige que as crises cumpram os critérios para enxaqueca com aura e apresentem adicionalmente sintomas de aura complexos que envolvam a fraqueza motora.

Os critérios para enxaqueca hemiplégica familiar exigem adicionalmente que pelo menos um parente de primeiro ou segundo grau tenha sofrido crises cumprindo os critérios para ela. Os critérios para o tipo esporádica especificam que nenhum parente de primeiro ou segundo grau apresentou crises cumprindo os mesmos critérios.

Embora os critérios da ICHD-3 exijam sintomas de aura totalmente reversíveis, em pacientes com enxaqueca hemiplégica os sintomas motores podem ser prolongados (por exemplo, até 72 horas) e raramente podem levar a déficits neurológicos permanentes.

Tratamento

O tratamento da enxaqueca hemiplégica envolve tratamento farmacológico com agentes normalmente usados para abortar ou prevenir a enxaqueca que não potencializam o risco de vasoconstrição cerebral. Devido à presença de déficit neurológico associado, pacientes com crises graves necessitam de internação.

Para pacientes com aura prolongada ou frequente, o verapamil é uma opção. Para os que necessitam de profilaxia, flunarizina, topiramato ou amitriptilina podem ser indicados. Já nos pacientes com enxaqueca hemiplégica familiar, é sugerido acetazolamida. A lamotrigina e a toxina botulínica são opções para aqueles que não respondem à terapêutica de primeira linha. Para crises graves, o uso de corticoide pode ser benéfico.

Triptanos e derivados da ergotamina são contraindicados na enxaqueca hemiplégica devido ao potencial de vasoconstrição cerebral, porém alguns especialistas argumentam que a contraindicação deve ser reconsiderada. Os betabloqueadores são outro grupo de drogas que são evitados como terapia preventiva.

Fonte: PEBMED https://pebmed.com.br/como-realizar-o-manejo-da-enxaqueca-hemiplegica/

Autor: Felipe Resende Nobrega – Mestre em Neurologia pela UNIRIO

Referências:

  • Uchitel J, Helseth A, Prange L, et al. The epileptology of alternating hemiplegia of childhood. Neurology 2019; 93:e1248.
  • Schwedt TJ, Zhou J, Dodick DW. Sporadic hemiplegic migraine with permanent neurological deficits. Headache 2014; 54:163.
  • Zarcone D, Corbetta S. Shared mechanisms of epilepsy, migraine and affective disorders. Neurol Sci 2017; 38:73.

Esquizofrenia: você sabe como fechar esse diagnóstico?

Em nossa publicação de conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, separamos a apresentação clínica e os critérios diagnósticos da esquizofrenia paranoide.

Apresentação clínica da esquizofrenia

Anamnese

Classicamente o paciente começa a manifestar os sintomas no final da adolescência e no início da vida adulta. É muito raro iniciar após os 50 anos. Homens tendem a manifestar os sintomas mais precocemente (18-25 anos). As mulheres apresentam sintomas por volta dos 20-25 anos, porém apresentam um pequeno pico de aumento de incidência aos 40 anos.

A esquizofrenia paranoide tende a se manifestar mais tardiamente que a esquizofrenia hebefrênica, não sendo uma regra geral. É comum, antes do início dos sintomas mais característicos, paciente apresentar leves sintomas cognitivos, sem grande expressividade.

O quadro pode se iniciar ou não com o trema, apresentação de um quadro ansioso intenso, com perplexidade e sensação de um grande mal iminente. É também chamado de humor delirante. Esses sintomas vão culminar na criação do delírio, juízo patologicamente falso, cujas características principais são a convicção plena, a impossibilidade de remoção, mesmo com provas concretas, a quebra com o lógico e o cultural da pessoa.

Os delírios são junto às alucinações, os principais sintomas positivos na esquizofrenia paranoide. São falsas crenças fixas (isto é, resistentes à mudanças por mais que haja evidências do contrário). Este sintoma pode se desenvolver como forma de explicar uma alucinação. Os principais conteúdos desses delírios são persecutórios, místicos, de infestação, de influência, além dos fantásticos. Tendem a ser menos sistematizados que os apresentados em geral pelos esquizofrênicos paranoides.

As alucinações são produções sensitivas na ausência de estímulo externo. O tipo de alucinação mais comum é a auditiva (vozes que conversam entre si, comentado atitudes do paciente e dando comandos), podendo também apresentar ilusões e alucinações visuais (vultos, sombras), táteis (animais caminhando ou sensação de calor ou choques) e gustatórias e olfativas, além de movimento (cinestésicas) e corporais (cenestésicas).

Outro sintoma que se mostra junto com os delírios e as alucinações no paciente com esquizofrenia paranoide é a autorreferência, quando crê que pessoas conversam e riem dele, além de crer que livros e jornais comentam sobre sua vida.

Outra característica marcante é a desorganização do pensamento ou do comportamento. Além disso, o pensamento sofre a cisão do encadeamento natural de ideias e juízos, ao que se dá o nome de forma do pensamento. Vai desde um afrouxamento dos nexos associativos, passando pela desagregação do pensamento, podendo a chegar a um discurso de conceitos soltos, chamado de jargonofasia ou salada de palavras. Na esquizofrenia paranoide, tendem a se manter apenas os afrouxamentos de nexos, podendo em momento de crises a apresentar sintomas mais graves.

Outro complexo psíquico que se altera é a consciência do eu. Pode apresentar uma perda do seu limite com o mundo, de sua unidade, de sua autonomia. O paciente pode apresentar também transmissão e roubo de pensamento (acha que outras pessoas sabem o que está pensando), as estereotipias motoras e neologismos (palavras inexistentes ou existentes, porém ganhando todo um novo significado para o paciente).

Os sintomas negativos tendem a ser menos pronunciados nos esquizofrênicos paranoides. Porém são presentes na quase totalidade destes, e de muito difícil controle medicamentoso. Estão presentes o retraimento social, o embotamento afetivo, a hipobulia e a alogia.

O comprometimento cognitivo se refere a áreas da cognição que são afetadas: linguagem, atenção, memória de trabalho, memória visual e de aprendizado, função executiva, compreensão verbal e socialização.

Outros: alterações neurológicas (como agrafoestesia ou estereognosia ou secundários ao tratamento farmacológico); catatonia; alterações metabólicas (primárias ou secundárias à medicação).

O curso é crônico, com padrão clássico de surto-remissão, com piora dos sintomas residuais a cada nova piora (padrão análogo ao da esclerose múltipla). A maioria dos pacientes apresenta piora do funcionamento gradualmente, no entanto outros conseguem se manter em uma linha de base de funcionamento perto do normal.

Marcadores de gravidade: São fatores para pior prognóstico na esquizofrenia:

  • Início na juventude;
  • Ausência de “gatilho”;
  • Início insidioso;
  • História social, sexual e profissional pré-mórbida pobre;
  • Comportamento retraído;
  • Solteiro/divorciado/viúvo;
  • História familiar positiva;
  • Sistema de apoio fraco;
  • Sintomas negativos;
  • Sintomas neurológicos;
  • História de trauma perinatal;
  • 3 anos sem remissão de sintomas;
  • Muitas recaídas;
  • História de agressividade
  • Risco de suicídio.

