Meningite e Saúde Mental

As meningites, infecções que acometem o espaço subaracnóideo e as leptomeninges do
Sistema Nervoso Central, são referenciadas como possíveis causadoras de prejuízos cognitivos
após sua fase aguda. Sua variabilidade etiológica pode causar curso variável da doença e uma
heterogeneidade de sintomas neuropsiquiátricos.1


Segundo o Ministério da Saúde, em 2021, a vacina contra meningite teve apenas 70% de
adesão por parte da população. A meta epidemiológica do MS é de 95% de vacinação do
público-alvo contra a meningite. O decrescimento da cobertura vacinal é o principal fator para
o aumento considerável dos índices e recrudescimento da doença no Brasil. 2


Pacientes sobreviventes de meningite, bacteriana ou viral, frequentemente se queixam de
consequências neurológicas e neuropsicológicas. Um estudo comparativo recente analisou
sequelas neuropsicológicas da meningite entre ambas as formas, bacteriana e viral. Os
pacientes foram comparados a 30 indivíduos saudáveis ajustados para idade, sexo e tempo de
escolaridade. Com exceção das funções de atenção, ambos os grupos apresentaram resultados
com índices patológicos mais frequentes do que o grupo controle para todos os domínios
examinados, correlacionando sequelas da doença com complicações de saúde mental.3


O comprometimento neuropsicológico de pacientes afetados pelo quadro de meningite viral é
mensurável e, nos casos de sequelas mais graves, apresentam efeito e impacto social para
essas pessoas, resultando muitas vezes em contextos relacionados a distúrbios de saúde
mental com diminuição do bem-estar psíquico. Complicações de meningite bacteriana
relacionadas à memória de curto prazo e às funções executivas têm impacto em outras funções
neuropsicológicas. Essas alterações também podem trazer impacto social e, por conseguinte,
interferências em questões de saúde mental.3


Doenças imunopreveníveis, quando não tratadas com terapia adequada, trazem danos à saúde
e interferências nas atividades do cotidiano devido aos eventuais quadros clínicos de surdez,
cegueira, paralisia, problemas neurológicos (incluindo neuropsicológicos) e suas possíveis
sequelas em tarefas do dia a dia. Com relação aos achados de memória, em curto prazo e à
memória de trabalho, os comprometimentos se mostram menos acentuados nos casos das
meningites virais. Quanto às funções executivas, estas se mostraram comprometidas em
ambos, contudo mais intensas nos casos bacterianos. Em suma, os prejuízos cognitivos
parecem ser menos graves nos casos de meningites virais quando comparados a meningites
bacterianas.3,4


O impacto em funções executivas vai, evidentemente, além do diagnóstico clínico. Seu
subdesenvolvimento representa impacto na vida social cotidiana, afetiva e intelectual, desde a
infância até a idade adulta. Tanto do ponto de vista individual como coletivo, há alterações em
habilidades de trabalho em equipe, liderança, tomada de decisão, pensamento crítico e
capacidade de adaptação – o que indica implicações para além do indivíduo, incluindo também
o meio social.3,4,5


A meningite é mais prevalente no início da vida, quando a população pediátrica saudável está
passando pelos marcos de crescimento e desenvolvimento da linguagem. Ensaios clínicos
investigaram se crianças com histórico de meningite bacteriana estavam em risco de
dificuldades de aprendizagem e linguagem após o acometimento da doença, como sequela.3,4,5


Pentland et. al. (2000) separaram cada participante com uma medida de habilidade cognitiva
não verbal e uma série de tarefas de linguagem. Essas crianças tiveram um desempenho ruim
em tarefas de linguagem aplicada, que exploram habilidades usadas no discurso. Os déficits
ocorreram apesar dos desempenhos adequados à idade em medidas de conhecimento
linguístico/gramatical. Tais achados ilustram claramente que a meningite bacteriana tem
implicações para o desenvolvimento contínuo da linguagem, o que enfatiza a importância do
acompanhamento em longo prazo.3,4,5


