Um ensaio clínico randomizado e controlado, publicado no jornal Pediatrics, não encontrou benefícios no treinamento computadorizado da memória de trabalho em comparação ao ensino normal na primeira série, mesmo em crianças com distúrbios comportamentais ou de aprendizagem.
Com o objetivo de melhorar a memória de trabalho como forma de aumentar a atenção, o comportamento e os resultados acadêmicos associados, muitas crianças estão sendo matriculadas em programas computadorizados de treinamento de memória de trabalho em casa, na escola e em ambientes clínicos. Existem evidências, relativamente consistentes, de estudos da alta qualidade de benefícios de curto prazo após o treinamento de crianças em risco de baixa memória de trabalho em grupos clínicos, incluindo crianças com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), bem como crianças com baixa memória de trabalho e grupos não clínicos. No entanto, os autores de alguns estudos observaram benefícios insignificantes de curto prazo para a memória de trabalho em crianças com TDAH e crianças nascidas extremamente prematuras, provavelmente devido a limitações metodológicas.
Metodologia do estudo com as crianças
Neste estudo, o objetivo dos pesquisadores foi avaliar se a resposta ao programa Cogmed Working Memory Training diferia para crianças com baixo quociente de inteligência (QI) e TDAH elevado, sintomas emocionais e comportamentais, necessidades especiais de saúde ou por sexo. O Cogmed é um programa desenvolvido por neurocientistas e psicólogos cognitivos do Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia. Consiste em uma intervenção, baseada em software, que envolve diferentes tarefas visuoespaciais e verbais que desafiam sistematicamente a capacidade de memória operacional durante um período de treinamento de cinco a dez semanas. Os exercícios são realizados em um computador ou tablet, na conveniência da casa do usuário, escola ou clínica designada. O treinamento é monitorado online e pode ser visualizado pelo usuário e posteriormente monitorado e analisado por um coach.
Foram usados dados do Memory Maestros, um ensaio clínico randomizado controlado, com base na população do programa Cogmed que utilizava o programa na escola (n = 226), em comparação com o ensino normal (n = 226) em crianças da 1ª série (idade média de 6,9 anos; desvio-padrão [DP] 0,4), com pouca memória de trabalho. O Cogmed compreendia de 20 a 25 sessões, de 45 minutos de duração, ao longo de cinco a sete semanas. As crianças concluíram os subtestes da Avaliação Automatizada da Memória de Trabalho (Automated Working Memory Assessment) para mensurar a mudança na memória de trabalho, desde o início até seis meses pós-randomização.
Resultados
Após o treinamento, melhores escores padrão de memória de trabalho (>1 DP) da linha de base até 6 meses foram observados em aproximadamente um terço das crianças, com mais da metade mantendo escores estáveis (dentro de 1 DP). No entanto, resultados semelhantes foram observados para crianças que receberam ensino normal. Nenhuma das características estudadas previu melhora da memória de trabalho em resposta à intervenção. O efeito diferencial do Cogmed em relação ao ensino usual, foi evidente para crianças com hiperatividade e/ou desatenção elevadas, que eram menos propensas a apresentar melhora da memória operacional visuoespacial, mas não para os outros subgrupos estudados.
Conclusões
O estudo forneceu evidências de que o programa Cogmed não ajudou subgrupos específicos de crianças com baixa memória de trabalho a melhorá-la em curto prazo e, de fato, aquelas com hiperatividade e/ou desatenção elevadas são menos propensas a mostrar significado clínico de melhoria com o treinamento. Segundo os pesquisadores, isso amplia as principais conclusões do estudo Memory Maestros de que o programa Cogmed, quando aplicado a crianças identificadas com baixa memória de trabalho, após a triagem da população, não tem benefícios em longo prazo para o desempenho acadêmico e comportamento desatento. Para crianças com baixa memória de trabalho, a taxa de melhora no desempenho da memória operacional, durante o período de 6 meses, foi semelhante naqueles que foram tirados da classe para participar do Cogmed e para as crianças que permaneceram na classe para continuar com o ensino normal. Juntos, esses resultados questionam os benefícios persistentes do programa Cogmed para melhorar clinicamente a memória de trabalho.
De acordo com Jenny Radesky, editora associada do NEJM Journal Watch, quando os pais perguntam se vale a pena gastar tempo ou dinheiro em jogos de computador de “treinamento cerebral” para tratar o TDAH, os pediatras podem aconselhar os pais que as evidências não suportam melhorias em longo prazo. Além disso, os benefícios de curto prazo geralmente envolvem testes de memória de trabalho baseados em computador, não comportamentos cotidianos relacionados com isso. Portanto, pode ser melhor investir tempo em terapia cognitivo-comportamental, grupos de habilidades sociais e outras atividades estruturadas nas quais as crianças possam praticar essas habilidades com mais naturalidade. Para a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o pediatra exerce um papel de protagonista importantíssimo ao orientar hábitos de vida saudáveis, atividade física, esportes, alimentação, imunização, e socialização adequados, além de estímulo para o desenvolvimento potencial de todas as crianças e adolescentes, chamando atenção para os riscos da dependência não apenas digital, mas de drogas e álcool, do comportamento sexual, do autocuidado e também da autoestima.
Fonte:
https://pebmed.com.br/jogos-no-computador-ajudam-na-memoria-de-criancas-hiperativas/
Autor(a):
Roberta Esteves Vieira de Castro.
Doutora em Medicina pela UERJ, mestre em Saúde Materno-Infantil pela UFF e pós-graduanda em neurointensivismo pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
Referências Bibliográficas:
- SPENCER-SMITH, Megan et al. The effectiveness of working memory training for children with low working memory. Pediatrics, e20194028, Nov 2020.
- COGMED. “Cogmed Works!” 2020. Disponível em: https://www.cogmed.com/ Acesso em: 18/11/2020
- RADESKY, Jenny. “Can Computer Games Improve Children’s Working Memory?” 2020. Disponível em: https://www.jwatch.org/na52785/2020/11/10/can-computer-games-improve-childrens-working-memory Acesso em: 18/11/2020.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. “Dependência virtual – um problema crescente. #MENOS VÍDEOS #MAIS SAÚDE”. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22496c-MO_-_DepVirtual__MenosVideos__MaisSaude.pdf Acesso em: 18/11/2020.