Fatores de risco:

  • História familiar positiva;
  • Nascimento entre o inverno e o início da primavera;
  • Imigração;
  • Pais mais velhos à idade da concepção;
  • Complicações obstétricas;
  • Habitante de áreas urbanas;
  • Moradores de rua.

Comorbidades frequentes:

  • Transtorno depressivo;
  • Transtornos ansiosos;
  • Transtorno por uso de álcool ou outras substâncias.

Abordagem Diagnóstica

Anamnese e exame físico – colher informações de familiares e cuidadores ajudam a entender o que se passa com o paciente fora do ambiente médico.Exame psíquico – não há sinais ou sintomas patognomônicos.

Afastar principais diagnósticos diferenciais – trata-se de um diagnóstico de exclusão.

Avaliar se secundário ao uso de substâncias.

Exames de rotina:

1ª Consulta:

  • Hemograma (avaliar anemia ferropriva ou macrocítica);
  • PCR: avaliar inflamação;
  • Colesterol total e frações;
  • Glicemia de jejum;
  • Eletrólitos;
  • Função renal;
  • Hepatograma;
  • Função tireoidiana;
  • Prolactina;
  • Sorologia para HIV, hepatite C e sífilis;
  • Imagem: apenas em caso de suspeita de síndrome neurológica associada;
  • ECG: avaliar prolongamento de espaço QTc.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/esquizofrenia-voce-sabe-como-fechar-esse-diagnostico/

Este é um conteúdo que faz parte do Whitebook Clinical Decision, aplicativo de tomada de decisão médica.

Probióticos: o que o médico precisa saber

Probióticos são microrganismos vivos que usamos na prática clínica por seu potencial de causar efeitos benéficos à saúde. Apesar do uso frequente, poucos médicos conhecem bem o que são esses microrganismos e suas indicações, especialmente porque o estudo mais aprofundado da microbiota intestinal é algo relativamente recente na Medicina.

Se essas dúvidas também são suas e você gostaria de um resumo sobre probióticos e como eles funcionam, seu desejo é uma ordem!

O que são probióticos e para que servem?

Os probióticos podem ser encontrados em diversas formas farmacêuticas, incluindo alimentos derivados de leite e fermentados como iogurtes. Os germes contidos no fármaco podem ser variados, sendo os mais comuns as bactérias produtoras de ácido lático como Lactobacillus sp e Bifidobacterium sp e leveduras do gênero Saccharomyces (especialmente, S. boulardii).

O motivo principal para se prescrever um desses medicamentos é induzir adequação da microbiota intestinal para um perfil mais fisiológico e benéfico. Múltiplas pesquisas sobre esse tópico têm gerado evidência crescente de como os microrganismos habitantes do trato digestivo estão intimamente ligados à saúde global do indivíduo (até mesmo associados a estados de humor e outras alterações psicológicas). Além disso, várias doenças específicas do trato gastrointestinal são causadas ou favorecidas por desequilíbrios dessa microbiota.

Os efeitos variam de acordo com o agente usado, então os resultados não são os mesmos para qualquer fármaco ou forma farmacêutica usada. A eficácia também vai depender de outros fatores como a capacidade do microrganismo em sobreviver à acidez gástrica, aderir à mucosa intestinal e competir com os agentes patogênicos, além da segurança para uso humano e a estabilidade para armazenamento.

As formulações com mais de uma espécie são populares e, de fato, interessantes para a prescrição, já que o paciente pode ser colonizado apenas pela cepa “mais útil” naquele momento, facilitando o uso.

Mecanismo de ação e usos

O mecanismo de ação básico dos probióticos é a competição entre microrganismos benéficos e patogênicos. As bactérias e fungos administrados produzem agentes químicos que comprometem o crescimento dos demais: ácidos (lático, acético e propiônico), peróxidos, bacteriocinas, surfactantes, enzimas proteolítcas e outros exemplos.

Os agentes presentes nos medicamentos também competem com os patogênicos por espaço na mucosa gastrointestinal, aderindo ao epitélio de forma mais estável que os microrganismos indesejáveis.

Outro efeito dos probióticos é estimular o efeito de barreira que a mucosa intestinal exerce naturalmente. As bactérias e leveduras contidos nos fármacos estimulam a produção de mucinas (que têm efeito antibacteriano para os agentes patogênicos), além de reforçar as tight junctions que aderem os enterócitos e reduzir a permeabilidade do epitélio. Outra ação importante é o estímulo à ação imune, aumentando a capacidade fagocítica de leucócitos da mucosa e a produção local de imunoglobulinas (especialmente, IgA).

Vários usos vem sendo estudados, alguns com mais e outros com menos evidências.

Diarreia aguda: essa é a situação clínica com evidência mais sólida e eficácia comprovada para os probióticos (especialmente para rotavirus). Os efeitos observados são redução do tempo e da intensidade de diarreia. Algumas pesquisas experimentais (com grupos de intervenção e grupos de controle) mostraram redução em até 20% na duração da diarreia (com consequente redução na evolução para diarreia persistente) e redução da frequência de evacuações de 1-2/dia. Quem atende em pronto-atendimentos, atenção primária e zonas de baixo saneamento básico sabe que esses efeitos são suficientes para evitar desidratação grave e outras complicações. É importante notar que, no caso da diarreia, os probióticos eficazes foram apenas os contendo Lactobacillus e Bifidobacterium (Saccharomyces e Streptococcus, por exemplo, não geraram efeitos diferentes do placebo).

Diarreia induzida por antibióticos e Clostridium difficile: nesse caso, ao contrário, os probióticos mais eficazes são os contendo leveduras Saccharomyces (que produzem proteases inativadoras das toxinas A e B). Algumas meta-análises evidenciaram eficácia dos probióticos em prevenir a ocorrência da diarreia por antibióticos e tratar a infecção por C. difficile quando usados simultaneamente à antibioticoterapia. Outros estudos mostraram menor taxa de colonização por C. difficile em pacientes críticos com a administração de probióticos. O uso de medicamentos à base de Lactobacillus, nesse caso, não é eficaz, provavelmente, pelo efeito dos antibióticos sobre as próprias bactérias do preparado.

Síndrome do intestino irritável (SII): apesar de considerada uma doença funcional, existem teorias que explicam a SII através do supercrescimento bacteriano, principalmente de bactérias fermentadoras. Meta-análises recentes mostraram redução da dor abdominal em pacientes com SII em uso de probióticos, em comparação ao placebo. Nesse caso, os agentes mais eficazes foram Lactobacillus e Bifidobacterium. Porém, a maioria dos estudos não mostrou redução de outros sintomas como flatulência e distensão abdominal.

Doença inflamatória intestinal (DII): uma das teorias da patogênese das DII (retocolite ulcerativa – RU, doença de Crohn – DC, e ileíte terminal – IT) é a resposta inflamatória descompensada desencadeada pelo desbalanço da microbiota intestinal. Vários estudos têm mostrado a eficácia dos probióticos em, principalmente, reduzir a frequência de recidiva. Porém, em alguns deles, esses medicamentos foram capazes até de induzir a remissão (com ou sem associação à terapêutica convencional). Para a RU, as pesquisas mostraram bons resultados com algumas preparações contendo E. coli não patogênicas e associações de Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus; pacientes com DC responderam bem a Saccharomyces (porém a resposta não foi boa para formulações bacterianas); e pacientes com IT apresentaram melhor resposta com a associação Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus.