Os prejuízos cognitivos não necessariamente ocorrem em todos os pacientes com alguma
sequela de neuroinfecção, mas especialmente algumas delas se destacam devido à preferência
anatômica da lesão ou pelo mecanismo fisiopatológico envolvido. Alterações cognitivas
secundárias às neuroinfecções foram relatadas pela literatura científica, no entanto,
constatou-se que os aspectos neuropsicológicos nem sempre são valorizados durante a
avaliação médica do paciente. Nesse sentido, destaca-se a relação entre quadros de meningite
com episódios de epilepsia. Esta lacuna repercute diretamente na falta de assistência
neuropsiquiátrica desses pacientes portadores de sequelas cognitivas e comportamentais,
tanto no acompanhamento em regime de internação quanto ambulatorial. Não existindo o
diagnóstico da condição neuropsiquiátrica, não haverá reabilitação do paciente. As etiologias
da meningite variam em gravidade, desde benignas e autolimitadas até com risco de vida com
morbidade potencialmente grave. O diagnóstico baseia-se no exame do líquido
cefalorraquidiano obtido por punção lombar.6


O tratamento deve ser iniciado imediatamente nos casos em que a transferência, exames de
imagem ou punção lombar podem retardar um diagnóstico definitivo. Os antibióticos de amplo
espectro devem ser direcionados para os patógenos mais prováveis e devem ser ajustados pela
idade do paciente e pelos fatores de risco. Glicocorticóides, como a dexametasona, devem ser
administrados a crianças e adultos com suspeita de meningite bacteriana antes ou no
momento do início dos antibióticos. Recomenda-se a vacinação contra os patógenos mais
comuns que causam meningite bacteriana.7


Referências


1 – Schmidt H, Heimann B, Djukic M; Mazurek C; Fels C; Wallesch CW; Nau R.
Neuropsychological sequelae of bacterial and viral meningitis. Brain 2006; 129 (Pt2): 333-345.
2 – Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Medicina. 25 out 2022.
https://www.medicina.ufmg.br/aumento-de-casos-de-meningite-no-brasil-esta-relacionado-co
m-baixa-adesao-a-vacinacao/ Acesso em 18 nov 2022.
3 – L M Pentland, V A Anderson, J A Wrennall. The implications of childhood bacterial
meningitis for language development. Child Neuropsychol. 2000 Jun; 6 (2): 87-100.
4 – Ministério da Saúde. 30 Jun 2022.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2020/novembro/sus-disponibiliza-18-vacin
as-para-criancas-e-adolescentes. Acesso em 21 nov 2022.
5 – Harvard University. Center of Developing Child.
https://developingchild.harvard.edu/translation/resumo-funcao-executiva-habilidades-para-vi
da-e-aprendizagem/ Acesso em 21 nov 2022.
6 – Figueiredo N, Gonçalves M.; Psiquiatria na Prática Médica; Transtornos Mentais Associados
às Patologias Orgânicas. Novembro de 2014; Vol.19; Nº 11; POL-BR.
7 – Mount H, Boyle S. Aseptic and Bacterial Meningitis: Evaluation, Treatment, and Prevention.
Am Fam Physician 2017 Sep 1; 96 (5): 314-322.

Tratamento da irritabilidade em pacientes com Transtorno do Espectro do Autismo

Prof. Dra. Liubiana Arantes de Araújo
CRM/MG 36.278 | RQE 30.524
Título em Neurologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Médica Brasileira (AMB). Fellow nas áreas de neurociências e neuromodulação terapêutica pela Harvard Medical School. Doutora em neuropediatria e reabilitação pelo Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Presidente do Departamento de Neurodesenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria desde 2016.

Leia aqui no PDF:

Tricíclicos e probióticos no tratamento da síndrome do intestino irritável 

A síndrome do intestino irritável é uma doença funcional, recorrente da interação do cérebro-intestino que pode causar dores abdominais recorrentes. Existem diversos tratamentos da SII, entre eles os antidepressivos tricíclicos e os probióticos.

Os Tricíclicos apresentam eficácia no controle geral dos sintomas, inibindo a recaptação da noradrenalina e serotonina, neurotransmissores envolvidos na fisiopatologia da dor e com uma melhora perceptível entre 4 e 12 semanas. Entre os tricíclicos utilizados para essa finalidade, o que apresenta melhor tolerabilidade sem afetar a eficácia é a nortriptilina.

Além disso, a SII é uma doença multifatorial, dentre eles, a alteração da microbiota e a disbiose. Sendo os probióticos recomendados para uma melhor modulação dessa microbiota e melhorando o processamento da conexão central e sistema nervoso entérico.

