Vera Lúcia Ângelo Andrade – CRM-MG 22.284
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH http://lattes.cnpq.br/0589625731703512
A dor abdominal é um sintoma altamente prevalente na prática clínica, podendo ter múltiplas etiologias, tanto orgânicas quanto funcionais, por vezes associadas a grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. As desordens funcionais associadas à dor abdominal têm uma prevalência estimada em 13,5% nas crianças e são subdivididas em quatro subtipos: síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional, migrânea funcional e dor abdominal funcional1,2.
Como é feito o diagnóstico da dor abdominal funcional?
Para o diagnóstico da dor abdominal funcional devem ser usados os Critérios de Roma IV3, que se baseiam na presença de sintomas pelo menos 4 vezes ao mês, nos últimos 2 meses. Após a análise clínica, há três possibilidades diagnósticas:
- Critérios não são suficientes para diagnóstico de síndrome do intestino irritável, dispepsia ou migrânea abdominal;
- Sintomas são explicados por condição patológica (por exemplo, processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico).
- Dor abdominal que não ocorre somente durante eventos fisiológicos (por exemplo, alimentação, defecação ou menstruação). https://pebmed.com.br/disturbios-de-dor-abdominal-funcional-o-que-sao-e-como-abordar-clinicamente/
Quais são os fatores associados a dor abdominal funcional?
Segundo a literatura, a dor abdominal funcional é muito frequente em crianças e adolescentes, sendo os principais aspectos encontrados na história clínica dos pacientes: transtornos psiquiátricos (ansiedade, depressão), passado de traumas/abusos na primeira infância, evidência de ganhos secundários e/ou presença de somatização. Acredita-se que haja uma alteração no eixo microbiota-cérebro-intestino, com hipervigilância e sensibilização central, hipersensibilidade visceral e dismotilidade4. Crianças com dor abdominal funcional apresentam menor resposta do sistema parassimpático, o que significa mais dificuldade em atingir o estado de homeostase, bem como desregulação do sistema nervoso autônomo. Observa-se ainda disbiose intestinal, com aumento da permeabilidade intestinal, aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias e alterações no metabolismo de serotonina. Outro fator importante a ser destacado é a elevada incidência de má absorção a frutose (30%) em pacientes com síndrome do intestino irritável e dor abdominal funcional5.
Quais são possíveis tratamentos da dor abdominal funcional?
Os mecanismos etiopatogênicos da dor abdominal funcional não estão totalmente esclarecidos, o que torna o diagnóstico e o tratamento um desafio. Três categorias propostas são: comportamental (terapias cognitivo-comportamental, hipnose e Ioga, por exemplo), dietética e farmacológica (mebeverina, brometo de otilônio, brometo de pinavério)6. Frequentemente, mesmo lançando mão do arsenal terapêutico tradicional, o paciente mantém dor abdominal e outras opções terapêuticas são aventadas. Estudos avaliaram o papel dos probióticos na dor abdominal funcional. Metanálise, publicada por Horvath e colaboradores, concluiu que o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) é útil no tratamento da dor abdominal em crianças, com maior taxa de resposta em pacientes com síndrome do intestino irritável7. Francavilla e colaboradores avaliaram em estudo randomizado, duplo-cego e controlado, 141 crianças com sindrome do intestino irritável ou dor funcional6. As crianças receberam LGG ou placebo e foram acompanhadas por 8 semanas. O grupo tratado com LGG, mas não o placebo, apresentou uma redução significativa tanto na frequência (P < 0,01) quanto na intensidade (P < 0,01) da dor abdominal. Recentemente, um novo ensaio clínico randomizado demonstrou benefício do uso de LGG na redução da cólica infantil em recém-nascidos sob amamentação, além de uma diminuição significativa da calprotectina fecal8. Por outro lado, o uso de probióticos em adultos não se mostrou eficiente na redução da intensidade ou frequência da dor abdominal funcional. https://pebmed.com.br/lgg-na-dor-abdominal-qual-papel-do-probiotico-video/
Referências
1- Korterink JJ, Diederen K, Benninga MA, Tabbers MM. Epidemiology of pediatric functional abdominal pain disorders: a meta-analysis. PLoS One. 2015;10(5):e0126982.
2- Vernon-Roberts A, Alexander I, Day AS. Systematic Review of Pediatric Functional Gastrointestinal Disorders (Rome IV Criteria). J Clin Med. 2021;10(21):5087.
3- Hyams JS, Di Lorenzo C, Saps M, Shulman RJ, Staiano A, van Tilburg M. Functional Disorders: Children and Adolescents. Gastroenterology. 2016:S0016-5085(16)00181-5.
4- Thapar N, Benninga MA, Crowell MD, Di Lorenzo C, Mack I, Nurko S, Saps M, Shulman RJ, Szajewska H, van Tilburg MAL, Enck P. Paediatric functional abdominal pain disorders. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):89.
5- Rodrigues BA, Speridião SBG, Zihlmann KF. Dor abdominal funcional: um estudo de revisão integrativa do ponto de vista biopsicossocial Br J Pain 2018;1(4):359-64.
6- Horvath A, Dziechciarz P, Szajewska H. Meta-analysis: Lactobacillus rhamnosus GG for abdominal pain-related functional gastrointestinal disorders in childhood. Aliment Pharmacol Ther. 2011;33(12):1302-10.
7- Francavilla R, Miniello V, Magistà AM, De Canio A, Bucci N, Gagliardi F, Lionetti E, Castellaneta S, Polimeno L, Peccarisi L, Indrio F, Cavallo L. A randomized controlled trial of Lactobacillus GG in children with functional abdominal pain. Pediatrics. 2010;126(6):e1445-52.
8- Savino F, Montanari P, Galliano I, Daprà V, Bergallo M. Lactobacillus rhamnosus GG (ATCC 53103) for the Management of Infantile Colic: A Randomized Controlled Trial. Nutrients. 2020;12(6):1693.