25/05/2021
Transtorno depressivo em adolescentes: tratar com antidepressivos, psicoterapia ou os dois?

Já é de conhecimento público a crescente prevalência do transtorno depressivo maior no mundo, o que inclui a população infanto-juvenil. Por isso, mais estudos sobre o tema dedicados a essa faixa etária tem sido elaborados. Neste mês de julho, o Lancet Psychiatry lançou uma metanálise avaliando os tratamentos para depressão na infância e adolescência.

A presença do transtorno nesse grupo pode se apresentar de forma bastante heterogênea, como agressividade, irritabilidade ou recusa em ir para a escola. Dessa forma, pode influenciar em diversos setores da vida dos jovens, como na sua socialização ou no seu desenvolvimento acadêmico. Também pode precipitar o desenvolvimento de comorbidades, como transtornos alimentares, tabagismo, abuso de substâncias, uso de substâncias ilícitas e ideação suicida, além de ser considerada como uma das principais causas de morte nesta população. Por consequência, viemos observando um aumento das indicações de psicoterapia e de prescrição de medicações.

Contudo, alguns trabalhos anteriores vêm questionando os reais benefícios da terapia disponível quando comparamos a depressão a outros transtornos mentais (como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou os transtornos ansiosos). Este estudo foi realizado com a intenção de esclarecer um pouco as melhores abordagens nestes casos.

Tratamento do transtorno depressivo em crianças e adolescentes

De início, os autores optaram por atualizar a pesquisa de seus dois trabalhos anteriores com estudos sobre a monoterapia com antidepressivos e psicoterapia. Para o tratamento combinado foram feitas pesquisas em diversas bases de dados (LiLACS, PubMed, Cochrane, etc) cujo foco foram ensaios clínicos randomizados, publicados até 01/01/2019. Foram avaliados estudos que comparavam qualquer intervenção (medicação, psicoterapia ou ambos) com alguma forma de controle ou qualquer outra intervenção ativa para o tratamento agudo de crianças e adolescentes até 18 anos com diagnóstico de transtorno depressivo maior, distimia ou outros transtornos depressivos especificados.

Além da pesquisa em bases eletrônicas também foram feitas pesquisas manuais de trabalhos publicados, não publicados, em andamento (mas registrados), jornais científicos importantes e conferências. Também fizeram contato com autores e com a indústria farmacêutica solicitando relatórios dos trabalhos originais ou material não publicado. Não houve restrição de língua. Apesar de ser um estudo financiado, os autores declararam que o financiador não teve qualquer influência em nenhuma etapa da produção do trabalho.

Foram incluídos antidepressivos autorizados e em dose terapêutica de diferentes classes: inibidores seletivos da recaptação de serotonina (sertralina, paroxetina, escitalopram, citalopram e fluoxetina), inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (duloxetina, venlafaxina e desvenlafaxina), tricíclicos (nortriptilina, desipramina, imipramina, amitriptilina e clomipramina) e de outras classes (vilazodona, mirtazapina e nefazodona).

Além disso, foram usadas diferentes técnicas de psicoterapia (terapia cognitivo-comportamental, terapia comportamental, terapia de família, psicodinâmica, terapia de apoio, interpessoal, focada na resolução de problemas, dentre outras) em diferentes formatos e através de diferentes vias (presencial, através da internet, em grupo ou individual) e a combinação de ambos. O controle farmacológico sempre foi obtido através de placebo e o psicoterápico foi feito com listas de espera, placebo psicológico ou tratamento padrão.

Os estudos feitos apenas com antidepressivos em monoterapia eram ensaios clínicos duplo-cegos com grupo controle. Já aqueles que avaliavam a psicoterapia ou a combinação (medicação + terapia) os observadores foram mascarados ou os pacientes foram avaliados através de escalas.

Para reduzir a heterogeneidade foram excluídos os estudos com algumas características, como aqueles com amostras inferiores a 10 pacientes e duração inferior a 4 semanas. Também foram excluídos pacientes com transtorno bipolar, depressão psicótica, resistentes ao tratamento ou que não preenchessem os critérios para transtorno depressivo. Em compensação, foram aceitos pacientes com as seguintes comorbidades: transtornos ansiosos e TDAH.

Os desfechos primários avaliados foram eficácia e aceitação (avaliada por todas as medidas de descontinuação). Já o desfecho secundário foi suicidalidade (entendido como ideação ou comportamento suicida). Para todas as análises tentou-se avaliar os desfechos em torno de 8 semanas. Quando não disponíveis foram usadas informações entre quatro e 16 semanas, com preferência aos dados mais próximos da oitava semana.

Limitações

Dentre uma série de limitações descritas pelos autores, destacamos algumas. Primeiramente deve-se considerar que a qualidade da maioria dos estudos foi considerada baixa ou muito baixa. Além disso, alguns trabalhos não relataram adequadamente como se deu a alocação e a ocultação. Também ressaltam a impossibilidade de realização de se fazer estudos duplo-cego com psicoterapia.

Adicionalmente deve-se contar o efeito da exclusão dos estudos em que os pacientes apresentavam sintomas subclínicos de depressão (mesmo essa população representando uma parcela significativa de pacientes nos consultórios e hospitais); depressão psicótica ou pacientes cujo quadro era resistente ao tratamento. Estudos observacionais foram igualmente excluídos e deve-se considerar que há poucos trabalhos sobre prevenção e recaída da depressão na faixa etária em questão.