Alergias: nesse caso, a maioria das pesquisas é em relação a alergias na infância. Alguns estudos prospectivos administraram probióticos à base de Lactobacillus e Bifidobacterium para gestantes no fim da gravidez, continuando a administração nas crianças durante os primeiros 2 anos de vida. A incidência de alergias nas crianças do grupo de intervenção foi metade da observada no grupo controle, e o efeito se manteve mesmo após mais 4 anos de observação.

Outros usos: probióticos têm sido estudados também para doenças fora do trato gastrointestinal. Um bem estabelecido é para tratamento de candidíase vaginal recorrente. Muitas mulheres desenvolvem a vulvovaginite fúngica por desbalanço da microbiota vaginal normal (predominantemente composta por Lactobacillus) após uso de antimicrobianos, por exemplo. Nas pesquisas, o uso de supositórios vaginais contendo bactérias do gênero e até a ingestão regular de alimentos probióticos mostraram eficácia para tratamento e controle de recorrência dessa doença. Outros contextos têm sido estudados (como o tratamento de otites e outras infecções recorrentes de vias aéreas superiores), porém ainda com pouca evidência para apoiar o uso dos probióticos.

Dosagem

As dificuldades quanto à prescrição dos probióticos é justamente a inexistência de evidências sólidas quanto à posologia. É importante lembrar que os medicamentos contêm microrganismos vivos e que o armazenamento inadequado (seja no estoque, na farmácia, no hospital ou em casa) pode inviabilizar o uso.

Em geral, devem ser administrados, diariamente, alguns bilhões de unidades formadoras de colônia (UFC) para que o remédio exerça o efeito desejado. Para os lactobacilos, a dose diária recomendada é de 1-20 bilhões de UFC por dia, enquanto para Saccharomyces, de 250 – 500mg/dia.

Interações medicamentosas e efeitos adversos

A principal interação medicamentosa digna de nota é com antimicrobianos que, por atuar sobre os agentes contidos no medicamento, podem anular o efeito dos probióticos. O recomendado é separar o uso de probióticos e de antibióticos em pelo menos 2h. Os efeitos adversos mais comuns são distensão abdominal e flatulências no uso de preparados bacterianos e obstipação e polidipsia em preparados com Saccharomyces.

A maior preocupação é a possibilidade de infecções, considerando que estão sendo administrados microrganismos vivos. Existem relatos de casos na literatura, inclusive de quadros sépticos graves. Porém a incidência é extremamente baixa: menos que 1 em 1 milhão para preparações bacterianas e 1 a cada 5,6 milhões para os preparados de leveduras.

Os fatores de risco mais comuns para casos de bacteremia são estado crítico e terapia intensiva, uso de medicamentos imunossupressores e pacientes invadidos (sonda nasoenteral e catéter venoso central, principalmente). Nessas situações, os doentes estão suscetíveis a colonização e posterior infecção pelo ineficácia imunológica, além do fornecimento de superfícies inertes para adesão. No caso específico das sondas enterais e da jejunostomia, a via alternativa de administração forma um bypass que livra os microrganismos da ação do ácido gástrico, aumentando o número de agentes viáveis (o que pode favorecer infecções em pacientes já imunossuprimidos).

Outros fatores de risco menores são situações de quebra da barreira enteral (com hiperpermeabilidade de mucosa), doença cardíaca valvar (no caso do Lactobacillus) e administração concomitante de antibióticos de amplo espectro. Surpreendentemente, alguns componentes dos probióticos podem ser resistentes a alguns tipos de antibiótico, o que favoreceria o supercrescimento dos componentes do preparado. Além disso, a transmissão de mecanismos de resistência antimicrobiana das bactérias do medicamento para bactérias patogênicas também pode acontecer.

Conclusão

Probióticos têm tido cada vez mais abertura e oportunidades de uso dentro de várias áreas da Medicina e, aparentemente, realmente são drogas promissoras.

Porém, o uso difundido (inclusive sem prescrição médica) e a falta de rigor na execução de muitas pesquisas dificulta a geração de evidências de qualidade para diretrizes mais claras. Logo, são necessárias novos estudos na área para reafirmar a segurança e eficácia desses fármacos.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/probioticos-o-que-o-medico-precisa-saber/

Autor: Carlos Henrique de Sousa Ribeiro da Silva – Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da UFU 

Referências bibliográficas:

  • WILLIAMS, Nancy Toedter. Probiotics. 2010. Am J Health Syst Pharm. 2010;67(6):449-458.

Crianças com doença do refluxo gastroesofágico consomem mais calorias e gorduras

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e sua relação com a dieta é melhor estudada em crianças com até 2 anos de idade. Existe uma lacuna de conhecimento sobre associação da dieta habitual com DRGE em crianças tidas como “mais velhas”, nas quais a prevalência da doença pode chegar a até 20%.

Estudo russo sobre refluxo gastroesofágico em crianças

Na tentativa de melhor compreender a relação entre a dieta do paciente e a DRGE, pesquisadores russos estudaram o comportamento da doença em crianças maiores em idade escolar e adolescentes, considerando o consumo alimentar. Sabemos que é bastante difícil obter informações sobre hábitos nutricionais de crianças e adolescentes, muitas delas falham em recordar as informações sobre pratos, tamanhos das porções e frequências. Na tentativa de minimizar as falhas, um inquérito alimentar foi realizado duas vezes e com o auxílio dos cuidadores.

Além disso, o diagnóstico da DRGE não foi baseado apenas nos sintomas, sendo este confirmado pelos registros de impedâncio-pHmetria de 24 horas, tornando importante em situações em que a endoscopia não evidenciava uma esofagite.

Um total de 219 pacientes com idades entre 6 e 17 anos participaram do estudo. O diagnóstico de DRGE foi estabelecido em 147 (67,1%) crianças e adolescentes e o grupo controle foi constituído por 72 (32,9%) pacientes. Alguns dos resultados encontrados, foram:

  • O tabagismo foi mais disseminado no grupo controle, mas esses dados podem não ser confiáveis, por terem sidos autorrelatos;
  • A ingestão de álcool foi relatada apenas por alguns pacientes, não sendo possível estabelecer significância estatística;
  • De acordo com o cálculo do escore z do índice de massa corpórea (IMC), 101 pacientes do grupo total apresentavam peso normal, 54 pertenciam ao grupo com sobrepeso e 64 pacientes apresentavam obesidade;
  • Houve uma tendência para razão de risco maior de ter DRGE paralela ao aumento do peso.

E em relação à dieta?

Entre todos os sujeitos, aqueles com maiores escores z apresentaram maior valores energéticos na dieta habitual. A mesma tendência foi encontrada para o consumo de gordura total.

O consumo de nutrientes diferiu nos pacientes com DRGE com e sem esofagite. A dieta usual de pacientes com esofagite erosiva continha grandes quantidades de proteína, gordura total e menor quantidade de gordura poliinsaturada em comparação ao grupo com esofagite não erosiva DRGE.

Uma menor quantidade de consumo de fibra alimentar também foi associada a valores mais altos de IMC. Curiosamente, apesar da quantidade de fibra alimentar consumida não diferir na DRGE e nos controles com peso normal, foi significativamente menor naqueles que tinham excesso de peso ou obesidade.

Conclusão

Estudos publicados anteriormente sobre a associação entre o consumo alimentar com DRGE é controverso. Alguns demonstraram forte relação entre a ingestão de gordura e a quantidade de energia consumida e a presença de azia ou esofagite de refluxo.

