Probiótico LGG na síndrome do intestino irritável

As doenças funcionais do tubo digestivo se caracterizam por alterações do eixo cérebro-intestinal e disbiose. Entre elas, a síndrome do intestino irritável (SII) é a mais estudada, devido a sua alta prevalência e acentuado prejuízo da qualidade de vida.

O LGG® também tem sido estudado nessa situação clínica e parece ser capaz de diminuir a intensidade da dor abdominal, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.

Assista o vídeo para entender mais sobre o assunto:

8 ações para fidelizar pacientes que você pode aplicar no seu negócio

Um dos grandes desafios para os médicos que decidiram empreender é desenvolver estratégias eficazes para fidelizar pacientes. Esse obstáculo se tornou ainda maior em tempos de pandemia da Covid-19.

Neste sentido, é necessário conhecer mais sobre as possibilidades que os canais digitais oferecem. Então, preparamos este artigo para listar algumas ações essenciais para você que deseja conquistar o seu público.

Ações para fidelizar pacientes

A seguir, confira 8 práticas que podem ser aplicadas no seu negócio para fidelizar mais pacientes.

1) Aprimore o seu pré-atendimento

Geralmente, há uma grande preocupação com o relacionamento pós-consulta, sendo apontado como o momento chave para encantar um paciente e fidelizá-lo ao consultório. Esse pensamento não está errado e, de fato, é uma etapa essencial do atendimento.

Contudo, todas as fases que antecedem a consulta também devem ser consideradas como fundamentais. Após tomar ciência sobre um problema de saúde, o paciente passa a pesquisar por um médico em sua região.

Para ser encontrado, o primeiro passo é cadastrar o consultório no Google Meu Negócio, ferramenta que faz com que uma empresa seja exibida nos resultados de busca, além de trazer uma série de informações sobre o estabelecimento.

Ademais, atente-se para a facilidade do agendamento. Embora o contato telefônico continue sendo importante, o advento das ferramentas de marcação online trazem mais praticidade e facilidade para o paciente agendar a consulta.

Além disso, lembre-se de oferecer um ambiente aconchegante e acolhedor. Geralmente, a pessoa já está enfrentando alguma dificuldade. Por isso, o seu consultório precisa amenizar o sofrimento dela, trazendo uma boa sensação e não o contrário.

2) Capacite os seus funcionários

Mesmo que você ofereça um excelente pré-atendimento ao paciente, todo o esforço pode não ser suficiente se os seus colaboradores não forem capazes de atender aos pacientes com simpatia e gentileza.

Por isso, a capacitação dos funcionários é uma etapa importante do processo de fidelização. Então, invista em treinamentos voltados para a recepção e atendimento ao público, com foco no setor de saúde.

3) Não se atrase

Os atrasos no atendimento são uma das principais queixas dos pacientes, quando se trata da prestação de serviços em saúde. Se a sala de espera do seu consultório está sempre repleta de pessoas, dificilmente você conseguirá fidelizar pacientes.

Para mudar essa realidade, comprometa-se com o horário acertado com as pessoas. Ao realizar o agendamento, elas programam todo o seu dia contando que serão atendidas naquele momento previamente combinado.

Assim, existem duas ações que ajudam a combater esse problema. Em primeiro lugar, faça uma análise do tempo médio necessário para cada consulta. Com isso, considere essa informação na programação da sua agenda, dando o intervalo correto para cada atendimento.

Segundo, conheça mais sobre seus pacientes. Mesmo que você já tenha um bom espaço de tempo entre cada consulta, cada pessoa é diferente. Enquanto alguns são mais objetivos, outros demandam mais tempo. Para evitar atrasos, alongue o intervalo para os atendimentos mais prolongados.

4) Melhore sua comunicação

Em tempos de pandemia, os pacientes já chegam fragilizados ao consultório. Assim, dedique-se a tornar a experiência deles a melhor possível. Para isso, a forma e a frequência com que se comunica desempenha grande influência.

Neste sentido, esteja presente nas redes sociais mais utilizadas, como o Instagram e o Facebook, ofereça informações relevantes para o seu público, responda as dúvidas e comentários que surgirem.

Além disso, aproveite as vantagens que a automatização oferece. Atualmente, existem sistemas que automatizam o envio de SMS para confirmação de consultas, disparo de e-mail marketing e atendimentos via WhatsApp.

5) Ofereça atendimento humanizado

A humanização do atendimento nunca foi tão necessária. Neste cenário de grande dificuldade em que vivemos, você precisa se preocupar em atender de forma respeitosa, dedicando a atenção e a empatia necessária.

Ainda, o atendimento humanizado tem como base a premissa de que cada paciente é único, tem demandas específicas e opiniões próprias que devem ser respeitadas e atendidas. Essa é uma ferramenta essencial para fidelizar pacientes e se diferenciar da concorrência.

6) Produza conteúdos relevantes

O marketing de conteúdo é uma estratégia baseada na produção e distribuição de informações relevantes para o público com o objetivo de despertar a atenção do leitor, se tornar uma referência para ele e convertê-lo em cliente.

No setor de saúde, essa estratégia vem se mostrando cada vez mais eficaz, principalmente em tempos de pandemia do novo coronavírus. Isso porque, há uma grande demanda por informações na internet.

Dessa forma, se você produzir conteúdos que respondam às dúvidas do público, estará aumentando sua visibilidade e demonstrando seu conhecimento. Com isso, irá conquistar a confiança deles, fazendo com que se lembrem de você no momento em que precisarem de um médico.

7) Fortaleça o relacionamento no pós-consulta

Assim como ressaltamos a importância do pré-atendimento, o relacionamento pós-consulta pode ser determinante para a fidelização ou não dos pacientes. Por isso, preocupe-se em manter uma comunicação ativa, mesmo após o fim do atendimento.

Uma boa forma de fortalecer esse relacionamento é utilizando o e-mail marketing. Para isso, basta disparar conteúdos informativos para a caixa de entrada dos seus pacientes. Essa estratégia é ainda mais assertiva se você segmentar os pacientes por áreas de interesse.

Além disso, o e-mail marketing também deve ser usado para enviar comunicações sazonais, como, por exemplo, felicitações em datas comemorativas, como dia das mães e dos pais, e em aniversários.

8) Implemente um software médico

Depois de falarmos alguma das ações mais eficientes para fidelizar pacientes, talvez, você tenha se perguntado: como dividir o meu tempo entre atendimentos e a implementação dessas medidas? A resposta é simples: com um software médico.

Com a crescente demanda dos profissionais de saúde por ferramentas automatizadas, os softwares médicos estão cada vez mais evoluídos tecnologicamente. Atualmente, as principais tarefas rotineiras do consultório já podem ser realizadas automaticamente.

Por exemplo, o envio de mensagens por SMS pode ser automatizado com um software médico, exigindo apenas a configuração da frequência. Da mesma forma, o disparo segmentado de e-mail marketing é realizado sem grandes dificuldades.

Além disso, os softwares médicos permitem o uso de um recurso muito importante para o crescimento do consultório: as pesquisas de satisfação. Além do envio automático, o sistema pode informar o resultado consolidado das pesquisas.

Enfim, se você deseja fidelizar pacientes, esse artigo trouxe algumas das dicas mais eficazes para alcançar esse objetivo. Então, não perca tempo e comece a executar todas essas ações. Para realizá-las com assertividade e agilidade, considere a implementação de um software médico.

Distúrbios de dor abdominal funcional: O que são e como abordar clinicamente?

Roberta Esteves Vieira de Castro, MD, MSc, PhD

Introdução

As doenças funcionais gastrointestinais (FGIDs) englobam um grupo de desordens caracterizadas por sintomas relacionados ao comprometimento de órgãos do trato gastrointestinal, sem que haja evidências clínicas ou laboratoriais de uma doença orgânica,  isto é, são condições crônicas recorrentes que não são explicadas por etiologias fisiológicas, estruturais ou biomédicas subjacentes2,3,4. Portanto, ocorrem na ausência de uma causa anatômica, inflamatória ou relacionada a dano tecidual5. Dentre elas destacam-se os distúrbios de dor abdominal funcional (DDAF), que são comumente encontrados na infância, afetando, globalmente, até 25% de lactentes e crianças. Dada sua etiologia biopsicossocial envolvendo interações complexas dentro do eixo intestino-cérebro, os DDAF são referidos como “distúrbios da interação intestino-cérebro”. Atualmente, inclusive, o eixo intestino-cérebro tem sido precisamente referido como o “eixo microbiota-intestino-cérebro”, refletindo uma extraordinária expansão da compreensão da magnitude, complexidade, papel e interações das populações microbianas hospedadas dentro do lúmen do trato gastrointestinal (TGI)1.