Acesse a vídeo aula feita pelo Dr. Gerson Domingues, Prof. Adjunto da Disciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Ciências Médicas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Dra. Maria do Carmo, Vice-presidente do Núcleo Br. para Estudo do H. pylori e ex-presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia e entenda mais sobre o assunto:

Ansiedade, insônia, as implicações psicopatológicas no pós-pandemia e o uso de antidepressivo tricíclico como opção terapêutica

O transtorno de ansiedade generalizada, ou TAG, é de alta prevalência nos dias atuais.
Dentre as inúmeras queixas somáticas referidas pelos pacientes, o distúrbio do sono é
o principal sinal para busca por avaliação médica. Ensaios clínicos indicam que a
insônia constitui fator de risco para o aparecimento posterior de transtorno de
ansiedade. No contexto da pandemia do Covid-19, esta relação se aprofundou:
revisões sistemáticas já publicadas indicam que pacientes com Covid-19 referiram
ansiedade e/ou distúrbios do sono, sendo tais implicações psicopatológicas
reconhecidas como sintomas primários da fase pós-Covid-19 aguda.1,2,3,4,5,6


O tratamento do TAG é multifatorial e com diversas classes de medicamentos de
escolha: inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores seletivos da
recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRN), inibidores da monoaminoxidase
(IMAO), tetracíclicos (ADTC) e tricíclicos (ADTs). Entre os tricíclicos, destaca-se o
cloridrato de nortriptilina.7,8


O cloridrato de nortriptilina, cuja marca de referência é o Pamelor®, age no sistema
nervoso central. Atua como inibidor da recaptação dos neurotransmissores serotonina
e norepinefrina, com efeito vasoconstritor.7,8


Um ensaio clínico randomizado avaliou a terapia por administração de cloridrato de
nortriptilina e por adoção de terapia metacognitiva (MCT) para ansiedade, depressão e
sofrimento psíquico. A randomização distribuiu pacientes em três grupos, estes
recebendo MCT, nortriptilina e controles. O ensaio conclui que a combinação de
psicoterapia metacognitiva com terapia farmacológica conservadora, por meio do uso
de cloridrato de nortriptilina, é eficaz no combate aos sintomas de ansiedade e de
sofrimento emocional, no acompanhamento de curto e de longo prazo.8

O cenário pós-pandêmico do Covid-19 indica novos índices de prevalência para
enfermidades como ansiedade e distúrbios do sono. Ensaio clínico randomizado indica
que pacientes com Covid-19 apresentam, em relação à população em geral, um
aumento substancial destes distúrbios em comparação com a prevalência
pré-pandêmica: 47% dos pacientes experimentam TAG e 34% dos pacientes
apresentam distúrbios do sono.9,10,11


Neste contexto, levando-se em consideração que o TAG geralmente é crônico e
frequentemente associado a sintomas depressivos – e possivelmente a comorbidades
relacionadas ao sono -, a farmacoterapia ideal pode ser baseada em um medicamento
que trate adequadamente essas disfunções. Antidepressivos, especialmente aqueles
com ação no sistema serotoninérgico e, possivelmente, noradrenérgicos, podem ser a
opção adequada: eles não apenas tratam a ansiedade, mas também tratam ou
previnem o desenvolvimento de depressão como uma comorbidade ao TAG.9,10,11


Referências


1 – Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre:
Artmed; 2013.
2 – Kapczinski F, dos Santos Souza JJSS, Batista Miralha da Cunha AABC, Schmitt RRS.
Antidepressants for generalised anxiety disorder (GAD). Cochrane Database of
Systematic Reviews 2003.
3 – K Rickels, R Downing, E Schweizer, H Hassman. Antidepressants for the treatment
of generalized anxiety disorder. A placebo-controlled comparison of imipramine,
trazodone, and diazepam. Arch Gen Psychiatry. 1993 Nov; 50(11): 884-95.
4 – Jaime M Monti. Insônia primária: diagnóstico diferencial e tratamento. Rev Bras
Psiquiatria. 2000; 22(1): 31-4.