Este estudo fornece novos dados sobre a associação da dieta com DRGE em crianças e adolescentes. Isso é importante para uma melhor compreensão dos mecanismos da doença e abordagens direcionadas para intervenções não farmacológicas.

Parece que a ingestão de refeições com alto teor de gordura pode atrasar o esvaziamento gástrico e diminuir a pressão do esfíncter inferior do esôfago. Isso resulta no aumento da exposição a ácidos e no número de refluxos gastroesofágicos, tornando importante o manejo dietético como terapia não farmacológica um ponto fundamental para controle da doença.

As diretrizes internacionais atuais sugerem algumas intervenções não farmacológicas como fracionamento das refeições, perda ponderal, elevação da cabeceira da cama e o não consumo de álcool, por exemplo. No entanto, elas ainda assim são consideradas frágeis, necessitando de mais estudos sobre essa temática.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/criancas-com-doenca-do-refluxo-gatroesofagico-consomem-mais-calorias-e-gorduras/

Autor: Jôbert Neves – Residência Médica em Pediatria Geral e Puericultura, e especialização em Gastroenterologia Pediátrica

Referências bibliográficas:

  • Borodina G, Morozov S. Children With Gastroesophageal Reflux Disease Consume More Calories and Fat Compared to Controls of Same Weight and Age. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020;70(6):808-814. doi:10.1097/MPG.0000000000002652

Crise de água no RJ: como manejar o paciente com diarreia na emergência?

As doenças diarreicas representam uma das cinco principais causas de morte em todo o mundo. Em tempos de crise de abastecimento de água no Rio de Janeiro, que apresenta sabor e odor alterados, a preocupação com esta patologia aumenta. A seguir, iremos revisar a abordagem da diarreia no contexto de emergência.

Diarreia

Vamos revisar alguns pontos importantes antes de prosseguirmos:

1) Diarreia é definida como a passagem de fezes amolecidas ou aquosas, geralmente pelo menos três vezes em um período de 24 horas.

2) Definição de acordo com duração dos sintomas:

  • Aguda: 14 dias ou menos de duração;
  • Diarreia persistente: mais de 14, mas menos de 30 dias de duração;
  • Crônica: mais de 30 dias de duração.

3) Diarreia invasiva, ou disenteria, é definida como diarreia com sangue ou muco visível, em contraste com a diarreia aquosa. A disenteria é comumente associada à febre e dor abdominal.

4) Etiologia: a maioria dos casos de diarreia aguda é causada por infecções e é autolimitada. As principais causas de diarreia infecciosa aguda incluem vírus (norovírus, rotavírus, adenovírus, astrovírus e outros), bactérias (Salmonella, Campylobacter, Shigella, Escherichia coli enterotoxigênica, Clostridioides [anteriormente Clostridium] difficile e outros) e protozoários (Cryptosporidium) Giardia, Cyclospora, Entamoeba e outros). Etiologias não infecciosas tornam-se mais comuns à medida que o curso da diarreia persiste e se torna crônico.

5) Em conjunto, a maioria dos casos de diarreia infecciosa aguda é provavelmente viral, como indicado pela observação de que as culturas de fezes são positivas em apenas 1,5 a 5,6% dos casos na maioria dos estudos. Entre aqueles com diarreia grave, no entanto, as causas bacterianas são responsáveis ​​pela maioria dos casos. Os protozoários são menos comumente identificados como agentes etiológicos da doença gastrointestinal aguda.

Avaliação do paciente com diarreia

1. História

A avaliação inicial de pacientes deve incluir uma história cuidadosa para determinar a duração dos sintomas, a frequência, as características das fezes e os sintomas associados. Além disso, deve-se tentar obter evidências de desidratação (por exemplo, urina amarela escura ou escassa, diminuição do turgor cutâneo, hipotensão ortostática).

Questionar sobre exposições em potencial, como histórico de alimentos, residência, exposição ocupacional, viagens recentes e remotas, animais de estimação e hobbies, também pode fornecer pistas adicionais de diagnóstico.

2. Exame físico

O exame se concentra na avaliação do status do volume e na identificação de complicações. A desidratação pode ser sugerida por membranas mucosas secas, turgor cutâneo diminuído, reduções posturais da pressão arterial e alteração sensorial.

O exame abdominal deve avaliar os achados que podem sugerir íleo ou peritonite, incluindo distensão abdominal, dor com percussão leve, rigidez abdominal ou dor à descompressão.

3. Exames laboratoriais

Os exames não são rotineiramente necessários para a maioria dos pacientes com diarreia aguda. Se houver depleção substancial de volume, um painel metabólico básico deve ser realizado para rastrear hipocalemia ou disfunção renal.

O hemograma completo não distingue de maneira confiável as etiologias bacterianas da diarreia, mas pode ser útil para sugerir doenças graves ou possíveis complicações. Uma contagem baixa de plaquetas pode suscitar preocupação pelo desenvolvimento da síndrome hemolítico-urêmica, e uma reação leucemoide é consistente com o diagnóstico de infecção por C. difficile.

Quando pedir hemoculturas?

As hemoculturas devem ser obtidas em pacientes com febre alta ou que pareçam sistemicamente doentes.

Quando pedir cultura de fezes?

A maioria dos pacientes não precisará deste tipo de exame, e adotaremos uma conduta expectante. No entanto, precisaremos estar atentos para pedir culturas de fezes na hora certa, ou seja, para pacientes com diarreia aguda adquirida na comunidade e as seguintes questões na apresentação:

  • Doença grave (diarreia aquosa abundante, sinais de hipovolemia, passagem de ≥6 fezes não formadas por 24 horas, dor abdominal intensa, necessidade de hospitalização);
  • Características de diarreia inflamatória (diarreia com sangue, fezes mucosas de pequeno volume, febre);
  • Características do hospedeiro de alto risco (por exemplo, idade ≥70 anos, doença cardíaca, condição imunocomprometida, doença inflamatória intestinal, gravidez);
  • Sintomas persistentes por mais de uma semana;
  • Preocupações com a saúde pública (por exemplo, doenças diarreicas em manipuladores de alimentos, profissionais de saúde e indivíduos em creches).

Quando pedir outros exames?

Testes de diagnóstico adicionais dependem dos recursos apresentados. A diarreia extremamente sanguinolenta justifica o teste da toxina Shiga (para identificar Escherichia coli produtora da toxina Shiga [STEC]) e leucócitos fecais ou lactoferrina, se disponível. Os testes para Clostridioides difficile devem ser realizados em casos de uso recente de antibióticos ou exposição a cuidados de saúde. O teste de parasitas não é necessário na maioria dos pacientes com diarreia aguda.

É útil, no entanto, em pacientes com diarreia persistente, em homens que fazem sexo com homens, em hospedeiros imunocomprometidos, durante um surto de transmissão pela água na comunidade (associado a Giardia e Cryptosporidium) ou em diarreia sanguinolenta com poucos ou nenhum leucócito fecal (associado a amebíase intestinal). Os testes parasitários incluem microscopia para óvulos e parasitas, além de testes antigênicos ou moleculares para organismos específicos.

Manejo dos pacientes com diarreia

A chave da terapia dos pacientes com diarreia é a reposição volêmica, preferencialmente por via oral, com soluções que contenham água, sal e açúcar. Adultos com hipovolemia grave devem receber inicialmente reposição de fluidos intravenosos.

