A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), caracterizada por pirose e regurgitação, é considerada uma das patologias digestivas de maior prevalência nos países ocidentais, acometendo cerca de 10-20% da população. Embora a primeira linha de tratamento consista no uso de inibidores de bomba de prótons (IBP), alguns pacientes podem se beneficiar da cirurgia antirrefluxo. Recentemente, Park e colaboradores elencaram 10 tópicos que todos os gastroenterologistas deveriam saber antes de considerar o procedimento cirúrgico:
1) A patogênese da DRGE envolve uma relação dinâmica entre o esfíncter esofagiano inferior e alterações de pressão que promovem o refluxo.
O refluxo acontece quando a pressão intragástrica supera aquela do esfíncter esofagiano inferior. Três mecanismos principais favorecem a gênese do refluxo: o relaxamento transitório do esfíncter esofagiano inferior, a presença de hérnia de hiato ou um esfíncter esofagiano inferior hipotônico.
2) A cirurgia antirrefluxo visa a aumentar a pressão basal do esfíncter esofagiano inferior, além de reduzir a frequência e magnitude do relaxamento transitório, minimizando, assim, o refluxo.
A fundoplicatura é a principal forma laparoscópica de cirurgia antirrefluxo, sendo descritas diversas técnicas (Ex: Nissen, Toupet, Dor, etc).
3) Os guidelines disponíveis para indicação de cirurgia antirrefluxo são limitados.
As principais diretrizes recomendam a realização de cirurgia para: (a) pacientes que desejam descontinuar o tratamento clínico; (b) pacientes sem aderência ao tratamento clínico; (c) pacientes que falharam ao tratamento clínico (sintomas persistentes, estenose péptica, esofagite refratária a terapia medicamentosa). No entanto, deve-se considerar no processo decisório que até 62% dos pacientes necessitam retomar o uso de IBP após 9 anos de cirurgia e que os pacientes que respondem melhor a cirurgia são aqueles que também respondem ao tratamento com IBP.
4) Uma avaliação pré-operatória ampla é fundamental para selecionar os pacientes mais adequados para cirurgia antirrefluxo, otimizando os resultados e reduzindo o risco de complicações.
Uma avaliação pré-operatória adequada vai alterar o diagnóstico ou modificar o plano cirúrgico em até 30% dos pacientes. A avaliação pré-operatória deve incluir a realização de endoscopia digestiva alta e manometria esofagiana para todos os pacientes. A pHmetria deve ser realizada nos pacientes sem evidência de esofagite erosiva, enquanto o esofagograma pode ser solicitado na suspeita de hérnia hiatal ou alterações anatômicas.
Pacientes que não respondem a IBP devem ser submetidos a propedêutica para avaliar diagnósticos alternativos, especialmente as doenças funcionais e alterações de motilidade esofagiana.
5) A eficácia no longo prazo da cirurgia antirrefluxo é limitada e muitos pacientes necessitarão retomar o uso de IBP após períodos variados de tempo.
Cerca de 82% dos pacientes necessitarão de IBP após 15 anos de cirurgia. Esse fato deve ser ponderado junto ao paciente, especialmente junto àqueles que desejam suspender o uso de IBP.
6) A cirurgia antirrefluxo não tem impacto significativo na progressão do esôfago de Barrett para adenocarcinoma de esôfago. A ablação endoscópica de esôfago de Barrett com displasia ainda é recomendada.
A presença de esôfago de Barrett isoladamente não deve ser uma indicação para realização de procedimento cirúrgico. Metanálise recente demonstrou que a incidência de adenocarcinoma de esôfago em pacientes tratamentos clínica ou cirurgicamente foi semelhante [4,8 casos por 1000 pacientes-ano (IC95% 1,7–11,1) vs 6,5 casos por 1.000 pacientes-ano (IC95% 2,6–13,8), respectivamente].
7) Bypass gástrico em Y de Roux, laparoscópico, deve ser a cirurgia de primeira escolha em pacientes com obesidade mórbida e DRGE.
A obesidade é associada a um risco 2,5 vezes maior de DRGE. O bypass gástrico em Y de Roux reduz significativamente os sintomas de refluxo, esofagite e incidência de DRGE no pós-operatório.
8) A terapia medicamentosa é mais custo-efetiva em um período de 30 anos que a cirurgia antirrefluxo, desde que o custo da droga seja baixo.
No modelo americano, estima-se que seja vantajoso o uso de terapia medicamentosa se o custo do tratamento for de até 90 dólares mensais.
9) Complicações tardias da cirurgia antirrefluxo são comuns e os gastroenterologistas devem saber reconhecer e manejar.
A cirurgia antirrefluxo cursa com baixa mortalidade em 30 dias (<1%), enquanto a morbidade pós-operatória imediata é estimada em 4,7-17%. Complicações tardias incluem: disfagia de início tardio (3%–24%), pirose recorrente (62%), síndrome de bloating (85%) e diarreia (18%–33%).
10) Novos procedimentos endoscópicos e cirúrgicos antirrefluxo minimamente invasivos estão sendo desenvolvidos e parecem promissores.
São exemplos de novas tecnologias para tratamento de DRGE: LINX (Magnetic Sphincter Augmentation), Stretta (Mederi Therapeutics, Inc, Norwalk) e TIF (fundoplicatura transoral sem incisão).
Fonte: PEBMED – https://pebmed.com.br/10-topicos-que-os-gastroenterologistas-deveriam-saber-antes-de-indicar-a-cirurgia-antirrefluxo/
Autor: Guilherme Grossi Cançado – Gastroenterologista Mestre em Saúde do Adulto
Referência bibliográfica:
- Park S, et al. Ten things every gastroenterologist should know about antireflux surgery. Clin Gastroenterol Hepatol. 2020;18:1923–1929