A migrânea, ou enxaqueca, é um tipo de cefaleia incapacitante relativamente comum e, além de sintomas como náuseas, vômitos e foto e fonofobia, pode ser precedida ou associada à aura, como são chamados os sintomas neurológicos focais e transitórios, reversíveis. A fisiopatologia da aura da enxaqueca tem sido associada à depressão alastrante cortical (DSC), porém sua relação direta com a migrânea ainda não é compreendida.
Conforme os pesquisadores entendem melhor a fisiopatologia da enxaqueca, novas terapias são estudadas para a doença, porém no caso daquelas com aura ainda há uma limitação de estudos buscando prevenir e/ou reduzir a frequência ou duração desses sintomas focais.
Pensando nisso, um estudo publicado, na última semana, no BMJ Neurology Open, buscou avaliar a eficácia da lamotrigina em comparação com o topiramato, medicamento de primeira linha para profilaxia da migrânea, nos casos de enxaqueca com aura.
A lamotrigina, assim como o topiramato, é uma droga antiepiléptica bloqueadora dos canais de sódio, que induz a inibição indireta da liberação de glutamato neuronal, bloqueando assim a propagação do DSC em todo o córtex cerebral.
Lamotrigina para migrânea com aura
O estudo retrospectivo avaliou registros clínicos de 1.152 pacientes de uma clínica de cefaleia de janeiro de 2014 a fevereiro de 2019. Os critérios de inclusão para inscrição foram:
- Um diagnóstico de enxaqueca com aura ou aura sem enxaqueca de acordo com os últimos critérios diagnósticos da Headache International Society;
- Dois anos ≥ 18 anos;
- Início da enxaqueca antes dos 50 anos;
- Presença de ataques de enxaqueca por pelo menos um ano antes de entrar no estudo;
- Pelo menos dois ataques de enxaqueca com aura ou aura sem enxaqueca por mês nos três meses anteriores.
Os critérios de exclusão foram:
- Qualquer outra cefaleia que não seja de migrânea;
- Cefaleia crônica definida como mais de 15 dias de cefaleia por mês;
- Coexistência de cefaleia por uso excessivo de medicamentos;
- Qualquer outra condição médica comórbida grave (por exemplo, doença cardíaca, hepática, renal e psiquiátrica);
- Outros tratamentos preventivos para enxaqueca nos últimos três meses antes de entrar no estudo; falha anterior de mais de dois agentes profiláticos.
Um total de 53 pacientes foram recrutados para alocação em tratamento ou com topiramato (n = 25) ou com lamotrigina (n = 28). A escolha dos grupos foi baseada no julgamento clínico do neurologista, levando em consideração a clínica do paciente, contraindicações aos medicamentos, tratamentos preventivos ineficazes anteriores e também as preferências do paciente.
Os tratamentos foram iniciados gradualmente, para diminuir os efeitos colaterais, e os pacientes foram acompanhados por, pelo menos, seis meses após o início. A dosagem variou de 25 mg a 100 mg duas vezes ao dia para ambos os medicamentos, de acordo com a avaliação de cada paciente.
Resultados
- Os grupos eram pareados por sexo, mas não por idade, uma vez que os pacientes tratados com lamotrigina eram mais jovens do que aqueles tratados com topiramato (idade média de 37 e 46 anos, respectivamente);
- Setenta e um por cento dos pacientes tratados com lamotrigina (20/28) já haviam sido tratados anteriormente com outro agente profilático para enxaqueca, enquanto no grupo do topiramato apenas 48% (12/25) tinham feito uso de outras terapias profiláticas, embora essa diferença não fosse estatisticamente significativa;
- Dois pacientes do grupo da lamotrigina e um paciente do topiramato interromperam o tratamento após alguns dias devido a efeitos colaterais graves e, portanto, foram excluídos da análise de resultados;
- Tanto a lamotrigina quanto o topiramato foram altamente eficazes na redução da frequência mensal da migrânea de pelo menos 50% no final do acompanhamento, e nenhuma diferença substancial entre os dois grupos de tratamento foi relatada.;
- Em relação a frequência e duração da aura, as respostas foram melhores no grupo da lamotrigina em comparação com o grupo do topiramato (88% vs 79% e 73% vs 54%, respectivamente), embora a diferença não tenha significância estatística;
- Sobre as taxas de resposta ideais, que seriam o paciente relatar o desaparecimento completo das crises de enxaqueca e da aura: as taxas tenderam a ser maiores nos pacientes em uso da lamotrigina em comparação aos pacientes tratados com topiramato (27% vs 13% e 50% vs 37%, respectivamente);
- A lamotrigina mostrou reduzir a duração da aura por episódio de 15 min, enquanto o topiramato não mostrou eficácia relevante na redução deste parâmetro (p = 0,062);
- Os efeitos colaterais foram significativamente mais frequentes nos pacientes em uso do topiramato em comparação com aqueles do grupo da lamotrigina (p = 0,004).
Os efeitos colaterais mais frequentes do topiramato foram: parestesia transitória, perda de peso, tonturas, sonolência e sintomas cognitivos, como dificuldades de concentração/atenção, pensamento lento e alterações de humor. Já os da lamotrigina foram: fadiga, ansiedade, sonolência e náusea.
Conclusões
O estudo demonstrou que o topiramato não foi eficaz em reduzir a frequência e duração da aura no acompanhamento de seis meses, apesar de ser comprovadamente eficaz na prevenção da migrânea. Já a lamotrigina mostrou uma redução da frequência e duração da aura, além de mais de três quartos dos pacientes com resposta à aura também relatarem uma redução da frequência de crises de enxaqueca durante o período de tratamento, sugerindo uma eficácia potencial do medicamento na profilaxia.
As diretrizes atuais não indicam a lamotrigina, por não ter se mostrado eficaz em ensaios clínicos. O estudo em questão mostrou que, principalmente naqueles que possuem efeitos colaterais fortes ao topiramato, a lamotrigina poderia ser uma opção de segunda linha, porém, por não alcançar relevância estatística, novas pesquisas devem ser feitas a partir desses resultados.
Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/migranea-com-aura-lamotrigina-pode-ser-uma-alternativa-eficaz-na-profilaxia/
Autor: Redação PEBMED
Referências bibliográficas:
- Smeralda CL, Gigli GL, Janes F, et al. May lamotrigine be an alternative to topiramate in the prevention of migraine with aura? Results of a retrospective study. BMJ Neurology Open 2020;2:e000059. August 24, 2020. doi: 10.1136/bmjno-2020-000059. Available at <https://neurologyopen.bmj.com/content/2/2/e000059>