Uma vez cheios, eles podem ser trocados para soluções de reidratação oral. A nutrição adequada durante um episódio de diarreia aguda também é importante.

Quando fazer antibióticos?

Para a maioria dos pacientes com diarreia adquirida na comunidade e não associada a viagens, recomenda-se não administrar rotineiramente a antibioticoterapia empírica, pois benefício da redução dos sintomas não supera as desvantagens (efeitos colaterais, promoção da resistência bacteriana, erradicação da flora normal) na maioria dos indivíduos com diarreia aguda, que geralmente dura pouco e é causada por vírus.

Sugere-se antibioticoterapia empírica para pacientes com doença grave, características sugestivas de infecção bacteriana invasiva (fezes com sangue ou mucoide) ou fatores do hospedeiro que aumentam o risco de complicações.

Mesmo que um patógeno bacteriano seja identificado, nem todos os pacientes necessitam de terapia antimicrobiana, e o Shiga toxin-producing Escherichia coli [STEC]) especificamente não deve ser tratado com antibióticos.

Outros medicamentos:

  1. Antiparasitários: devem ser usados somente para:
  • Amebíase, quando o tratamento de disenteria por Shigella sp fracassar, ou em casos em que se identificam nas fezes trofozoítos de Entamoeba histolytica englobando hemácias;
  • Giardíase, quando a diarreia durar 14 dias ou mais, se identificarem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal.
  1. Zinco: deve ser administrado, uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: 20 mg/dia.
  2. Agentes antimotilidade: loperamida pode ser usada com cautela em pacientes nos quais a febre está ausente ou é de baixo grau e as fezes não têm sangue. Para pacientes com características clínicas sugestivas de disenteria (febre, fezes com sangue ou mucoide), sugere-se evitar agentes antimotilidade, a menos que antibióticos também sejam administrados devido a preocupações de prolongar a doença nessas infecções. Nestes pacientes, o salicilato de bismuto é uma alternativa. O racecadotril é outro agente antissecretor eficaz.
  3. Probióticos: Probióticos com bactérias benéficas que auxiliam na manutenção ou recolonização do intestino com flora não patogênica também podem ser usados como terapia alternativa. Demonstrou-se que o Lactobacillus GG diminui a duração da diarreia infecciosa infantil e Saccharomyces boulardii pode ser eficaz na diminuição da duração da infecção por C. difficile.

Fonte: PEBMED https://pebmed.com.br/crise-de-agua-no-rj-como-manejar-o-paciente-com-diarreia-na-emergencia/

Autora: Dayanna de Oliveira Quintanilha – Especialista em Clínica Médica pela UFF

Referências:

  • LaRocque R, Harris JB. Approach to the adult with acute diarrhea in resource-rich settings.https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-adult-with-acute-diarrhea-in-resource-rich-settings
  • http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doencas-diarreicas-agudas
  • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/cartazes/manejo_paciente_diarreia_cartaz.pdf
  • https://oglobo.globo.com/rio/crise-da-agua-ufrj-afirma-que-ha-uma-ameaca-real-seguranca-hidrica-da-regiao-metropolitana-do-rio-24191800

Veja orientações da diretriz para manejo de náuseas e vômitos em crianças

Náuseas e vômitos são uma das mais corriqueiras queixas nos consultórios pediátricos, sendo também um sintoma comum entra as mais diversas patologias, tornando o conhecimento sobre o manejo fundamental para a boa prática pediátrica.

Antes de entrarmos no manejo deste sintoma, devemos recordar alguns conceitos fundamentais para o entendimento da abordagem a ser seguida.

Náuseas

Ocorre quando temos a perda do tônus gástrico, contração duodenal e refluxo do conteúdo duodenal para o estomago, levando assim a sensação subjetiva associada ao desejo de vomitar

Vômito ou êmese

É quando ocorre expulsão do conteúdo gástrico, contração dos músculos abdominais , rebaixamento do diafragma e abertura da cárdia.

Regurgitação

É considerada a expulsão de conteúdo gástrico de forma involuntária e sem esforço.

Refluxo gastroesofágico

É o retorno de conteúdo gástrico para o esôfago, podendo chegar a diferentes áreas das vias aéreas superiores. Cabe ressaltar que na maioria dos casos o RGE é um processo fisiológico, o que difere da doença do refluxo gastroesofágico.

Identificação do quadro

Considerando o grande número de patologias que cursam com vômitos, é fundamental que a anamnese e o exame físico sejam feitos de forma minuciosa considerando fatores como idade do paciente, história médica, tipo de evolução do quadro (agudo ou crônico), número de episódios, capacidade de ingestão de líquidos, hidratação do paciente, características do vômito, presença de sangue, sintomas associados, entre outros.

Cabe também ao pediatra estar atento aos sinais de alerta como hematêmese, vômitos biliosos, vômitos em jato, meningismo, letargia, febre persistente, fontanela hipertensa, hepatoesplenomegalia e distensão abdominal importante. Outro fator importante na avaliação de uma criança com vômitos é a avaliação da hidratação e estado nutricional, além de ajudar no diagnóstico esses dois fatores também são indicativos da gravidade do paciente.

A gastroenterite aguda é a principal causa de vômitos na população pediátrica, porém nunca devemos esquecer que doenças graves como meningite também podem cursar com quadro de vômitos, cabendo ao profissional de saúde diferenciar as duas patologias.

Quanto ao tratamento, consiste primordialmente em tratar a doença causadora dos vômitos, seguido por medidas não farmacológicas com higiene oral adequada, evitar odores fortes, tratar a desidratação, redução das porções alimentares e dar preferencia por alimentos frios, entre outros.

Mesmo com as medidas acima, pode ser necessário o uso de antieméticos, como os antihistamínicos, anticolinérgicos, antagonistas dopaminérgicos, antagonistas serotoninérgicos e fenotiazídicos.

Gastroenterite aguda

A gastroenterite aguda (GEA) é a principal causa de vômitos em pacientes pediátricos e também o principal motivo da insucesso da terapia de reidratação oral, por isso o sintoma deve ser prontamente resolvido. Nos casos de falha da terapia de reidratação oral, a reidratação venosa e reposição de eletrólitos deve ser iniciada rapidamente.

Devemos salientar que o uso de antieméticos anti-histamínicos do tipo 1 e dos antagonistas do receptor de dopamina do tipo 2 (metoclopramida e domperidona) não têm evidências científicas para o uso em pediatria.

Por outro lado, o uso da ondansentrona é o mais recomentados por estudos para o tratamento e prevenção de vômitos nos pacientes em quimioterapia ou no período pós-operatório, e na última diretriz da Sociedade Europeia de Gastroenterologia e da SBP a ondansentrona também foi a medicação mais recomendada para o controle dos vômitos na GEA.

Portanto, devemos sempre lembrar que apesar de ser um sintoma comum a diversas patologias pediátricas, a náusea e os vômitos podem constituir um sinal inicial de uma doença potencialmente grave, que necessita de intervenção imediata pela equipe médica.

Fonte: PEBMED: https://pebmed.com.br/veja-orientacoes-da-diretriz-para-manejo-de-nausea-e-vomitos-em-criancas/

Autora: Carolina Monteiro – Pediatra pelo Hospital Municipal Salgado Filho e Neonatologista pelo Hospital Federal de Bonsucesso.