Os DDAF são frequentemente caracterizados pela presença de hiperalgesia visceral e aumento da percepção central de estímulos viscerais, o que parece ocorrer como o resultado final de fatores psicossociais sensibilizantes e fatores clínicos sobrepostos a predisposição genética e a eventos do início da vida. O início da vida inclui todos os estágios da infância e da adolescência, onde ocorre crescimento, além do desenvolvimento estrutural e funcional dos órgãos, embora a vulnerabilidade do eixo microbiota-intestino-cérebro pareça ser maior durante o período perinatal e nos primeiros anos de vida1.

Assim como em pacientes adultos, os DDAF em pediatria são subclassificados por meio dos critérios de Roma IV em outras condições clinicamente distintas: síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional (DF), enxaqueca abdominal e dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)1.

O objetivo do presente artigo é fornecer uma visão geral e atualizada dos DDAF em pediatria, com foco no uso de probióticos para o tratamento, tema atual e que gera muitas dúvidas entre pacientes, famílias e profissionais de saúde.

Epidemiologia

Os DDAF são extremamente comuns em pacientes pediátricos atendidos por gastroenterologistas1. Dados da literatura mostram que as taxas de prevalência podem variar de 0,3 a 19% em crianças em idade escolar na Europa e nos Estados Unidos7, chegando a ser responsáveis por mais de 50% de todas as consultas clínicas de gastroenterologia pediátrica (GP)8. Em metanálise, Korterink e colaboradores descreveram que, em geral, a prevalência combinada encontrada para DDAF é de 13,5%, sendo que a prevalência relatada variou amplamente, de 1,6 a 41,2%7. No Brasil, Alves e colaboradores relataram que a dor abdominal funcional (DAF) correspondeu a 70% dos casos de dor abdominal crônica (DAC) atendidos em um ambulatório universitário de GP no período de janeiro de 2009 a outubro de 20149.

Quanto à subclassificação dos DDAF, a prevalência da SII em pacientes pediátricos pode variar de 1,2 a 45%10,11. Em relação à DF, uma prevalência de 3 a 27% é descrita em pediatria, sendo que 12 a 16% das crianças encaminhadas para clínicas de cuidados terciários nos Estados Unidos apresentam a condição12. Já a prevalência de enxaqueca abdominal infantil é em torno de 9,3%13. No entanto, embora os DDAF sejam indubitavelmente prevalentes em crianças, os estudos epidemiológicos têm sido dificultados devido à falta de parâmetros diagnósticos adequados. O desenvolvimento de critérios diagnósticos e a subclassificação do original “dor abdominal recorrente em crianças” só se tornaram disponíveis a partir de 2005, com o advento dos critérios de Roma II. Desde então, as duas outras versões dos critérios de Roma tiveram mudanças substanciais, agravando o problema de elucidar e comparar dados de prevalência de diferentes estudos. Um fator limitante que impede a comparabilidade dos dados em todo o mundo é o uso de diferentes ferramentas de avaliação. Cerca de 80% dos estudos publicados que aplicaram os critérios de Roma III usaram o “questionário sobre sintomas gastrointestinais (GI) pediátricos dos critérios de Roma III” para avaliação. Todavia, pesquisas divulgadas que aplicaram os critérios de Roma I ou II usaram uma grande variedade de outros instrumentos1.

A elevada prevalência mundial e seu impacto substancial no bem-estar dos pacientes pediátricos justificam o investimento de recursos e campanhas educacionais direcionadas à prevenção e tratamento, com atenção especial aos distúrbios psicológicos e à redução do estresse7.

Fatores de risco

Dados da literatura mostram que o sexo feminino está associado a uma maior prevalência de DDAF. Este predomínio em meninas tem sido relatado em todos os continentes. Supõe-se que os níveis de hormônios sexuais possam desempenhar um papel, o que é corroborado por observações de que pacientes na pré-menopausa apresentam exacerbação de dor abdominal durante a menstruação. Os hormônios ovarianos podem modular o processo de percepção da dor visceral e a suscetibilidade ao estresse. Embora as crianças mais novas não tenham atingido a maturidade sexual, isso também pode se aplicar aos adolescentes. Outra razão pode ser o fato de que o sexo feminino tem uma maior predisposição para relatar experiências somáticas, como dor. A predominância de meninas também foi descrita em outras queixas funcionais, como constipação funcional e cefaleia. Outros dados mostram que distúrbios psicológicos, estresse e eventos traumáticos aumentam a prevalência de DDAF, mas os estudos não têm mostrado associação com a idade nem com o status socioeconômico7. Ademais, a ingestão de baixo teor de fibras é relatada como um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças15. Por fim, uma história familiar de DDAF de um modo geral, principalmente de SII, foi relatada como um relevante fator de risco epidemiológico1.

Fisiopatologia

O desenvolvimento de DAC é um processo complexo que parece resultar da interrupção da integridade funcional e/ou, de uma forma mais sutil, da integridade estrutural de um ou mais elementos do eixo microbiota-intestino-cérebro. Há muito tempo, o modelo biopsicossocial é reconhecido nesse contexto. Esse modelo defende que os sintomas surgem por meio de várias vias que incluem fatores biológicos (como genética, dismotilidade, hipersensibilidade visceral, inflamação, distúrbios do sono e disbiose), fatores psicológicos (como ansiedade, depressão, baixa autoestima, hospitalização recente e enfrentamento disfuncional) e fatores sociais (como dificuldades de relacionamento com pais, colegas ou professores, bullying e abuso infantil) que interagem uns com os outros. De acordo com o modelo supracitado, todos esses fatores podem contribuir para o início ou persistência da dor, assim como para a gravidade e a frequência dos sintomas contínuos. Embora o protótipo permaneça relevante, ele continua a evoluir, reconhecendo uma complexidade muito maior nessa fisiopatologia. Os fatores biológicos são atualmente divididos em três sistemas principais (neurológico, imunológico e endocrinológico) que se comunicam prontamente entre si e também com o sistema psicológico. É provável que existam outros fatores compostos de sistemas influentes e interagentes. Acredita-se, portanto, que uma melhor compreensão dessas condições aumentará a complexidade da triagem e da avaliação, mas também fornecerá opções de tratamento mais personalizadas, dada a combinação de contribuintes que possam estar subjacentes à apresentação de cada paciente1,5,6. Em suma, os componentes cruciais desse modelo são os conceitos de hipersensibilidade visceral e hipervigilância central, embora a importância relativa de cada um desses componentes não seja clara e possa variar entre os indivíduos. O papel da genética em relação aos fatores ambientais não é conclusivo e, embora ambos os elementos pareçam ser fundamentais, nenhum dos fatores parece suficiente por si só para contribuir para o desenvolvimento de DDAF1.

Embora a causa exata não seja identificada, considera-se que a sinalização nervosa cerebral ou alterações químicas intestinais podem tornar o intestino mais sensível a fatores que normalmente não causam dor, como distensão gasosa, por exemplo. Por causa dessa mudança na função intestinal associada a esse tipo de dor, é frequentemente referida como DAF13. Dada a associação entre a composição da microbiota intestinal precoce e doenças crônicas na infância, acredita-se que os distúrbios na colonização intestinal também possam desempenhar um papel na etiologia e patogênese dos distúrbios GI funcionais na infância16, além da presença de alergia à proteína do leite de vaca (APLV)10. Estima-se que a microbiota humana seja composta por mais de 1 x 1014 células bacterianas, dez vezes o número de células humanas. A maioria da microbiota humana vive dentro do TGI, e vária evidência indicam que nossos micróbios intestinais realizam as seguintes funções: aumentam a função de barreira intestinal; inibem a ligação do patógeno, ligando-se ao epitélio do intestino delgado e grosso e produzindo substâncias que inibem o crescimento de outros organismos patogênicos; modulam a resposta inflamatória intestinal pela modulação do lúmen GI em direção a um estado antiinflamatório; reduzem a hipersensibilidade visceral associada tanto à inflamação quanto ao estresse psicológico, e alteram da fermentação do cólon, convertendo carboidratos não digeridos em ácidos graxos de cadeia curta, melhorando a função intestinal17.

Há relatos também de uma associação de doenças infecciosas, em especial as gastroenterites agudas, de etiologia bacteriana (por Shigella, por exemplo) com o desenvolvimento de SII, sendo indagada a correlação com o rotavírus. A infecção pode ocasionar inflamação, modificação da microbiota e aumento da permeabilidade intestinal. Apesar da resolução da inflamação aguda, pode haver alterações persistentes no aparelho neuromuscular intestinal5,18.