5 – Mario Gennaro Mazza, Mariagrazia Palladini, Sara Poletti. Post-COVID-19 Depressive
Symptoms: Epidemiology, Pathophysiology, and Pharmacological Treatment. CNS
Drugs. 2022 Jun 21;1-22. doi: 10.1007/s40263-022-00931-3.
6 – Jiawen Deng, Fangwen Zhou, Wenteng Hou, Zachary Silver, Chi Yi Wong, Oswin
Chang, Emma Huang, Qi Kang Zuo. The prevalence of depression, anxiety, and sleep
disturbances in Covid-19 patients: a meta-analysis.
Epub 2020 Oct 2.
7 – ANVISA. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. Consultas. Bulário Eletrônico.
Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/q/?nomeProduto=PAMELOR
Acesso em: 30 jun 2022.
8 – Batebi, S., Masjedi Arani, A., Jafari, M., Sadeghi, A., Saberi Isfeedvajani, M., &
Davazdah Emami, M.H. (2020). A randomized clinical trial of metacognitive therapy and
nortriptyline for anxiety, depression, and difficulties in emotion regulation of patients
with functional dyspepsia. Research in Psychotherapy: Psychopathology, Process and
Outcome, 23(2), 157-166. doi: 10.4081/ripppo.2020.448.
9 – R B Hidalgo, J R Davidson. Generalized anxiety disorder. An important clinical
concern. Med Clin North Am. 2001 May; 85(3): 691-710.
10 – Salari, N., A. Hosseinian-Far, R. Jalali, et al. 2020. Prevalence of stress, anxiety,
depression among the general population during the COVID-19 pandemic: a systematic
review and meta-analysis. Global Health 16: 57. 112.
11 – Lin, L.-Y., J. Wang, X.-Y. Ou-Yang, et al. 2020. The immediate impact of the 2019
novel coronavirus (COVID-19) outbreak on subjective sleep status. Sleep Med.

Ideação suicida entre médicos: burnout ou depressão?

O nono mês do ano é marcado por projetos destinados à conscientização e discussão saudável sobre o suicídio e suas implicações, o “setembro amarelo”. Desta vez, vamos discutir os principais pontos de um artigo publicado no JAMA em dezembro de 2020 e que procurou avaliar a relação entre ideação suicida e erros médicos com a síndrome de burnout e a depressão.

Alguns trabalhos mostram um risco aumentado de ideação suicida entre médicos, com taxas variando entre os anos de formação e de atividade profissional. Várias condições podem estar relacionadas a esse achado, como problemas nas relações interpessoais, uso de substâncias, sentimentos de culpa, tendência a comportamentos autodestrutivos, depressão e problemas ocupacionais. Este último ponto envolve um subgrupo de fatores que merecem destaque, como assédio no local de trabalho, a ausência de figuras de referência durante a formação pós-graduada, o grande volume de trabalho, a escolha por certas especialidades, etc. Não à toa os autores ressaltam que a síndrome de burnout vem alcançando níveis epidêmicos entre os médicos.

Contudo, há ainda uma discussão entre os estudiosos se a síndrome de burnout e a depressão fariam parte de um mesmo construto ou se seriam diagnósticos independentes. Neste trabalho, os autores citam uma metanálise e estudos psicométricos que sugerem tratar-se de entidades distintas, o que também foi encontrado por eles.

Estudo sobre burnout e depressão

Dessa forma, realizaram um estudo transversal entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019 com médicos selecionados randomicamente nos registros da American Medical Association Physician Masterfile. De todos os médicos convidados a participar do estudo, apenas 11,4% o fizeram, sendo que 1.354 participantes foram incluídos nas análises. Foi oferecido um incentivo financeiro para que esses médicos preenchessem um inquérito eletrônico composto por: consentimento para a participação na pesquisa, três subescalas para avaliar burnout, uma escala para avaliar depressão, um instrumento com quatro itens para avaliar erros médicos e sua frequência e uma pergunta sobre a presença de pensamentos suicidas nos últimos 12 meses.

A amostra selecionada era composta majoritariamente por homens, indivíduos de etnia branca, com menos de 45 anos, que não trabalhavam nos cuidados de saúde primários e estavam atuando na prática clínica.