Principais Problemas Decorrentes do Desequilíbrio da Microbiota Intestinal na saúde do adulto

Importância da Microbiota Intestinal

A microbiota intestinal constitui a maior comunidade de microrganismos associada ao corpo humano, com um papel preponderante na homeostasia do organismo, e cuja modificação, pela redução da diversidade e/ou pela alteração da proporção de elementos específicos, parece estar associada a várias patologias.1

Um importante papel da microbiota intestinal relacionado com a manutenção do hospedeiro é a sua contribuição para o desenvolvimento de um sistema imune mais robusto e equipado com um leque de células e moléculas, que permitem maior capacidade para combater patógenos microbianos. Vários dados têm confirmado que a microbiota intestinal está envolvida em uma interação dinâmica com o sistema imune – inato e adaptativo – que afeta diferentes aspectos do seu desenvolvimento e função.2

Fatores que alteram a composição da microbiota intestinal

Existem vários fatores que influenciam a composição da microbiota intestinal. O desequilíbrio desta composição é chamado de disbiose. Dentre eles, podem-se indicar: a diarreia, que pode ser tanto causa como consequência da alteração da microbiota; o uso de antibióticos; a dieta alimentar inadequada; o consumo de bebidas alcoólicas; o fumo; o uso de agrotóxicos e metais pesados na agricultura que acabam contaminando alimentos e água que se bebe; o estresse pelo trabalho e algumas doenças crônicas, a saber: diabetes e doenças inflamatórias intestinais.3

É fundamental entender que, se houver uma supressão da microbiota normal, cria-se um local parcialmente vazio que tende a ser preenchido por microrganismos provenientes do ambiente ou de outras partes do corpo. Estes microrganismos comportam-se como oportunistas e podem tornar-se patógenos.4

Exemplos de intercorrências resultantes da disbiose

A presença da microbiota intestinal é importante quanto à resistência ou à suscetibilidade a uma série de doenças inflamatórias, dentre elas, a doença inflamatória intestinal. Da mesma forma, o balanço da microbiota pode estar relacionado a uma gama de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes tipo II. Doenças cardíacas, neurológicas e dermatológicas – como a dermatite atópica – também podem apresentar relação com o balanço da microbiota do trato gastrointestinal. O estresse oxidativo, a indução de bacteriófagos e a secreção de toxinas bacterianas podem desencadear mudanças rápidas entre os grupos microbianos intestinais, resultando em disbiose.8

A diarreia infecciosa é a intercorrência mais usual em questões de desordens gastrointestinais. As espondiloartrites, por exemplo, representam um conjunto de doenças inflamatórias crônicas em que a ação de fatores ambientais – incluindo a microbiota – em indivíduos com determinada suscetibilidade genética será determinante para o seu desencadeamento e progressão ao longo do tempo.1,5,6,7

Especificamente sobre as diarreias, elas podem estar associadas a diversos fatores do ambiente, podem ser adquiridas a partir da ingestão de alimentos ou água contaminados com enteropatógenos bacterianos, por exemplo, causando a disbiose. A diarreia do viajante, cuja fonte é predominantemente comida contaminada, caracteriza-se por ser costumeiramente diagnosticada em pessoas que viajam para locais com tratamento de água deficiente. Ela afeta 20% a 50% dos viajantes que se deslocam para destinos tropicais e subtropicais. Náusea, vômito, cólica abdominal podem ocorrer com diferentes graus de severidade. As diarreias associadas a antibióticos, por sua vez, são relativas ao uso demasiado de medicamentos antibióticos, o que altera a composição microbiana do trato gastrointestinal. Uma complicação mais grave das diarreias associadas a antibióticos é a colite pseudomembranosa. 11, 12, 13

As doenças autoimunes têm sido foco no que se refere aos esforços, por parte da comunidade científica, para esclarecer o papel da microbiota no desenvolvimento dessas enfermidades. Estudos descrevem as perturbações da microbiota intestinal em modelos animais de doenças autoimunes, como diabetes tipo 1, esclerose múltipla, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. 9, 10

Recentemente, o aparecimento de diabetes tipo 1 aumentou rapidamente e se tornou um grande problema de saúde pública em todo o mundo. Vários fatores estão associados ao desenvolvimento de diabetes tipo 1, como dieta, genoma e microbiota intestinal. Evidências mostram que a composição bacteriana intestinal alterada (disbiose) está altamente associada à patogênese da disfunção da insulina, hormônio responsável pela captação de glicose do sangue para as células, e diabetes tipo 1. 9, 10

Bibliografia

  1. MOTA, Inês Barreiros; FARIA, Ana; PIMENTEL-SANTOS, Fernando M.; CALHAU, Conceição. Microbiota intestinal e espondiloartrites: o papel da dieta na terapêutica.
  2. PURCHIARONI, A. F. et al. The role of intestinal microbiota and the immune system. Eur Rev Med Sci Pharmacol, v.17, n.3, p. 323-333, 2013.
  3. CHISSOCA, Antônio Ribeiro Chissululo. Influência da microbiota intestinal nas propriedades imunológicas de uma vacina recombinante. Antônio Ribeiro Chissululo Chissoca; orientador, Prof. Dr. Oscar Bruna Romero – Florianópolis, SC, 2016. 105 p.
  4. GIBSON, G. R.; ROBERFROID, M. B. Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concepts of prebiotics. Journal Nutrition, Bethesda, v. 125, n. 6, p. 1401-1412, 1995.
  5. DIBAISE, J.K. et al. Gut Microbiota and Its Possible Relationship with Obesity. Mayo Clin Proc, v. 83, n.4, p.460-469, 2012.
  6. ZHANG, Husen et al. Probiotics and virulent human rotavirus modulate the transplanted human gut microbiota in gnotobiotic pigs. Gut Pathog, v. 6, n. 1, p.1-7, set. 2014.
  7. DE VRESE, P.R.; MARTEAU. Probiotics and prebiotics: effects on diarrhea, J. Nutritional. v. 137, n.3, p. 8035 – 8115, 2007.
  8. WEISS, G Adrienne; HENNET, Thierry. Mechanisms and consequences of intestinal dysbiosis. 2017 Aug; 74(16): 2959-2977.
  9. OLIVEIRA, Gislane Lelis Vilela de; LEITE, Aline Zazeri; HIGUCHI,Bruna Stevanato; GONZAGA, Marina Ignácio; MARIANO, Vânia Sammartino. Disbiose intestinal e aplicações de probióticos em doenças autoimunes. Setembro de 2017; 152 (1): 1-12.
  10. Hui HanYuying Li; Jun Fang; Gang Liu; Jie Yin; Tiejun Li; Yulong Yin. Microbiota intestinal e diabetes tipo 1. 27 de março de 2018; 19 (4): 995.
  11. Oksanen PJ, Salminen S, Saxelin M, Hämäläinen P, Ihantola-Vormisto A, Muurasniemi-Isoviita L, et al. Prevention of travellers’ diarrhoea by Lactobacillus GG. Ann Med. 1990; 22 (1): 53-6.
  12. Hilton E, Kolakowski P, Singer C, Smith M. Efficacy of lactobacillus GG as a diarrheal preventive in travelers. J Travel Med. 1997; 4(1): 41-43.
  13. Guarner F, Khan AG, Garisch J, Eliakim R, Gangl A, Thomson A, et al. World Gastroenterology Organisation Global Guidelines: probiotics and prebiotics October 2011. J Clin Gastroenterol. 2012; 46 (6): 468-81.