Manifestações clínicas

Como discutimos acima, a sintomatologia dos DDAF é o resultado de uma infinidade de fatores, incluindo hipersensibilidade visceral, alteração da motilidade intestinal, disbiose microbiana, alteração da função imunológica da mucosa e desregulação da função intestinal pelo sistema nervoso central3.

Usualmente, a dor funcional é periumbilical ou epigástrica, dificilmente ocorrendo irradiação. Os episódios de dor podem perdurar por minutos a horas, sendo alternados por intervalos de bem-estar. Uma característica é a ocorrência durante o período diurno e podem ser tão intensos a ponto de ocasionar choro e o paciente precisar interromper as atividades do cotidiano. Podem também ser relatados sintomas  neurovegetativos, tais como sudorese, palidez, náuseas e vômitos5.

Síndrome do intestino irritável (SII)

É definida pela presença de dor abdominal associada a alteração dos hábitos intestinais, que incluem mudança na frequência, na consistência e no formato das fezes, com esforço ou urgência para defecar, tenesmo, presença de muco e distensão abdominal3,5,19.

Dispepsia funcional (DF)

Os sintomas dispépticos incluem dor epigástrica, azia, plenitude gástrica pós-prandial, saciedade precoce, náuseas, vômitos, eructações e queimação epigástrica20.

Enxaqueca abdominal

Caracteriza-se pela presença de episódios paroxísticos de dor periumbilical moderada a grave, mal localizada, na linha média ou abdominal difusa com duração igual ou superior a uma hora. Os episódios são separados por semanas a meses e há um padrão e sintomas estereotipados em cada paciente. A dor é forte o suficiente para interferir nas atividades diárias normais. A dor abdominal geralmente está associada a outros sintomas, como cefaleia, palidez, anorexia, náusea, vômito e fotofobia. Após avaliação médica adequada, os sintomas não podem ser atribuídos a nenhuma outra condição clínica. Na maioria das vezes, há uma história familiar de enxaqueca e há uma forte propensão a evoluir para cefaleias por enxaqueca na idade adulta21.

Dor abdominal funcional não especificada de outra forma (DAF-NEOF)

Quando a DAC não se encaixa nas demais situações descritas, deve-se considerar a presença de DAF-NEOF5.

Diagnóstico

A avaliação da DAC é um grande desafio diagnóstico. Na primeira etapa da abordagem, o pediatra deve se atentar para a  investigação de quadros de etiologia orgânica. O diagnóstico é baseado em anamnese (principalmente) e exame físico detalhados. A solicitação de exames complementares deve ser criteriosa5,22.

Anamnese

Deve ser focada no reconhecimento de sinais e sintomas de alerta para doença orgânica5 – Quadro 1.

Quadro 1: Anamnese em um paciente com DAC

Dados da anamneseQuestionamentos
Características da dorLocalização, intensidade, frequência, periodicidade, relação com alimentação, dor noturna, interferência com as atividades habituais
Sintomas gastrintestinais associadosPirose, saciedade precoce, plenitude gástrica pós-prandial, náuseas, vômitos, diarreia, constipação, tenesmo, sangramentos digestivos, icterícia
Sinais/sintomas de outros sistemasSintomas urinários, cefaleia, sonolência depois das crises de dor, artralgias/artrites, tosse crônica, asma, respiração bucal
Sinais de comprometimento orgânicoPerda de peso, retardo no crescimento, retardo puberal, palidez cutâneo-mucosa, febre
Antecedentes pessoaisInfecção viral recente, trauma abdominal, intervenção cirúrgica prévia Perfil psicológico e comportamental da criança Conhecimento de situações que geram ansiedade
História alimentarConsumo de leite e produtos lácteos, sucos naturais e artificiais, bebidas gaseificadas, balas, chicletes e alimentos irritantes gástricos (alimentos industrializados, condimentos picantes) Avaliar o conteúdo de fibra na dieta
Medicamentos em uso ou utilizadosAntibióticos, anti-inflamatórios, corticosteroides
História familiarParentes com doenças do TGI ou de outro sistema e que evolua com dor abdominal, enxaqueca, manifestações alérgicas, tuberculose e/ou quadros depressivos
Sinais e sintomas de alerta para doença orgânicaHistória familiar de DII, doença celíaca ou doença péptica; dor persistente em quadrante superior ou inferior direito; disfagia; odinofagia; vômitos persistentes; sangramento gastrointestinal; diarreia noturna; artrite; febre inexplicada

Legenda: DAC – dor abdominal crônica; DII – doença inflamatória intestinal; TGI – trato gastrointestinal.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 20195.

Os DDAF são agrupados de acordo com o perfil de sintomas, que difere com base na localização do TGI (por exemplo, DF versus SII) ou com base em semelhanças com outras condições, como enxaqueca1 – Quadro 2.

Quadro 2: Critérios de Roma IV para DDAF em crianças e adolescentes

DDAFDefinição
DFPlenitude pós-prandialSaciedade precoceDor epigástrica ou queimação não associada à defecação Dentro da DF, há dois subtipos: Síndrome de dificuldade pós-prandial: inclui o desconforto da plenitude pós-prandial ou saciedade precoce que impede o término da refeição regular. Os critérios de suporte englobam a presença de distensão abdominal superior, náusea pós-prandial ou eructações excessivasSíndrome de dor epigástrica: compreende todos os seguintes sintomas – dor ou queimação em epigástrio, grave o suficiente para interferir com as atividades. A dor não pode ser generalizada, nem se localizar em outra parte do abdome ou tórax e não é aliviada pela evacuação ou pela eliminação de flatos. Os critérios que sustentam o diagnóstico podem incluir:Dor tipo queimação, mas sem o componente retroesternalDor frequentemente induzida ou aliviada pela ingestão de uma refeição, mas pode ocorrer durante o jejum
SIIDor abdominal associada a, pelo menos, um dos seguintes:Relacionado à defecaçãoUma mudança na frequência das fezesUma mudança na forma das fezesEm crianças constipadas, a dor não deve resolver com a resolução da constipação
Enxaqueca abdominalPelo menos 2 episódios de todos os seguintes, cumpridos por, pelo menos, 6 meses: Episódios paroxísticos de dor abdominal intensa, aguda periumbilical, na linha média ou difusa com duração de, pelo menos, 1 hora Episódios separados por semanas a mesesA dor é incapacitante e interfere nas atividades normaisPadrão estereotipado e sintomas no paciente individualA dor está associada a 2 ou mais dos seguintes:AnorexiaNáuseaVômito(s)CefaleiaFotofobiaPalidez
DAF-NEOFDor abdominal episódica ou contínua que não ocorre durante eventos fisiológicos (como alimentação e menstruação, por exemplo)Critérios insuficientes para a SII, DF ou enxaqueca abdominalDepois de uma avaliação adequada, a dor abdominal não pode ser plenamente explicada por outra condição clínica

Legenda: DAF-NEOF – dor abdominal funcional não especificada de outra forma; DDAF – distúrbios de dor abdominal funcional; DF – dispepsia funcional; SII – síndrome do intestino irritável.

Nota: Exceto para dispepsia funcional, os sintomas devem ocorrer, pelo menos, 4 vezes por mês durante 2 meses. Para todos os DDAF, depois de avaliação apropriada, a dor abdominal não pode ser totalmente explicada por outra condição clínica.

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019; Friesen et al., 20215,6.

Exame físico

O exame do abdome deve ser minucioso, com atenção para a localização da dor, avaliação de fígado, baço e loja renal, além da presença de massas5. Durante a avaliação abdominal, é importante observar se a distração leva à resolução da dor, um sinal que indica a presença de DDAF. O teste de Carnett (avaliação da sensibilidade abdominal) muitas vezes é útil para diferenciar a síndrome da dor da parede abdominal da dor intra-abdominal originada na víscera1.

Exame perianal e toque retal precisam ser efetuados. Ademais, o pediatra deve enfatizar a avaliação do peso, estatura, velocidade de crescimento e estágio puberal. Manifestações clínicas de alerta incluem: doença perianal, perda ponderal involuntária, desaceleração do crescimento linear e atraso da puberdade5.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Exames laboratoriais básicos devem ser solicitados, incluindo hemograma completo, urina tipo 1, urocultura e exame parasitológico de fezes. Uma investigação laboratorial mais abrangente pode ser necessária, de acordo com a história clínica do paciente, como velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína-C-reativa (PCR), função tireoidiana, amilase, lipase, calprotectina fecal e sorologia para doença celíaca. Apesar de ainda controversa, a realização de rotina de sorologia para doença celíaca é proposta pelo critério de Roma IV, mais atualizado5,18.