Resultados

Dos 1.354 avaliados, 5,5% informaram ter tido pensamentos suicidas nos 12 meses anteriores. Antes de se ajustar para o transtorno depressivo maior, havia sido encontrada uma correlação entre burnout e ideação suicida. Contudo, essa associação não se manteve após o ajuste para depressão. Isso, inclusive, é consistente com a descrição da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a síndrome de burnout, na qual essa síndrome é entendida como ligada a questões ocupacionais; diferentemente dos transtornos mentais, que apresentam alterações em múltiplos domínios. Entretanto, foi encontrada uma correlação entre burnout e erros médicos relatados pelos próprios participantes. Essa associação com os erros médicos não ocorreu com a depressão.

A depressão propriamente dita correlacionou-se com a ideação suicida, mesmo após o ajuste para burnout. Isso se mostra consistente com o que é descrito pela literatura médica.

Dessa forma, é possível que associações anteriores entre burnout e ideação suicida sejam, na verdade, ou um fator de confundimento quando há depressão comórbida; ou fruto de uma associação indireta entre as duas condições; ou tenha ocorrido pela ausência de ajuste para depressão nas análises; ou os instrumentos usados nas pesquisas prévias não possuíam as características apropriadas.

É importante lembrar que a depressão é uma doença responsável por um grande impacto na vida dos pacientes, tornando necessária a avaliação médica e o tratamento correto – seja na forma de psicoterapia ou associada ao uso de psicofármacos e outras terapias biológicas. Já o burnout se relaciona às questões ocupacionais e, no caso dos médicos, pode afetar o atendimento dos pacientes ou, como sugerem os resultados deste trabalho, se relacionar a uma maior quantidade de erros médicos. A melhor forma de abordá-lo seria através de estratégias ocupacionais.

Considerações

Esses resultados devem ser interpretados à luz de limitações inerentes aos trabalhos científicos: estudos transversais não conseguem delimitar relações de causalidade; as questões referentes à seleção da amostra limitam a generalização dos resultados e a presença do viés de participação, uma vez que foram utilizadas escalas respondidas pelos mesmos.

Caso você ou alguém que você conhece tenha tido pensamentos que envolvam o conteúdo de suicídio, não deixe de procurar ajuda profissional.

Para mais informações sobre depressão e síndrome de burnout, acesse o Whitebook.

Fonte: https://pebmed.com.br/ideacao-suicida-entre-medicos-burnout-ou-depressao/

Autor(a): Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Referências bibliográficas:

  • Menon NK, Shanafelt TD, Sinsky CA, et al. Association of Physician Burnout With Suicidal Ideation and Medical Errors. JAMA Netw Open. 2020;3(12):e2028780. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.28780

Transtornos mentais em pacientes pós-internação por Covid-19

Desde o início da pandemia, médicos e pesquisadores em todo o mundo vêm se perguntando se pacientes que estiveram internados por Covid-19 apresentam mais transtornos mentais após a alta e quais seriam esses transtornos. Os pacientes que estiveram em cuidados intensivos estariam mais propensos a transtornos mentais específicos ou a suas formas mais graves?

Essas questões foram debatidas em dois trabalhos independentes e que foram enviados aos editores de duas revistas médicas distintas: General Hospital Psychiatry e Intensive Care Medicine, ambos publicados em março deste ano.

Os estudos

No primeiro, são colocados, de forma resumida, os resultados de um estudo transversal realizado em um hospital em Cleveland (EUA) entre março e agosto de 2020. Nele, todos os pacientes que estiveram internados por Covid-19 no período descrito e que receberam alta posteriormente receberam uma mensagem recrutando para a participação no estudo, que consistia em acessar um link que direcionava os participantes para o preenchimento de escalas validadas para avaliação de 3 transtornos mentais: ansiedade (GAD-7), depressão (CES-D 10) e transtorno de estresse pós-traumático – vulgo, TEPT (PTSD-5).

No segundo trabalho, foram avaliados 47 pacientes que receberam alta após terem sido internados em unidades de cuidados intensivos (UTI ou CTI) devido à Covid-19 entre fevereiro e junho de 2020. Eles foram reavaliados cerca de um mês após a alta hospitalar e responderam a uma escala de avaliação de transtorno de estresse agudo (IES-R).