Principais Problemas Decorrentes do Desequilíbrio da Microbiota Intestinal na saúde da criança

A microbiota, sua formação, variações e alterações

A microbiota humana é o conjunto de microrganismos que habitam as superfícies externas e internas do nosso corpo, tais como pele, mucosa oral e respiratória, ou o trato gastrointestinal (TGI) e geniturinário (TGU). Este conjunto de microrganismos é adquirido pelos recém-nascidos inicialmente no momento do parto. Entre os 18 e 24 meses se torna já semelhante à microbiota de um adulto. Uma das principais funções dessa microbiota é a estimulação do sistema imune, tornando-o apto a desenvolver suas funções de homeostase e defesa, através do amplo leque de células e moléculas que o compõe.1

Existem evidências de que variações na microbiota intestinal podem causar alterações no sistema imunológico, podendo constituir um ambiente que modula de forma negativa ou positiva a indução de uma resposta imune eficaz. O desequilíbrio da microbiota (disbiose) pode provocar não só dano tecidual, mas também anergia imune (a anergia é a inativação funcional das células linfocitárias do tipo T), inflamação intestinal crônica que, caso persistam, podem comprometer a resposta do hospedeiro aos antígenos.1

Microbiota materna e neonatal

A colonização inicial da microbiota humana se inicia ainda no período pré-natal, intraútero. Estudos recentes indicam a presença de microrganismos no líquido amniótico, membranas fetais, cordão umbilical, placenta e mecônio. Mas a sua consolidação se faz principalmente durante o nascimento, sobretudo através do parto normal, pela passagem do feto no canal vaginal e, também, por sua proximidade com as porções finais do sistema digestório materno.2,3,4,5.

De maneira geral, o impacto da saúde materna na microbiota neonatal ao nascimento ainda é um campo aberto para estudos. Segundo pesquisas, existe uma possível relação entre a disbiose da microbiota materna e neonatal com o diagnóstico de diabetes mellitus gestacional (DMG).  Estima-se que essa associação traga riscos potenciais de mudança microbiana para os neonatos.2

A diabetes mellitus gestacional (DMG) pode alterar a microbiota de mulheres grávidas e neonatos ao nascimento, o que claramente indica sobre outra forma de herança e destaca a importância de compreender a formação da microbiota no início da vida.2

Disbiose e impactos na saúde infantil

Em crianças, a regulação e o balanço da microbiota intestinal têm impactos tanto em funções gastrintestinais como na saúde imunológica. O equilíbrio garante a execução adequada de funções digestórias e a formação das defesas naturais, prevenindo portanto, doenças comuns na infância. A disbiose, então, tem relação clara com doenças infecciosas na infância. As diarreias e as infecções das vias aéreas superiores são exemplos comuns.3

A doença diarreica aguda (DDA) continua sendo a maior causa de mortalidade na infância no mundo inteiro. Sendo, na maioria das vezes, de caráter infeccioso (vírus, bactérias e parasitas), a DDA tem como base fisiopatológica a geração de processo inflamatório que culmina com alterações absortivas e que determina diarreia (três ou mais episódios em 24 horas), geralmente líquida, com ou sem febre e vômito.4

Muitas crianças, no mundo inteiro, sofrem com infecções das vias aéreas superiores (IVAS) a cada ano, sobretudo aquelas que estão em idade pré-escolar, quando o sistema imunológico ainda se encontra em desenvolvimento, principalmente se estiverem institucionalizadas, em creches ou berçários.5

Considerando crianças que apresentem infecções tanto do sistema digestório quanto do respiratório, é recomendada a adoção de um tratamento que vise restabelecer a composição e o equilíbrio da microbiota intestinal.6,7

Bibliografia

  1. CHISSOCA, Antônio Ribeiro Chissululo. Influência da microbiota intestinal nas propriedades imunológicas de uma vacina recombinante. Antônio Ribeiro Chissululo Chissoca; orientador, Prof. Dr. Oscar Bruna Romero – Florianópolis, SC, 2016. 105.
  2. WANG, Jingeng; ZHENG, Jiayong; SHI, Wenyu; DU, Nan; ZHANG, Yanming; JI, Peifeng; ZHANG, Fengyi; JIA, Zhen; WANG, Sim; ZHENG, Zhi; ZHANG; Hongping; ZHAO, Fangqing. Disbiose da microbiota materna e neonatal associada ao diabetes mellitus gestacional. Setembro de 2018; 67 (9): 1614-1625.
  3. TANAKA, M; NAKAYAMA, J. Development of the gut microbiota in infancy and its impact on health in later life. Allergol Int.

2017; 66(4): 515-22.

  1. NEISH, AS; DENNING, TL. Advances in understanding the interaction between the gut microbiota and adaptive mucosal immune responses. F1000. Biol Rep. 2010; 2:27.
  2. DOMINGUEZ-BELLO, MG; DE JESUS, Laboy KM; SHEN, N; COX, LM; AMIR, A; GONZALEZ, A. et al. Partial restoration of the microbiota of cesarean-born infants via vaginal microbial transfer. Nat Med. 2016; 22(3): 250-3.
  3. SEGERS, ME; LEBEER, S. Towards a better understanding of Lactobacillus rhamnosus GG – host interactions. Microb Cell Fact. 2014; 13 Suppl. 1: S7.
  4. ISOLAURI, E; JUNTUMEN, M; RAUTANEN, T; KOUVULA, T. A human Lactobacillus strain (Lactobacillus casei sp strain GG) promotes recovery from acute diarrhea in children. Pediatrics. 1991; 88(1): 90-7.
  5. HATAKKA, K; SAVILAHTI, E, MEURMAN, JH; POUSSA, T et al. Effect of long term consumption of probiotic milk on infections in children attending day care centres: Double blind, randomised trial. BMJ. 2001; 322(7298): 1327.
  6. HOJSAK, I; SNOVAK, N; ABDOVIC, S; SZAJEWSKA, H; MISAK, Z; KOLACEK, S. Lactobacillus GG in the prevention of gastrointestinal and respiratory tract infections in children who attend day care centers: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Clin Nutr. 2010; 29(3): 312-6.

A importância da microbiota na saúde da criança

A importância da microbiota na saúde infantil.

A comunidade microbiana intestinal é estabelecida tanto durante o período neonatal como no início da infância. No momento do nascimento, os microrganismos colonizam o tubo gastrointestinal do bebê, e entre os 18 e 24 meses de vida a microbiota da criança já se torna semelhante à de um adulto. Os recém-nascidos de parto normal, por sua vez, possuem uma microbiota semelhante à da mãe. Esse quadro se dá, sobretudo, devido à passagem do feto pelo canal vaginal. Recém-nascidos de cesariana não possuem essa mesma oportunidade de colonização, portanto, as probabilidades para desregulações e alergias podem ser maiores para estas crianças no futuro. 3-4

Mas, afinal, o que é microbiota?