Exames de imagem

Com relação a exames de imagem de rotina, como ultrassonografia (USG), por exemplo, não há indicação se o paciente não apresentar evidências clínicas de causa orgânica5. Uma menção especial deve ser feita ao papel da endoscopia digestiva alta (EDA), por se tratar de um exame caro e controverso em termos de sua necessidade e valor no contexto dos DDAF. A EDA é geralmente realizada para identificar a patologia ou descartar uma doença orgânica, ela  pode evidenciar inflamação histológica (esofagite, gastrite, duodenite) e/ou a presença de Helicobacter pylori presente em 23 a 93% dos pacientes, porém o significado clínico desses achados não está bem estabelecido. Para Friesen e colaboradores, o papel da EDA pode estar mudando de uma “busca por doenças” para uma “busca por colaboradores biológicos” dentro do modelo biopsicossocial, particularmente a presença de eosinófilos e mastócitos (ambos parecem ter relação com a DF, enquanto somente os mastócitos parecem colaborar com a patogênese da SII)6.

Em síntese, as evidências atuais, embora limitadas defendem que exames diagnósticos iniciais sejam mínimos na suspeita de DDAF, devendo ser reservados para pacientes com sinais e sintomas de alarme e na presença de queixas específicas. Avaliação adicional também deve ser considerada para pacientes que não respondem ao tratamento, procurando não apenas doenças menos comuns, como colelitíase ou anomalias renais por meio de USG, mas também potenciais contribuintes biológicos, como, por exemplo, eosinófilos e mastócitos através de EDA6,18.

Tratamento

Uma sólida relação paciente-médico, uma comunicação eficaz e a instrução adequada do paciente e de sua família desde o início constituem o cerne do tratamento bem-sucedido dos DDAF. O pediatra deve dedicar bastante tempo da consulta para explicar o diagnóstico aos cuidadores de cada paciente individualmente, discutindo sobre o modelo biopsicossocial, projetando um plano de tratamento e garantindo expectativas realistas, tanto de prognóstico quanto de desfechos1.

 Infelizmente, o manejo dos DDAF é limitado por vários fatores. A natureza biopsicossocial do transtorno dificulta a abordagem, pois cada criança tem um conjunto único de fatores fisiopatológicos e responde de maneira diferente a terapias distintas. Ademais, as evidências científicas em pacientes pediátricos ainda são insuficientes e muitas sugestões de tratamento são, portanto, baseadas em estudos envolvendo adultos (sabe-se, de antemão, que as crianças não respondem da mesma forma que os adultos em incontáveis situações). Por fim, diversos tratamentos eficazes incluem abordagens comportamentais, como modificações de dieta e intervenções psicológicas, e não estão prontamente disponíveis devido à escassez de profissionais de saúde aliados, bem como à falta de cobertura de profissionais por muitos planos de saúde. Com o crescente reconhecimento do papel da microbiota intestinal, uma série de intervenções direcionadas à ela (incluindo uma dieta pobre emoligossacarídeos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis [fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides, and polyols – FODMAP], prebióticos e probióticos), além de intervenções psicológicas e determinados medicamentos estão cada vez mais sendo estudados ​​para o manejo dos DDAF1.

Dieta

Atualmente, o papel da dieta em pacientes com DDAF tem despertado muito interesse em pesquisas científicas e na prática clínica. Mais de 90% dos jovens com DDAF identificam, pelo menos, um alimento que associam ao agravamento dos sintomas GI. Em comparação com controles saudáveis, os pacientes com DDAF evitam alimentos e implementam estratégias de dieta com mais frequência. Embora as reações alimentares adversas possam estar relacionadas a alergias, má absorção ou antecipação de sintomas, também tem havido interesse nos efeitos de componentes dietéticos específicos que interagem no eixo intestino-cérebro6. Na DF, por exemplo, determinados alimentos, como cafeína, picantes e gordurosos, tendem a piorar os sintomas e devem ser evitados5.

Enquanto as evidências de estudos em adultos sugerem que os FODMAP podem ser desencadeadores de sintomas nos DDAF, as evidências em pediatria são muito escassas. No entanto, uma dieta com baixos níveis de FODMAP é comumente prescrita para SII em adultos e crianças, apesar da evidência limitada de sua eficácia. A justificativa para essas restrições dietéticas é baseada na suposição de que uma diminuição na carga de carboidratos fermentáveis ​​de cadeia curta evita o efeito osmótico dos FODMAP, resultando em uma diminuição no volume de água do intestino delgado, limitando a fermentação exagerada de FODMAP pela microbiota do cólon e produção de gás associada, que podem aliviar a DAC. Os FODMAP são mal absorvidos em pessoas saudáveis, bem como em pacientes com DDAF. Todavia, uma alta ingestão de FODMAP está associada a sintomas GI apenas na população com DDAF, o que é explicado pela presença de hipersensibilidade visceral e motilidade intestinal alterada23.  No entanto a sua aplicação deve ser individualizada, evitando grandes restrições e com posterior tentativa de reintrodução do alimento suspenso de forma progressiva.

No que concerne a adoção de dietas com baixo teor de  lactose, uma série de estudos que fizeram uma comparação desse tipo de regime com uma alimentação com lactose em crianças com DDAF mostrou que, na maioria dos casos, uma dieta com baixo teor de lactose não foi útil, mesmo em crianças com um teste de hidrogênio expirado positivo17.

Com relação a dietas gluten-free, é difícil distinguir diferenças claras entre a exclusão de glúten e a melhora dos sintomas relacionados apenas a distúrbios funcionais. Atualmente, em pacientes pediátricos, a dieta sem glúten precisa ser precisamente indicada por um médico e acompanhada de perto por um profissional de saúde, pois pode levar a outras deficiências nutricionais. Nesse contexto,  é pertinente ressaltar a  importância  da sensibilidade não celíaca ao glúten (SGNC), uma condição clínica nova, com pouco conhecimento sobre sua fisiopatologia, mas que tem levantado discussões sobre as restrições dietéticas do glúten em paciente com sintomas que simulam a doença celíaca, porém com componentes histológicos e sorológicos negativos, esse grupo de pacientes se beneficiam de uma dieta gluten-free e seus sintomas podem ser inicialmente entendidos como DDAF. Portanto, mais pesquisas são necessárias para delinear melhor a prevalência e os mecanismos da sensibilidade ao glúten/trigo e seu significado antes de recomendar a restrição ao glúten em crianças com DDAF24.

Considerando que o baixo teor de fibras na dieta é um fator de risco para dores abdominais recorrentes em crianças, Shulman e colaboradores observaram, em estudo randomizado, que a fibra psyllium reduziu o número de episódios de dor abdominal em crianças com SII, independente de fatores psicológicos, não alterando a produção de hidrogênio ou metano na respiração, permeabilidade intestinal ou composição do microbioma15,25.

Suplementação de prebióticos

Os prebióticos podem modificar a microbiota intestinal e, presumivelmente, a resposta aos componentes dietéticos absorvidos de forma incompleta1. Em 2018, um estudo conduzido por Huaman e colaboradores, apesar de ter utilizado uma amostra pequena, observou que a diminuição dos sintomas produzidos por uma dieta baixa em FODMAP em pacientes com DDAF desapareceu logo após a interrupção da dieta. Em contraste, a administração de suplemento prebiótico contendo β-galactooligossacarídeo enriqueceu a microbiota e a diminuição dos sintomas persistiu por duas semanas, concluindo que o tratamento intermitente com prebióticos pode representar uma vantagem sobre as restrições dietéticas para pacientes com sintomas intestinais funcionais26.

Suplementação de probióticos

Os probióticos constituem microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro, sendo eficazes contra várias condições patológicas. Esses microrganismos incluem espécies de bacilos de ácido láctico (como Lactobacillus e Bifidobacterium), espécies de Escherichia coli não patogênicas (por exemplo, E. coli cepa Nissle 1917), Clostridium butyricumi, Streptococcus salivarius e Saccharomyces boulardi (espécies de leveduras não infecciosas). Bactérias geneticamente modificadas têm características imunomoduladoras, como estimular a produção de interleucina-10 e do fator trifólio, que têm efeitos benéficos no sistema imunológico4,27.