Resultados do primeiro trabalho

Inicialmente, vamos discutir os resultados do primeiro estudo, que avaliou quadros de ansiedade, depressão e TEPT. Dentre todos os pacientes que preencheram os critérios de recrutamento, todos receberam o convite para participar da pesquisa, mas apenas 19% responderam os questionários. Destes, 57% pontuaram para pelo menos um dos transtornos avaliados, sendo o mais comum o transtorno depressivo (42%), seguido por TEPT (34%) e finalmente os transtornos ansiosos (24%). Esses pacientes ainda foram divididos em dois grupos: pacientes que tinham história prévia de transtorno mental e os que não tinham história de transtorno mental antes da atual internação.

Na comparação entre eles, pôde-se observar que entre os que tinham história prévia de transtorno mental havia uma maior proporção de indivíduos pontuando para alguma forma de transtorno mental após a alta (78%) em relação aos que nunca tinham tido transtorno mental até então (42%). Mas, como os números indicam, não ter passado de transtorno mental não significa que esses indivíduos não fossem vulneráveis, encontrando-se o mesmo padrão já descrito: a depressão é o transtorno mais comum (37,2%), seguido por TEPT (23%) e transtornos ansiosos (11,2%).

Estes resultados não parecem ter sido influenciados pelo momento após a alta em que os questionários foram respondidos. Isso inclusive sugere a necessidade de seguir estes doentes por um maior período de tempo após a alta hospitalar, especialmente aqueles com história de transtorno mental.

Esses resultados parecem estar compatíveis com os achados de outros estudos de prevalência semelhantes e com o que foi observado nas pandemias anteriores (SARS e MERS). Contudo, tais análises devem ser contextualizadas: a taxa de resposta dos questionários foi baixa; é possível que os participantes justamente por apresentarem sintomas comportamentais ou psicológicos tenham optado por preencher os questionários; nem todos os pacientes poderiam estar internados por complicações da Covid-19, mas ter apresentado resultado positivo durante o período hospitalar; a forma como foi pesquisada a história patológica pregressa de transtornos mentais foi perguntando diretamente aos pacientes. Embora os autores não cheguem a mencionar isso, deve-se considerar que a amostra reflete a realidade daquela região, devendo-se ter cuidado na extrapolação de seus resultados.

Resultados do segundo trabalho

Já o segundo trabalho avaliado, publicado na Intensive Care Medicine, avaliou 47 pacientes que tiveram Covid-19 após a alta do CTI. Estes foram entrevistados cerca de um mês após a alta com a escala IES-R para avaliar a presença de transtorno agudo por estresse. No total, 40,4% dos avaliados preencheram critérios para o transtorno com o uso desta escala, sendo depois encaminhados para outros serviços onde poderiam ser melhor acompanhados e, se necessário, tratados.

Também foram avaliadas as manifestações clínicas e psíquicas que esses doentes apresentavam após a alta. Os sintomas clínicos mais comuns foram: astenia (97,8%), alterações no equilíbrio (19,2%), ageusia (19,2%), anosmia (10,6%), alterações auditivas (10,6%) e dispnéia (presente em 97,8% dos pacientes aos esforços moderados a graves, 27,7% aos esforços leves e 8,5% ao repouso).

Apesar de a presença de dispneia não ter sido diferente entre pacientes com ou sem o transtorno agudo por estresse, aqueles que pontuaram na escala para o transtorno referiram uma intensidade maior do quadro dispneico.

Ainda dentro do grupo com o transtorno, os sintomas característicos mais comuns foram os de caráter intrusivo, seguidos pelos evitativos e, por último, aqueles relacionados à hiperestimulação/reatividade, sem que houvesse diferenças nas características dos pacientes ou nas internações. No entanto, parece que os pacientes com o transtorno apresentavam um menor grau de hipóxia à admissão no CTI. Por estarem menos hipoxêmicos, poderiam também estar mais conscientes da experiência da internação, da sua condição de saúde e do que se passava com os demais pacientes internados – o que poderia justificar a relação com o transtorno.

Os pacientes também referiram outras queixas, sendo a mais comum o isolamento, por sua vez agravado pelas dificuldades de comunicação com a equipe de saúde e com os familiares. Muitos também relataram que suas memórias sobre o período não estavam muito claras, além de se queixarem de sentimentos de desrealização, pesadelos e até mesmo a crença de que se encontravam numa espécie de “falso hospital”.