O organismo é colonizado por milhões de bactérias distribuídas em centenas de espécies não patogênicas, com grande influência para a saúde. O intestino é o principal órgão de colonização destas bactérias; neste ambiente específico se forma a microbiota intestinal. Ela atua em diversas frentes e com diferentes funções: auxilia o metabolismo de fibras e toxinas, age no suporte às demandas de outros sistemas – como o imunológico, o nervoso e o próprio digestório – exercendo papel essencial na proteção de doenças. 4

O microbioma, por sua vez, é definido como o conjunto de micro-organismos e genes que colonizam todo um meio natural. O microbioma humano, por exemplo, diz respeito aos micro-organismos presentes em todo o corpo, para além do trato gastrointestinal, abrangendo também pele, cabelo, vias aéreas, trato urogenital e alguns órgãos e sistemas. 4

Como é a sua formação?

Antes mesmo do nascimento, caso o feto esteja em perfeitas condições de desenvolvimento (como dieta e temperatura adequadas, ambiente livre de patógenos e apresente tolerância imunológica) é possível identificar a presença de micro-organismos através da colonização do trato gastrointestinal. Ela ocorre, segundo alguns estudos recentes, quando o feto realiza a deglutição do líquido amniótico ainda intraútero. Neste momento, então, pode-se afirmar que a microbiota intestinal teve o seu início. 4-5

Após o nascimento, outros micro-organismos essenciais para uma vida saudável são introduzidos por meio da ingestão dos primeiros alimentos e, também, através do leite materno. O leite confere benefícios nutricionais essenciais à criança, ele é globalmente considerado o padrão-ouro para a alimentação infantil. Também, o leite materno garante benefícios não nutricionais explicados, sobretudo, pelos fenômenos epigenéticos.  Tais fenômenos são mecanismos moleculares envolvidos na interação entre fatores do ambiente e a expressão da informação contida no DNA. 1,5

A amamentação natural promove a maturação da microbiota saudável, destacando-se pela presença de lactobacilos e de carboidratos conhecidos como human milk oligosaccharides (HMOs), os quais auxiliam o crescimento e o desenvolvimento de bactérias não patogênicas. 5

A microbiota intestinal da mãe, portanto, é a principal fonte de bactérias que efetivamente colonizarão o trato gastrointestinal do recém-nascido e, assim, atuarão na promoção e no desenvolvimento do sistema imunológico. 1-5

Ressalta-se que algumas bactérias também podem ser transferidas de mãe para filho por meio do leite materno, são elas: Lactobacillus, Leuconostoc, Streptococcus, Enterococcus, Lactococcus e Weisella, bem como algumas espécies benéficas de Bifidobacterium. 5

A microbiota e o sistema imunológico

A principal função do sistema imunológico é defender o organismo contra patógenos invasores e outros agentes agressores, sendo eles infecciosos ou não. Em linhas gerais, ele atua também no reconhecimento de corpos, células e toxinas estranhas ao organismo, tal qual acontece na vigilância contra tumores. 5

Ainda intraútero, o sistema imunológico sofre uma espécie de hibernação de sua atividade (conhecida como downregulation) e passa a adquirir regularização após o nascimento e com o passar dos anos. Por essa razão – embora essa assertiva seja atualmente questionada – certos aspectos do sistema imunológico ainda não estão totalmente maduros nesse período, como por exemplo, a baixa concentração de anticorpos no recém-nascido (exceto da IgG, que é materna e transferida para o feto através da placenta). Existe, também, certo desequilíbrio na relação dos subtipos linfocitários, com discreto predomínio do subtipo Th2. 5

O leite materno é a melhor fonte de proteção ao recém-nascido contra enfermidades infecciosas, tendo grande influência sobre a composição da microbiota intestinal. A resposta microbiana intestinal leva à formação de anticorpos séricos contra bactérias patogênicas presentes no intestino, e estende essa proteção a outras mucosas e às glândulas exócrinas, como as salivares e as mamárias, durante a lactação. 3

Portanto, nessa fase, o sistema imunológico intestinal possui fundamental importância no amadurecimento global do sistema imunológico, criando uma barreira por meio da secreção de anticorpos (IgA), que inibem a colonização da mucosa por bactérias patógenas. Da mesma forma, utiliza mecanismos bioquímicos celulares, como a ativação de células específicas (T reguladoras) e a síntese de citocinas moderadoras (IL-10), que estão ligadas diretamente à tolerância oral. 5

Como manter a microbiota saudável?

Para um bom metabolismo materno e que ajude no crescimento e no desenvolvimento do bebê, é necessário que a mãe adote um estilo de vida que resulte em uma microbiota saudável para ambos. 5

Recomenda-se a adoção de hábitos saudáveis mesmo antes da gravidez. Indubitavelmente, esse comportamento otimiza a saúde da mãe ao passo que previne riscos durante a gravidez, quando ela acontecer. A microbiota intestinal da mãe influencia na formação do trato gastrointestinal do bebê, e pode ser modulada através de uma dieta adequada e suplementada com prebióticos e probióticos. Conforme supracitado, é durante o parto vaginal e durante a amamentação que a criança adquire uma série de bactérias provenientes da mãe. 2-5

Uma microbiota e um sistema imune equilibrados resultam em um indivíduo saudável. A microbiota não nasce pronta, ela se desenvolve ao longo do tempo. Sua formação precisa ocorrer de maneira robusta desde o período gestacional até o decorrer da infância, para que ao longo da vida não cause, eventualmente, desequilíbrio ao sistema imune e ao funcionamento intestinal (com a presença de inflamações e alergias). A adoção de hábitos saudáveis, como uma dieta adequada suplementada com prebióticos e probioticos, é um cuidado que, se mantido até a vida adulta, refletirá de maneira positiva os mecanismos dos processos digestórios. Haverá uma melhor absorção de nutrientes e um ótimo desenvolvimento da resposta imune, além da modulação do metabolismo e da prevenção de doenças. 4

Referências

1 – (FRANZ R. NOVAK, JOÃO APRÍGIO GUERRA DE ALMEIDA, GRACIETE O. VIEIRA, LUCIANA M. BORBA, 2001). Colostro humano: fonte natural de probióticos? 2001. Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/01-77-04-265/port.asp. Acesso em: 21 set. 2020.

2 – (ANGÉLICA DOS SANTOS PERBELIN, CAMILA VIEIRA DA SILVA, ENERI VIEIRA DE SOUZA LEITE MELLO, LARISSA CARLA LAUER SCHNEIDER, 2019). O papel da microbiota como aliada no sistema imunológico. 2019. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/51557/751375149170. Acesso em: 21 set. 2020.

3 – (DÉBORA BORGES DE OLIVEIRA SILVA, EDUARDO HENRIQUE MENDES REZENDE, GUILHERME DO VALE BESSA, KAMYLLA BORGES SANTOS, ALINE DE ARAUJO FREITAS, 2019) Desenvolvimento da microbiota do recém-nascido e sua relação com o tipo de parto. 2019. Revista Educação em Saúde. Disponível em: http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/educacaoemsaude/article/view/3789/2633. Acesso em: 21 set. 2020.

4 – (LU ZHUANG, HAIHUA CHEN, SHENG ZHANG, JIAHUI ZHUANG, QIUPING LI, ZHICHUN FENG). Microbiota intestinal na infância e suas implicações na saúde infantil. 2019. US National Library of Medicine National Institutes of Health. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6522475/. Acesso em: 21 set. 2020.

5 – (INDRIO F, MARTINI S, FRANCAVILLA R, CORVAGLIA L, CRISTOFORI, MASTROLIA SA, et al.) Epigenetic matters: the link between early nutrition, microbiome, and long-term health development. Front Pediatr. 2017; 5: 178.