Um viés de marketing relacionado à indústria farmacêutica pode ter contribuído para diferentes desfechos num mesmo estudo, apesar de os autores terem adotado medidas para reduzir este viés. Apesar dos esforços para coletar material não-publicado, é possível que alguns trabalhos tenham ficado de fora. Os autores também encontraram dificuldade em quantificar alguns desfechos como a descontinuação por efeitos adversos de um fármaco e a presença de efeitos adversos associados à psicoterapia.

Finalmente, é importante considerar as características de cada fármaco, como a dose necessária para se obter uma resposta e a meia-vida de uma medicação, ou seja, fatores que interferem com a titulação das drogas e o tempo necessário para alcançar a dose terapêutica.

Para mais detalhes sobre este trabalho, acesse o artigo original. A referência para isso pode ser encontrada na bibliografia.

Resultados e Discussão

Foram incluídos 71 ensaios clínicos para análise neste trabalho, totalizando 9.510 pacientes. Os trabalhos foram publicados entre 1986 e 2018, tendo sido comparados 16 antidepressivos, sete formas de psicoterapia, cinco terapias combinadas e três controles psicológicos ou uso de placebo. Desses, 4.081 pacientes foram alocados no tratamento com antidepressivos, 1.575 foram alocados para psicoterapia, 553 para o tratamento combinado e 3.301 para controle psicológico ou com placebo.

A idade dos participantes variou entre três e 20 anos (2 estudos incluíram pacientes até 20 anos, mas foram incluídos porque a idade média dos participantes era inferior a 18 anos, assim como a maioria dos pacientes). Da amostra, 57,2% era composta por mulheres e a duração média do tratamento agudo foi de oito semanas. Os participantes foram distribuídos de forma randômica em três ou mais grupos em dez dos 71 estudos e em 41 estudos os pacientes selecionados eram tratados em regime ambulatorial.

A maioria dos trabalhos foram feitos na América do Norte, seguidos pela Europa, Ásia, Austrália, América do Sul, diferentes continentes ou em foram feitos em outras áreas ou não tiveram seu local especificado. Dos 9.510 participantes 75,5% tiveram transtorno depressivo maior com gravidade de moderada a grave, com valores documentados em algumas escalas (Children’s Depression Rating Scale, Children’s Depression Inventory e Beck Depression Inventory). Do total, 33,8% dos estudos foram financiados pela indústria farmacêutica. Foram colhidas informações não publicadas de 11 dos 71 artigos.

Risco de vieses: 45,1% do material foi avaliado com alto risco de vieses, 45,1% como moderado e 9,9% como baixo.

Em termos de eficácia, apenas a terapia combinada de fluoxetina com terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a fluoxetina em monoterapia foram mais eficazes do que o placebo e os controles psicológicos. A terapia combinada de fluoxetina + terapia cognitivo-comportamental (TCC) mostrou-se mais eficaz do que a TCC ou a terapia psicodinâmica isoladas. Já a psicoterapia interpessoal foi mais eficaz do que os controles psicológicos, mas com baixa confiança.

No entanto, o uso de nortriptilina e a lista de espera foram piores do que outras intervenções, mas a interpretação dos dados da nortriptilina pode ser limitada a algumas inconsistências encontradas na metodologia da análise. Em termos de aceitação, a nefazodona e a fluoxetina foram menos descontinuadas do que a sertralina, a desipramina e a imipramina.

A imipramina foi mais associada à descontinuação do que o placebo, a vilazodona, a desvenlafaxina e a combinação de fluoxetina + TCC. A venlafaxina foi associada a um aumento significativo de ideação e comportamento suicida quando comparada ao placebo e outras 10 intervenções (fluoxetina, citalopram, escitalopram, duloxetina, imipramina, desvenlafaxina, fluoxetina + TCC, terapia de família, TCC isolada e placebo + TCC).

Esses achados são bem diferentes daqueles encontrados na população adulta, onde todos os antidepressivos descritos possuem eficácia documentada maior que o placebo, assim como as psicoterapias são superiores aos controles psicológicos.

Os autores especulam que tais diferenças poderiam estar relacionadas à aspectos do neurodesenvolvimento (como alterações hormonais, especialmente no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal); o fato de haverem poucos estudos com pacientes mais jovens; as diferenças de métodos de estudo nessas duas populações (talvez crianças e adolescentes respondam mais ao placebo) e por fatores relacionados às técnicas de psicoterapia (que muitas vezes são adaptações de técnicas originalmente desenvolvidas para adultos).

É necessário relembrar que em 2004 a Food and Drug Administration (FDA) colocou um alerta nos antidepressivos sobre seu uso em crianças, pois alguns trabalhos teriam destacado que essas medicações poderiam aumentar a ideação e o comportamento suicida. Como já colocado encontrou-se que a venlafaxina parece estar associada a um aumento significativo do risco de comportamento e ideação suicida em crianças e adolescentes, o que seria consistente com achados anteriores. Isso também pode ter ocorrido em consequência a uma maior notificação de dados sobre a venlafaxina.

A despeito disso, os autores escrevem que duas bases de dados norte-americanas com informações de mais de 220 mil jovens com depressão entre 2004 e 2009 mostraram que a aparente associação entre o uso de antidepressivos e as tentativas de suicídio e autoinjúria diminuíram e não foram estatisticamente significativas. No entanto, ainda sugere-se que os médicos assistentes monitorem seus pacientes com cautela ao iniciarem uma medicação antidepressiva.

Autora:


Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Referência bibliográfica:

  • Zhou X, et al. Comparative efficacy and acceptability of antidepressants, psychotherapies, and their combination for acute treatment of children and adolescents with depressive disorder: a systematic review and network meta-analysis. Lancet Psychiatry 2020; 7: 581–601.