Considerações sobre transtornos mentais pós-internação por Covid-19

Interessante notar que uma parte dos pacientes, independentemente de preencherem os critérios para o transtorno ou não, afirmaram que desejariam voltar ao local da internação, tanto para que isso ajudasse as suas memórias, como para poderem conhecer a equipe de saúde que cuidou deles.

Os resultados de ambos os trabalhos, mesmo com as devidas limitações, sugerem uma elevada prevalência de diferentes transtornos mentais em pacientes que estiveram internados por Covid-19. Dessa forma, esses pacientes deveriam ser seguidos e avaliados para a presença de transtornos mentais ao longo do seguimento após a alta. Isso parece ser ainda mais imperativo na população com história  pregressa de transtornos mentais.

Fonte: https://pebmed.com.br/transtornos-mentais-em-pacientes-pos-internacao-por-covid-19/

Autor(a): Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Referência Bibliográfica:

Mongodi S, Salve G, Tavazzi G, Politi P, Mojoli F. High Prevalence of Acute Stress Disorder and Persisting Symptoms in ICU Survivors After COVID-19. intensive Care Medicine, March 2021. doi: https://doi.org/10.1007/s00134-021-06349-7

Wang PR, Oyem PC, Viguera AC. Prevalence of Psychiatric Morbidity Following Discharge After COVID-19 Hospitalization. General Hospital Psychiatry, March-April, 2021. doi: https://dx.doi.org/10.1016%2Fj.genhosppsych.2020.12.013

Dor Neuropática Pós-COVID

Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP), a dor pode ser definida como: “Uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. Pela definição já conseguimos perceber que além das questões fisiológicas e anatômicas ocasionadas pela dor, é um sintoma que afeta o bem-estar social e psicológico do indivíduo.

Devido ao isolamento social causado pela pandemia de COVID-19, alguns males como a sarcopenia, piora de dores crônicas pela falta de condições de ir a médicos, deixar de ir à fisioterapia e diminuição de procedimentos intervencionistas analgésicos, há uma piora geral da dor, sendo necessário uma abordagem mais aprofundada sobre o tema.

No vídeo abaixo, a Dra. Mariana Palladini, especialista em terapia da dor, discorre de maneira objetiva sobre Dor Neuropática Pós-COVID.

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IBP podem ser utilizados para prevenção de úlceras de estresse em pacientes críticos?

A descontinuação da produção de ranitidina traz à tona uma discussão antiga, mas que precisa ser refeita para as novas gerações de profissionais médicos, bem como para as não tão novas assim. Inibidores de bomba de prótons podem ser utilizados para profilaxia de úlceras de estresse no paciente crítico? A resposta é: muito cuidado nessa decisão! E nós aqui do Portal iremos demonstrar a razão disso.

Prevenção de úlceras de estresse

Indivíduos que são admitidos em unidades de terapia intensiva estão propensos a apresentar sangramentos de trato gastrointestinal superior. Desde a década de 60, o assunto é evidente no meio médico e ganhou luz na discussão acadêmica após uma série de análises post mortem de indivíduos internados em unidades de terapia intensiva, evidenciando lesões de mucosas gástricas.

Dessa forma, 1 a cada 4 indivíduos internados em unidades de terapia intensiva apresenta essas lesões, cuja etiologia parece estar relacionada às alterações de perfusão na mucosa gástrica – que consistem não só de isquemias, mas também lesões de reperfusão.

Diante disso, para responder se o uso de IBPs é capaz de prevenir sangramentos gastrointestinais clinicamente relevantes e mortalidade por qualquer causa, este ano pesquisadores realizaram uma metanálise com metodologia network. O estudo reuniu 57 ensaios clínicos com uma população de 7293 indivíduos em ambiente de terapia intensiva.

Entendendo o método

Metanálises são estudos originais baseados em revisão sistematizada de literatura que utiliza a combinação de resultados de vários estudos originais encontrados de maneira rigorosamente ordenada para responder perguntas clínicas com maior poder de generalização. Tradicionalmente, metanálises comparam os resultados clínicos de estudos que adotam o mesmo tipo, ou mesmos tipos, de intervenção em determinada população e focando determinado desfecho (ex. uso de estatinas na prevenção primária de eventos cardiovasculares versus uso de estatinas associada à atividade física em todos os estudos).