Atualmente, a suplementação de probióticos tem sida considerada uma opção terapêutica potencialmente benéfica, segura e agradável para crianças com DDAF, sendo associada significativamente ao alívio da dor4, especialmente naquelas com suspeita de SII ou quando os sintomas foram desencadeados após um episódio de gastroenterite ou posteriormente a um curso de antibióticos17.

Lactobacillus rhamnosus GG (LGG)

O Lactobacillus rhamnosus GG (LGG), ATCC 53103 foi originalmente isolado de amostras fecais de um adulto humano saudável em 1983 por Sherwood Gorbach e Barry Goldwin (as iniciais dos sobrenomes [GG] deram origem ao nome do lactobacilo). Foi identificada como uma cepa probiótica potencial por causa de sua resistência a ambientes ácidos e biliares, além de boas características de crescimento e capacidade de adesão à camada epitelial intestinal. Desde então, tem sido uma das cepas probióticas mais amplamente estudadas, usada em uma variedade de produtos probióticos disponíveis comercialmente. Os efeitos benéficos desta cepa têm sido estudados extensivamente em ensaios clínicos e estudos de intervenção em humanos. Diversos impactos positivos sobre a saúde com o uso de LGG estão bem documentados na literatura, incluindo a prevenção e o tratamento de infecções GI (aliviando a diarreia por rotavírus, por exemplo) e do trato urinário, a estimulação de respostas imunológicas ou a prevenção determinadas alergias, como a dermatite atópica. Além disso, o LGG parece ser seguro e eficaz no prolongamento da remissão em pacientes com colite ulcerativa28,29.

Com relação à DDAF, um ensaio randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, de grupo paralelo foi conduzido no sul da Itália entre 2004 e 2008 e concluiu que o LGG reduziu significativamente a frequência e a gravidade da dor abdominal em crianças com SII30. Já uma meta-análise publicada em 2011 mostrou que o uso de LGG aumentou a proporção de respondentes ao tratamento (definido como ausência de dor ou diminuição da intensidade da dor) em crianças com distúrbios GI funcionais, particularmente em crianças com SII. Além disso, o LGG reduziu a frequência e a intensidade da dor, particularmente também entre crianças com SII31. Mais recentemente, Wegh e colaboradores conduziram uma revisão sistemática cuja conclusão foi de que existem evidências insuficientes para o uso de probióticos em DDAF, mas somente o LGG parece reduzir a frequência e a intensidade da dor abdominal, porém apenas em crianças com SII2.

Portanto, apesar de limitadas, as evidências atuais são encorajadoras para o emprego de LGG na dose de 3 × 109 a 1 x 1010 unidades formadoras de colônias (UFC; em inglês, colony forming unit, CFU) por dia. A maioria dos estudos tem avaliado a utilização do LGG duas vezes ao dia durante um período de quatro a oito semanas3,32.

Abordagem psicológica

O objetivo das intervenções psicológicas é reconhecer e reverter o estresse físico e psicológico, primordiais no desencadeamento, exacerbação ou persistência da dor e, dessa forma, auxiliar no controle álgico e da ansiedade da criança. Opções incluem a terapia cognitivo comportamental (TCC) (que, inclusive, tem sido relatadas como das mais efetivas), hipnoterapia e exercícios físicos, como ioga1,5,18.

Medicamentos

Faltam evidências que suportem a eficácia dos tratamentos farmacológicos em crianças com DDAF. Além disso, a qualidade da evidência é geralmente fraca nos estudos existentes, com apenas alguns ensaios clínicos randomizados avaliando a segurança e eficácia dos medicamentos mais comumente usados. A ausência de dados conclusivos para apoiar tratamentos baseados em evidências científicas e a falta de medicamentos aprovados para o manejo dos DDAF em crianças desafiam os pediatras na prática clínica diária1.

Na verdade, o tratamento farmacológico tem o objetivo de aliviar a sintomatologia em casos não responsivos às medidas supracitadas. Em situações específicas, como na presença de distensão pós prandial, gases intestinais, contrações intestinais ou refluxo gastroesofágico, medicamentos antirrefluxo ou antiespasmódicos podem ser úteis. Dessa forma, é essencial que haja cautela à interpretação dos resultados aparentemente satisfatórios de algumas pesquisas clínicas, pelo aspecto flutuante da dor, que evolui com períodos de melhora espontânea, além de possível efeito placebo que possa justificar a melhora dos sintomas18.

Medicamentos que têm sido estudados para o manejo dos DDAF incluem: antiespasmódicos (como óleo de menta, trimebutina, mebeverine e drotaverine), antibióticos de baixa absorção (como rifaximina B e cotrimoxazol), antidepressivos (tricíclicos, como amitriptilina e inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como o citalopram), anti-histamínicos (como ciproheptadina), bloqueadores do canal de cálcio (como flunarizina) e agentes antirrefluxo (como a famotidina)1,17.

Prognóstico

A gravidade e a frequência dos sintomas GI têm impactos diferentes no estado funcional de diferentes grupos de pacientes. As medidas de qualidade de vida relacionada à saúde relatadas pelo paciente devem fornecer informações sobre o impacto diferencial das DDAF no estado funcional de crianças e adolescentes, incluindo aspectos físicos, emocionais, comportamentais, sociais e cognitivos. Um dos grandes objetivos do tratamento da FAPD é a melhora da qualidade de vida, evitando ausências escolares e em tarefas domésticas além da não participação em esportes ou outras atividades1.

Considerações finais

Em pediatria, muitas vezes a DAC é um enorme desafio diagnóstico e, frequentemente, sua etiologia é funcional. A compreensão do modelo biopsicossocial auxilia não somente no tratamento, mas também na prevenção de novas crises álgicas. Em geral, há necessidade de uma abordagem multifatorial, incluindo avaliações dietéticas e controle de fatores psicológicos, sendo necessário um intenso esforço para educação de pais, cuidadores e do próprio paciente. Existe uma urgência na condução de inúmeras pesquisas para entendimento dos DDAF e desenvolvimento de estratégias terapêuticas com significância estatística. O uso de probióticos, em especial o LGG, parece ser extremamente promissor.

Referências

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Diarreia associada ao uso de antibióticos – Quando usar o probiótico

Cerca de 30% dos pacientes em uso de antibióticos apresentam diarreia durante ou até 8 semanas após o tratamento. A prevenção deste quadro pode ser feita através do uso de probióticos como o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) e Saccharomyces boulardii.

Assista o vídeo para entender mais sobre o assunto:

Como o uso de probióticos pode auxiliar na prevenção de vaginose bacteriana recorrente?

A vaginose bacteriana é uma infecção vaginal que ocorre em cerca de 70% das mulheres em idade reprodutiva. A condição é causada, geralmente, por um desequilíbrio da microbiota vaginal normal, com aumento de bactérias Gram-negativas e diminuição dos Lactobacilos, os quais são responsáveis por manter o pH vaginal nos limites de normalidade. Apesar de ainda não estar completamente estabelecido na literatura, acredita-se que a maior parte das infecções começam com a bactéria Gardnerella vaginalis, a qual forma um biofilme que permite o crescimento de bactérias oportunistas na região. A vaginose bacteriana não é uma doença contagiosa, mas podem existir complicações importantes; tais como parto prematuro em gestantes, doença inflamatória pélvica e aumento de infecções sexualmente transmissíveis.

Os fatores de risco para vaginose bacteriana são:

  • Múltiplos ou novos parceiros sexuais
  • Relação sexual com outra mulher
  • Tabagismo
  • Uso de dispositivo intrauterino
  • Uso regular de duchas vaginais
  • Etnias não brancas

Diagnóstico: Pode ser feito a partir de critérios clínicos.  Os sintomas, quando existentes, incluem: corrimento vaginal homogêneo, bolhoso, cinza ou esbranquiçado, com odor fétido que se exacerba após as relações sexuais ou menstruação. Além disso, podem ser realizados testes laboratoriais, os quais envolvem amostras da região do colo uterino e a visualização ao microscópio. Para confirmar o diagnóstico utilizam-se os critérios de Amsel, sendo que devem ser encontrados 3 dos 4 sinais (Quadro 1).

Quadro 1 — Critérios de Amsel. Devem ser encontrados 3 dos 4 sinais para diagnóstico de vaginose bacteriana.