Por outro lado, metanálises com metodologia network comparam resultados de intervenções diferentes para o mesmo desfecho que inicialmente não foram comparadas nos estudos originais, realizando essa comparação de modo direto e indireto.

Avaliando resultados

Em comparação com o placebo, os IBPs foram associados a uma redução expressiva no risco de sangramentos clinicamente importantes em indivíduos internados em unidades de terapia intensiva. O odds ratio foi de 0,24, com 95% IC 0,10-0,60, ao passo que o NNT foi de 63 (a cada 63 pacientes tratados, um teve o desfecho sangramento clinicamente significativo evitado). Por outro lado, os IBPs não apresentaram redução em causas gerais de mortalidade.

Os resultados da análise network avaliaram a influência de uso dos IBPs em comparação com antagonistas de receptores H-2 (ARH2) para os mesmos desfechos. Os autores encontraram um resultado de redução clinicamente significativa comparando-se as duas intervenções (IBP vs ARH2 OR 0,38, 95% IC 0,20-,073; NNT = 125). Assim os IBPs representam uma opção melhor em relação a essa modalidade de intervenção, segundo esse estudo.

Controvérsias

Além disso, os autores demonstraram que o uso de IBPs em pacientes críticos parece estar associado a maiores riscos de desenvolvimento de pneumonia quando comparado a ARH2 e/ou placebo. O dado, contudo, necessita ser avaliado com cautela, uma vez que, embora real, não é significativamente estatístico (o que implica dizer que, embora haja uma diferença numérica, essa diferença não pode ser generalizada em uma diferenciação prática por esses resultados).

Embora haja um total de 57 ensaios clínicos envolvidos nos resultados da metanálise, apenas 16 apresentaram um risco de viés baixo, os demais estiveram entre moderados e alto risco. Além disso, outro fator limitante relacionado ao processo foi a heterogeneidade entre os estudos em definir de modo consensual ou padronizado o que é um sangramento clinicamente significativo. Outro ponto determinante para essas diferenças, observadas as opções de critérios de inclusão em cada estudo que implicam em diferenças entre as populações analisadas.

Take-home message

  • Um a cada 63 pacientes é beneficiado na redução de risco de sangramentos gastrointestinais clinicamente relevantes quando utiliza IBPs comparado ao placebo;
  • Nenhum paciente foi beneficiado em relação à redução de risco de mortalidade por qualquer causa;
  • Nenhum malefício foi associado ao uso de IBPs em comparação ao placebo em pacientes críticos.

O que isso muda na minha prática?

A prevenção de úlceras de estresse é parte básica da prescrição de qualquer paciente em regime de terapia intensiva. O paciente crítico apresenta particularidades comuns ao tipo de cuidado ofertado independentemente da patologia de base a ser manejada, que podem resultar em sangramentos gastrointestinais com repercussões clinicamente significativas.

O uso de IBPs pode reduzir o risco de sangramentos, sem contudo mudar os riscos de mortalidade, sendo seu uso suportado por evidências de qualidade moderada.

Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/ibp-podem-ser-utilizados-para-prevencao-de-ulceras-de-estresse-em-pacientes-criticos/

Autor: Marcelo Gobbo Jr – Medicina da Família e Comunidade pela Fundação Pio XII

Referências bibliográficas:

  • Young PJ et al. Effect of stress ulcer prophylaxis with proton pump inhibitors vs histamine-2 receptor blockers on in-hospital mortality among ICU patients receiving invasive mechanical ventilation: The PEPTIC randomized clinical trial. JAMA 2020 Jan 17; [e-pub]. (https://doi.org/10.1001/jama.2019.22190)
  • Wang Y et al. Efficacy and safety of gastrointestinal bleeding prophylaxis in critically ill patients: Systematic review and network meta-analysis. BMJ 2020 Jan 6; 368:l6744. (https://doi.org/10.1136/bmj.l6744)
  • Alhazzani W, Alshamsi F, Belley-Cote E, et al. Correction to: Efficacy and safety of stress ulcer prophylaxis in critically ill patients: a network meta-analysis of randomized trials. Intensive care medicine 2018;44:277-8.
  • Alhazzani W, Alshamsi F, Belley-Cote E, et al. Efficacy and safety of stress ulcer prophylaxis in critically ill patients: a network meta-analysis of randomized trials. Intensive care medicine 2018;44:1-11.