  • Corrimento vaginal cinza ou esbranquiçado, homogêneo e fluido
  • Presença de “clue cells”
  • pH vaginal maior do que 4,5
  • Teste de Whiff positivo

Tratamento

Cerca de 30% dos casos podem se resolver espontaneamente, entretanto, o tratamento tradicional inclui antibióticos orais ou por via vaginal, como metronidazol, clindamicina ou tinidazol. Embora sejam considerados a primeira escolha de tratamento, cerca de 50% das pacientes têm recorrência dos sintomas em até 12 meses e 10 a 15% das mulheres não melhoram no primeiro ciclo de uso de antibióticos. Além disso, alguns podem levar a efeitos adversos, o que muitas vezes reduz a adesão ao tratamento. Como não se trata de uma infecção sexualmente transmissível, os parceiros não precisam ser tratados.

Probióticos

Os probióticos são descritos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e Organização Mundial da Saúde como “micro-organismos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro”. Pesquisas sobre esse tema têm sido recorrentes nos últimos anos, o que nos faz pensar acerca de seus possíveis benefícios para o tratamento de vaginose bacteriana. A literatura já demonstrou que os probióticos podem ser usados em várias condições clínicas, entre elas a candidíase vaginal.

Probióticos e vaginose bacteriana

Na literatura, ainda há poucos trabalhos sobre as formas de apresentação dos probióticos. Um estudo com 28 mulheres mostrou a aplicação de supositórios intravaginais, principalmente de Lactobacillus GG, 2 vezes ao dia durante 7 dias. Todas as pacientes referiram melhora dos sintomas de vaginite após o uso dos probióticos, além de redução do corrimento e eritema vaginais.

Alguns estudos demonstraram que probióticos, como Lactobacillus acidophilus oral e vaginal, L.rhamnosus GR-1 e L.fermentum RC-14 vaginal podem aumentar o número de Lactobacilos vaginais e auxiliar no equilíbrio da microbiota vaginal. Os Lactobacilos como probióticos têm como mecanismos de ação a habilidade de inibir a adesão e colonização de patógenos, produção de biossurfactantes e de peróxido de hidrogênio. Os biossurfactantes são responsáveis por diminuir a tensão superficial dos líquidos e, portanto, impedir a aderência de micro-organismos. Além disso, alguns Lactobacilos podem produzir peróxido de hidrogênio, o qual pode ser tóxico aos patógenos que não produzem a enzima catalase. Nesse sentido, os probióticos podem ter um papel importante não só na recorrência da doença, mas também em seu tratamento. Os probióticos podem ser usados de forma conjunta à terapia antibiótica ou após o tratamento para prevenir a recorrência da doença.

Estudo de 2017 demonstrou redução da taxa de vaginose bacteriana recorrente com administração de metronidazol 500 mg 2 vezes ao dia por 7 dias. Após completar a terapia antibiótica e ter resolução dos sintomas, as pacientes iniciaram com cápsulas vaginais de L.crispatus diariamente por 14 dias. O estudo conclui que houve recorrência em 41% (16 de 39) no grupo placebo e em 21% no grupo com uso de probiótico (p = 0,497). Em estudo publicado em 2019, probióticos por via vaginal foram usados concomitantemente ao metronidazol oral por 7 dias. Em seguida, para prevenção da vaginose bacteriana, foi feita a fase de manutenção: as pacientes tomavam 2 cápsulas de probióticos diariamente por 10 dias a cada 6 meses, iniciando no primeiro dia do ciclo menstrual. Ao fim do estudo, a taxa de recorrência da doença foi de 29.17% no grupo tratado conjuntamente com probióticos e de 58.33% no grupo placebo (p < 0,05).

Embora alguns estudos demonstrem que os probióticos possam ajudar na prevenção de vaginose bacteriana recorrente, o conhecimento sobre reações adversas, via de administração, doses e tipos de probióticos ainda não está bem estabelecido na literatura.

Conclusão

Dessa forma, concluímos que os probióticos podem reduzir episódios de vaginose bacteriana recorrente, associados ou não à terapia de primeira escolha. Com o aumento da resistência ao uso de antibióticos, é importante desenvolver alternativas para prevenção e tratamento de vaginose bacteriana e de outras doenças. Os probióticos, por sua vez, podem ajudar a restaurar a microbiota vaginal.

Fonte: https://pebmed.com.br/como-o-uso-de-probioticos-pode-auxiliar-na-prevencao-de-vaginose-bacteriana-recorrente/

Autor(a): Vera Lucia Angelo Andrade

Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica SEDIG BH desde 1995 • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Em conjunto com: Jordana Almeida Mesquita¹

¹Acadêmica do 6° período de Medicina na UFMG. Diretora de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Ligas Acadêmicas do Aparelho Digestivo (SOBLAD). Lattes: 4134333640641468

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Existe vantagem de probiótico multicepas x cepa única?

O número de publicações científicas sobre probióticos e seus efeitos têm crescido exponencialmente nos últimos anos.  Probióticos são microrganismos vivos que quando administrados em quantidades apropriadas oferecem benefícios à saúde do hospedeiro e,   segundo a literatura, têm efeitos benéficos nas diarreias e na  imunidade e dermatite atópica, por exemplo.

A diversidade de cepas probióticas disponíveis comercialmente ou para manipulação torna a escolha de um probiótico apropriado um desafio. Será que quanto mais cepas em uma mesma formulação, melhor seria a eficácia terapêutica? Ou será que as cepas podem competir entre si tornando a formulação inefetiva ou até levar a efeitos colaterais para o paciente?

A escolha do probiótico

Recente estudo sobre a eficácia de probióticos de cepa única versus misturas de múltiplas cepas teve como objetivo determinar se cepas únicas ou múltiplas são equivalentes ou mais eficazes.  Um total de 65 ensaios clínicos randomizados foram incluídos. Na maioria dos casos, misturas de múltiplas cepas não foram mais eficazes do que as cepas simples.

Deve-se dar atenção não só a especificidade das cepas, mas a relação com a eficácia probiótica na doença que queremos tratar. Uma revisão sistemática e meta-análise foi realizada sobre este tema, incluindo 28 estudos; e concluiu que os pesquisadores precisam reconhecer e relatar a importância dos resultados por cepas específicas de probióticos e pelo tipo de doença. Das cepas  com atuação isolada mais estudadas,  destaca-se o LGG que está indicado para diarreias agudas, por uso de antibióticos, associada ao Clostridium difficile e síndrome do Intestino irritável.

Outro problema a ser considerado na escolha de um probiótico, é se os probióticos podem demonstrar impacto adverso nos parâmetros nutricionais, metabólicos e imunológicos.  Dezenas de estudos clínicos  comprovaram que a  cepa LGG, alcançou o Qualified Presumption of Safety do Comitê Científico da European Food Safety Authority and Generally Recognized, assim como foi considerado seguro US Food and Drug Administration (FDA). No LGG,  os genes de resistência a antibióticos são distintos dos genes transferíveis e não possuem os plasmídeos que podem disseminar genes transferíveis de resistência.

Podemos concluir que é mito que quanto mais cepas melhor o probiótico. A  escolha de um probiótico apropriado é multifatorial,  devendo ser baseada, não apenas no número de cepas do produto, mas também na doença e no paciente que queremos tratar. Ensaios de eficácia baseados em evidências são cepas  específicos, não podendo ser extrapolados para outros produtos. Qualidade do laboratório que o produz e a formulação do produto são fundamentais para um bom probiótico.

Autora: Vera Lucia Angelo Andrade
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989
Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek
Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia
Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein
Mestre e Doutora em Patologia pela UFMG
Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica SEDIG BH desde 1995
http://lattes.cnpq.br/0589625731703512

Referências bibliográficas:

Probióticos: LGG® no incremento da resposta às vacinas

Há décadas, muitos pesquisadores têm demonstrado interesse sobre os benefícios do uso de pré e probióticos no tratamento e prevenção de doenças. Os probióticos consistem em microrganismos vivos da microbiota comensal humana, com baixa ou nenhuma patogenicidade, que, quando administrados na quantidade adequada, determinam benefícios à saúde humana (Alvarez-Olmos & Oberhelman, 2001; Capurso, 2019). Dentre os microrganismos mais utilizados destacam-se aqueles pertencentes à espécie Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®, ATCC 53013, DSM 33156).

Microrganismos dessa espécie são capazes de sobreviver no suco gástrico e na bile, e aderem a enterócitos com formação de biofilme (Capurso, 2019). Diversos estudos, incluindo ensaios clínicos, têm evidenciado o potencial terapêutico e protetor da terapia probiótica, especialmente a cepa LGG®, no manejo da diarreia do viajante, da diarreia associada ao uso de antibióticos, nas doenças inflamatórias intestinais, e em pacientes pediátricos, como no tratamento das rotaviroses e na prevenção de alergias alimentares (Alvarez-Olmos & Oberhelman, 2001;  Salminen & Arvilommi, 2001; Lebeer et al. 2007; Ahmadi, Alizadeh-Navaei & Rezai, 2015; Capurso, 2019).

O intestino constitui uma enorme interface ambiental, sensível a estímulos externos, o qual abriga mais da metade das células imunologicamente ativas do organismo. Por outro lado, estima-se que o ser humano possua cerca de 1,27 vezes mais células microbianas que humanas (Sender, 2016). Dessa forma, as bactérias comensais do trato gastrointestinal, as quais incluem lactobacilos, exercem permanente interação com o sistema imune, contribuindo para a homeostase e adequada defesa do organismo. A exposição contínua a antígenos no lúmen intestinal induz a tolerância imunológica, com possível deleção clonal, anergia ou supressão da resposta via citocinas IL-10 ou TGF-β. Por outro lado, o constante estímulo gastrointestinal leva à produção de imunoglobulinas, linfócitos T de memória (CD45RO) e células T-helper tipo 1 (Th-1) e tipo 2 (Th-2) (Segers & Lebeer, 2014), as quais são importantes no equilíbrio da resposta imune.

Probióticos aumentam a resposta imune

Dado o efeito imunomodulador da microbiota, uma das estratégias para aumentar a resposta imunológica a vacinas contra vírus e bactérias mais estudada atualmente é o uso de probióticos. Kaila et al. (1992) descreveram significativo incremento na resposta sorológica a rotavírus, através da produção de IgM e IgA, durante os estágios de diarreia dentre os pacientes que foram tratados com LGG®.

Voluntários saudáveis vacinados com vacina oral contra Salmonella typhi, associada à febre tifoide, que receberam probióticos contendo L. acidophilus e Bifidobacterium spp. por 3 semanas, apresentaram maiores níveis de IgA sérica à S. typhi Ty21a em comparação com o grupo controle (Lin-Amster et al., 1994). Adicionalmente, os probióticos parecem favorecer também a imunidade inata por estímulo ao sistema complemento, à atividade fagocítica de macrófagos contra diversas bactérias intracelulares e a produção de citocinas como IFN-γ, IL-12 e IL-18, favorecendo a translocação de células imunes em mucosas. Estudos de meta-análises também indicam a redução de risco de infecções respiratórias em vias aéreas superiores de crianças > 1 ano nos grupos em uso diário de probióticos (Liu et al. 2013, Capurso, 2019). Outros efeitos imunológicos associados ao LGG® incluem:

  • Aumento da expressão de receptores toll-like (TLRs) em todos os tipos celulares; 
  • Aumento da expressão dos receptores associados à apresentação de antígenos HLA-DR em macrófagos e monócitos;
  • Modulação da função de células dendríticas e outros.

            Considerando a segurança para o paciente já comprovada na literatura científica, o uso de probióticos como adjuvante à imunização por vacinas convencionais já tem sido sugerido por alguns autores (Capurso, 2019). De fato, Davidson e colaboradores demonstraram benefício da administração de Lactobacillus GG nas taxas de soro conversão contra o sorotipo H3N2 da vacina de vírus vivo atenuado trivalente contra Influenza (Davidson et al, 2011). Mais recentemente, discute-se também o uso dos probióticos como vetores vivos para a imunização oral de forma a estimular a imunidade em mucosas, incluindo contra a Covid-19 (Taghinezhad-S et al, 2021).  Essas e outras evidências sobre os efeitos benéficos diretos ou indiretos do LGG® sobre a promoção da resposta imune vacinal tem se acumulado nos últimos anos.

Referências bibliográficas:

1. Ahmadi E, Alizadeh-Navaei R, Rezai MS. Efficacy of probiotic use in acute rotavirus diarrhea in children: A systematic review and meta-analysis. Caspian J Intern Med. 2015;6(4):187-95.

2. Alvarez-Olmos MI, Oberhelman RA. Probiotic agents and infectious diseases: a modern perspective on a traditional therapy. Clin Infect Dis. 2001;32(11):1567-76.

3. Capurso L. Thirty Years of Lactobacillus rhamnosus GG: A Review. J Clin Gastroenterol. 2019;53 Suppl 1:S1-S41.

4. Davidson LE, Fiorino AM, Snydman DR, Hibberd PL. Lactobacillus GG as an immune adjuvant for live-attenuated influenza vaccine in healthy adults: a randomized double-blind placebo-controlled trial. Eur J Clin Nutr. 2011;65(4):501-507.

5. Kaila M, Isolauri E, Soppi E, Virtanen E, Laine S, Arvilommi H. Enhancement of the circulating antibody secreting cell response in human diarrhea by a human lactobacillus strain. Pediatr Res 1992; 32:141–4.

6. Lebeer S, Verhoeven TL, Perea Vélez M, Vanderleyden J, De Keersmaecker SC. Impact of environmental and genetic factors on biofilm formation by the probiotic strain Lactobacillus rhamnosus GG. Appl Environ Microbiol. 2007; 73(21):6768-75.

7. Lin-Amster H, Rochat F, Saudan KY, et al. Modulation of a specific humoral immune response and changes in intestinal flora mediated through fermented milk intake. FEMS Immunol Med Microbiol 1994; 10:55–64.

8. Liu S, Hu P, Du X, Zhou T, Pei X. Lactobacillus rhamnosus GG supplementation for preventing respiratory infections in children: a meta-analysis of randomized, placebo-controlled trials. Indian Pediatr. 2013;50(4):377-81.

9. Segers ME, Lebeer S. Towards a better understanding of Lactobacillus rhamnosus GG-host interactions. Microb Cell Fact. 2014 Aug 29;13 Suppl 1(Suppl 1):S7. doi: 10.1186/1475-2859-13-S1-S7.

10. Sender R, Fuchs S, Milo R. Revised Estimates for the Number of Human and Bacteria Cells in the Body. PLoS Biol. 2016 Aug 19;14(8):e1002533. doi: 10.1371/journal.pbio.1002533.

11.Taghinezhad-S S, Mohseni AH, Bermúdez-Humarán LG, et al. Probiotic-based vaccines may provide effective protection against COVID-19 acute respiratory disease. Vaccines. 2021;9(5):466.

Observação: A empresa Chr. Hansen é a produtora da cepa Lactobacillus rhamnosus GG, que segundo a nomenclatura atual agora passa a se chamar Lacticaseibacillus rhamnosus GG ([ATCC 53103] ATCC – American Type Culture Collection). Em 2019, a Chr. Hansen depositou a cepa na DSMZ – Deutsche Sammlung von Mikroorganismen und Zellkulturen (Coleção Alemã de Microrganismos e Culturas Celulares)  sob o número DSM 33156

https://www.dsmz.de/dsmz

http://lactobacillus.ualberta.ca/

https://era.library.ualberta.ca/items/b4736051-ee09-49ec-8146-8f05975db42c

https://www.chr-hansen.com/en/human-health-and-probiotics/our-probiotic-strains/lactobacillus-rhamnosus-gg-trademark-lgg

Microbiota intestinal: perspectivas futuras [podcast]

Neste episódio, produzido pela PEBMED em parceria com a Cellera Farma, Jôbert Neves, pediatra e especialista em Gastroenterologia Pediátrica recebe Vera Lucia Angelo, gastroenterologista e especialista em doenças funcionais e manometria para abordarem o que é microbiota intestinal e as perspectivas futuras do uso do probiótico. Confira!

Uso de probióticos na TDAH

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento comum caracterizado por desatenção, impulsividade e hiperatividade. A etiologia do transtorno é multifatorial, com foco principal em fatores genéticos. No entanto, pesquisas recentes mostram o envolvimento de mudanças e desequilíbrios na microbiota intestinal com TDAH. As evidências da influência da microbiota intestinal no desenvolvimento do cérebro e na neurogênese são claras.1

Uma comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro (eixo intestino-cérebro) é reconhecida como fator de modulação imunológica do organismo, com a microbiota intestinal vista como um regulador chave dessa conversa cruzada. Atualmente, um conjunto de evidências pré-clínicas e, em menor extensão, epidemiológicas apoia a noção de que as interações hospedeiro-microrganismo desempenham um papel fundamental no desenvolvimento e na função do sistema nervoso central (cérebro) e na etiologia dos distúrbios do neurodesenvolvimento.1,2

Eventos no desenvolvimento do organismo e mudanças nos estilos de vida tradicionais são conhecidos por impactar a composição e função da microbiota intestinal e, portanto, podem aumentar o risco de acometimento por distúrbios do neurodesenvolvimento. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é hoje o diagnóstico do neurodesenvolvimento mais prevalente.2

Apesar de muitos anos de pesquisa, a etiologia do TDAH não é clara e seu diagnóstico e tratamento ainda são desafiadores. Diferentes fatores relatados como associados ao risco de desenvolver TDAH e/ou vinculados a diferentes manifestações deste distúrbio também foram associados a mudanças na composição da microbiota intestinal, sugerindo uma ligação entre a microbiota e o transtorno. Evidências de estudos preliminares em humanos também sugerem que os componentes da dieta que modulam a microbiota intestinal podem influenciar o desenvolvimento ou os sintomas do TDAH, embora mais estudos sejam necessários para confirmar essa hipótese.2

A identificação de biomarcadores de neurodegeneração e o desenvolvimento de novos tratamentos, como o uso de probióticos, são alguns dos benefícios potenciais que podem derivar da pesquisa sobre o eixo intestino-cérebro em doenças neurológicas. A administração dos probióticos Lactobacillus sp. e Bifidobacterium sp., por exemplo, pode melhorar a constipação em pacientes neurológicos, mas não afeta outros sintomas da doença.2,3

Apesar dos avanços recentes acerca da compreensão do eixo intestino-cérebro, são necessários mais dados para avaliar se o conhecimento adquirido até o momento pode ser útil no ambiente clínico. Considerando a influência da microbiota intestinal em vários fatores de risco modificáveis ​​de doença cerebrovascular e sua influência nas complicações pós-AVC, em teoria muitos benefícios poderiam derivar do direcionamento à microbiota intestinal. Mais dados são necessários, contudo, para abordar a viabilidade de direcionar à microbiota intestinal o tratamento de pacientes neurológicos, a partir do uso de probióticos.3

Ensaios clínicos destacam o fato de que a suplementação com probióticos é suficiente para induzir efeitos consideráveis ​​em pelo menos três níveis de tratamento médico, a saber: a microbiota, a neuroquímica e o comportamento, sendo necessário mais dados experimentais para conectar esses domínios de maneira causal. Uma compreensão mais profunda desses mecanismos de comunicação será crucialmente importante para o desenvolvimento de qualquer estratégia terapêutica baseada na microbiota para doenças psiquiátricas.4

Uma pesquisa clínica recente, publicada em 2020, avaliou pacientes com TDAH que receberam o probiótico Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) ou placebo, em um estudo controlado, randomizado, duplo-cego. Os pacientes que receberam LGG® tiveram melhores escores de qualidade de vida, comparado aos que receberam placebo.5

Referências

1 – Anna Kalenik, Karolina Kardaś, Anna Rahnama, Katarzyna Sirojć, Tomasz Wolańczyk. Gut microbiota and probiotic therapy in ADHD: A review of current knowledge. Prog. Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2021 Feb 6; 110: 110277.

2 – María Carmen Cenit, Isabel Campillo Nuevo, Pilar Codoñer-Franch, Timothy G. Dinan, Yolanda Sanz. Gut microbiota and attention deficit hyperactivity disorder: new perspectives for a challenging condition. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2017 Sep; 26(9): 1081-1092.

3 – Barbosa, Pedro Melo. Barbosa, Egberto Reis. The Gut Brain-Axis in Neurological Diseases. Int. J. Cardiovasc. Sci. Vol.33. Rio de Janeiro. Sept./Oct. 2020. Epub Aug 07, 2020.

4 – Luca BorrelliSerena AcetoClaudio AgnisolaSofia De PaoloLudovico DipinetoRoman M. StillingTimothy G. DinanJohn F. CryanLucia F. MennaAlessandro Fioretti. Probiotic modulation of the microbiota-gut-brain axis and behaviour in zebrafish. Scientific Reports. Nature. July, 15 2016.

5- Kumperscak HG, Gricar A, Ülen I, Micetic-Turk D. A Pilot Randomized Control Trial With the Probiotic Strain Lactobacillus rhamnosus GG (LGG®) in ADHD: Children and Adolescents Report Better Health-Related Quality of Life. Front Psychiatry. 2020 Mar 17;11:181.

Melhora da tolerabilidade da alergia à proteína do leite em crianças que utilizaram LGG®

Desde a sua identificação, em 1985, o Lactobacillus rhamnosus GG (DSM 33156) é a cepa probiótica mais extensivamente estudada no mundo inteiro, em adultos, bebês e crianças, no que se refere a uma variedade de condições clínico-experimentais, incluindo, sobretudo, suporte imunológico e benefícios gastrintestinais.1

O LGG® influencia diretamente as respostas adaptativas humorais e celulares, assim como características importantes da imunidade inata, dentre as quais podemos destacar: a regulação da atividade de macrófagos e outras células imunes; a produção de imunoglobulinas e citocinas; e o equilíbrio dos processos de inflamação, incluindo a resposta a alérgenos, como antígenos alimentares. O LGG® também é objeto de estudos e ensaios clínicos nas doenças crônicas não transmissíveis, tanto em sua prevenção como no manejo das alergias.1,2

Pensando no equilíbrio da microbiota nos primeiros momentos da vida, uma das principais estratégias preventivas seria a suplementação com probióticos para a grávida ou para o recém-nascido de risco para atopia, induzindo uma situação de eubiose e consequente imunomodulação. No contexto pré-natal, desde 2008, a Organização Mundial de Gastroenterologia determinou recomendações para o uso de probióticos, correlacionando com o nível adqurido de evidências científicas. Dessa forma, observou-se e indicou-se o uso de probióticos como imunomoduladores (ativação de células T reguladoras) e, também, na prevenção e tratamento do eczema atópico associado à alergia à proteína do leite de vaca (APLV).3

Um estudo de coorte europeu acompanhou 132 gestantes, em que metade utilizou Lactobacillus GG e metade, placebo, duas a quatro semanas antes do parto. Após o nascimento da criança, a lactante que fazia aleitamento materno exclusivo recebia durante seis meses a mesma cepa probiótica. Caso o aleitamento materno não fosse exclusivo, o lactente passaria a receber o probiótico. Após dois anos de seguimento, a prevalência de eczema atópico foi 50% inferior no grupo que utilizou probióticos, quando comparado ao grupo controle.3

 O uso de probióticos no tratamento reativo das alergias respiratórias, cutâneas e gastrintestinais tem efeitos menos substanciais do que na prevenção. No entanto, estudos com desenho metodológico diferenciado fornecem evidências de que as cepas probióticas específicas podem ser eficazes no tratamento de um subgrupo de pacientes com eczema atópico, sobretudo naqueles nos quais existe alergia alimentar associada, como APLV.3,4

Um dos estudos pioneiros nessa linha de crianças com APLV confirmada e eczema associado mostrou que a utilização da fórmula extensamente hidrolisada acrescida de probiótico (LGG®), durante um mês, foi suficiente para reduzir o escore de sintomas de 26 para 15 no grupo que recebeu diretamente o probiótico e de 26 para 11 nos que receberam indiretamente, via leite materno.4

A patogênese da alergia alimentar, assim como a fisiologia dos mecanismos de tolerância oral, são complexas e ainda não totalmente esclarecidas, mas estudos demonstraram que a utilização de LGG® favoreceu a aquisição da tolerância oral nas crianças alérgicas ao leite de vaca que realizaram dieta de exclusão associada à cepa probiótica.5

 Referências

1 – Segers ME, Lebeer S. Towards a better understanding of Lactobacillus rhamnosus GG – host interactions. Microb Cell Fact. 2014; 13 Suppl 1:S7.

2 – Kalliomäki M, Salminen S, Poussa T, Isolauri E. Probiotics during the first 7 years of life: a cumulative risk reduction of eczema in a randomized, placebo-controlled trial. J Allergy Clin Immunol. 2007; 119 (4):1019-21.

3 – Zuccotti G, Meneghin F, Aceti A, Barone G, Callegari ML, Di Mauro A, et al. Probiotics for prevention of atopic diseases in infants: systematic review and meta-analysis. Allergy. 2015; 70(11): 1356-71.

4 – Berni Canani R, Di Costanzo M, Pezzella V, Cosenza L, Granata V, Terrin G, et al. The Potential Therapeutic Efficacy of Lactobacillus GG in Children with Food Allergies. Pharmaceuticals (Basel). 2012; 5(6): 655-64.

5 – Fiocchi A, Burks W, Bahna SL, Bielory L, Boyle RJ, Cocco R, et al. Clinical Use of Probiotics in Pediatric Allergy (CUPPA): A World Allergy Organization Position Paper. World Allergy Organ J. 2012; 5 (11): 148-67.